As intenções até poderão ser nobres, mas cuidadosamente desenhadas para não incomodar o setor fóssil
Previsões sobre os resultados da COP30 não serão plausíveis antes do fim de setembro, quando terá vencido a segunda chamada para que as nações participantes apresentem as suas novas “contribuições nacionalmente determinadas” (NDC). Engajamentos imprescindíveis ao tão esperado “Balanço Ético Global”.
Só dezoito países cumpriram o prazo oficial, de fim de fevereiro. Na prática, dezessete, pois a NDC dos Estados Unidos havia sido apresentada pelo governo Biden, em dezembro de 2024. Com uma dezena acrescentada desde março, continuam faltando as de 170 países, um conjunto responsável por quase 90% das emissões.
Mesmo assim, é possível antever que seja bem esperançoso o provável “Acordo de Belém”. Principalmente porque o atual ímpeto das energias renováveis incitará chutes dos mais otimistas para 2035. A fotovoltaica, em especial, ficou tão barata e acessível que só poderá induzir apostas das mais jubilosas em rápidas descarbonizações.
“Nos últimos dois anos, sem muito aviso, a energia solar começou a realmente transformar o sistema energético mundial”. Esta foi a chamada para artigo na “The New Yorker” (9/7), do renomado ambientalista Bill McKibben, adiantando trechos de seu novo livro, a ser lançado em agosto pela W.W.Norton. Com título ainda mais confiante: “Aí vem o sol: uma última chance para o clima e uma nova chance para a civilização”.
McKibben acha que nem faz mais sentido chamar as renováveis de “alternativas”. Chega a dizer que elas passaram a ser o “mainstream”, pois já custam menos que o padrão fóssil dominante nos dois últimos séculos.
Ele utiliza uma ótima cronologia para fundamentar julgamento tão auspicioso. Para que o mundo instalasse o seu primeiro terawatt de energia solar, foram necessários 68 anos (1954-2022). Mas apenas dois anos (2023-2024) para que completasse o segundo, sendo o terceiro esperado para o fim deste ano ou início do próximo.
Também ressalta que, em alguns lugares, a chegada da energia solar parece com os casos em que telefones celulares precederam os fixos. No Paquistão, a demanda por eletricidade da rede nacional passou a cair, em 2024, dada a frenética e extensa instalação de painéis fotovoltaicos autônomos. Fatos comparáveis estão ocorrendo em países africanos, como a Namíbia e a Nigéria.
O problema é que as excelentes observações de McKibben se referem à eletricidade, responsável por apenas um quinto do consumo final de energia do mundo. Pior: a fabricação de equipamentos — como painéis solares e torres eólicas — reforça a demanda por energias fósseis, numa simbiose que ainda durará muito.
Isto quer dizer que, globalmente, a badalada “transição energética” não é substitutiva, mas cumulativa, além de simbiótica. Algo que não mudará enquanto os negócios com as fósseis permanecerem dos mais rentáveis, senão os mais rentáveis.
Então, a pergunta que não pode ser evitada é se essas assembleias anuais de quase duzentos governos, no âmbito da Convenção do Clima (UNFCCC), terão alguma chance de contribuir para inverter a tendência que McKibben acha “paradoxal”. E a resposta é condicional: com certeza não, se dominadas pela inércia. Talvez, se e quando conseguirem ousar inovar.
Três procedimentos concomitantes poderiam contrariar a altíssima rentabilidade dos negócios com fósseis: a) fim dos subsídios que já ultrapassam US$ 7 trilhões por ano; b) tributação a partir do estabelecimento de um preço mínimo para o carbono; c) um bom acordo entre os que podem desencadear firme redução das energias fósseis.
Acordo de Belém deve reafirmar compromisso com o clima com atalhos que não esbarrem em interesses fósseis
Os três já poderiam estar bem encaminhados por uma iniciativa internacional, lançada em 2022: o movimento em favor do “Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis”. Todavia, até agora, só obteve a adesão de 17 governos nacionais e 130 subnacionais — curiosamente, Belém é a única cidade brasileira.
Não é preciso ser muito chegado à ciência política das relações internacionais para desconfiar que, lamentavelmente, nada de parecido poderia sensibilizar as delegações dos quase duzentos países que, em novembro, realizarão a COP30. Nem sequer entraria em pauta. Porém, talvez fosse possível abrir caminho pela articulação de algum tipo de “conchavo” capaz de influenciar as empresas que mais emitem.
Se, entre as resoluções finais da COP30, fosse incluída a convocação de algum conchavo desse tipo, com certeza seria um começo de abandono da inércia. É muito mais provável, contudo, que os resultados permaneçam nos trilhos. Anunciarão alguma meta para financiamentos aos países pobres, um razoável número de indicadores para a adaptação, algumas regras para os créditos de carbono e — quem sabe — o esboço de um programa de trabalho para o que poderia vir a ser a sonhática “transição justa”.
Em suma, entre abraços protocolares e anúncios elásticos, o Acordo de Belém reafirmará o compromisso inabalável da comunidade internacional com atalhos que não esbarrem em interesses fósseis. As intenções até poderão ser nobres, mas cuidadosamente desenhadas para não incomodar o nó górdio do aquecimento global.
Fonte: Valor Econômico


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