Cidade vai permitir contato com iniciativas bem-sucedidas, como o restauro de área de proteção ambiental, mas também mostrará grande concentração de favelas

A escolha de Belém (PA) como cidade-sede da COP30 trouxe visibilidade para a região amazônica, antes mesmo da realização do evento. Mas, se a proximidade ampliou o interesse pela realidade local, também expôs desafios em diversos campos, entre eles os climáticos, sociais e econômicos, além daqueles relacionados à floresta, biodiversidade e infraestrutura.

“Há um simbolismo internacional da Amazônia. Como bioma icônico e, do ponto de vista científico, essencial para as previsões do futuro do planeta, nada melhor do que trazer o mundo para essa vivência”, avalia Virgilio Viana, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), organização que atua pelo desenvolvimento sustentável da região. “Há oportunidade de expor a natureza e as pessoas impactadas pela crise climática, trazendo o evento para o Sul Global, para a Amazônia e para uma cidade emblemática, que sofre e é centro de soluções baseadas na natureza”, acrescenta José Otávio Passos, diretor de Amazônia da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, organização global de conservação ambiental.

Por si só, a cidade expõe o visitante aos potenciais, paradoxos e mazelas regionais. Litorânea, na foz do grande delta do rio Amazonas, é cortada pelo rio Guamá, com margem de até 1,5 km, remetendo à conexão entre floresta, clima e água. A 15 minutos de distância do centro, a ilha do Combu exibe a natureza amazônica e o sucesso da produção de cacau nativo por comunidade tradicional em área protegida. Mas a cidade concentra o maior percentual de favelas do país, que abrigam 55% da população, de acordo com o Censo de 2022, e é vulnerável a questões como calor excessivo, que recai principalmente sobre quem não tem renda para ar-condicionado ou casa insulada.

O cenário facilita colocar na mesa temas como justiça climática, soluções baseadas na natureza e financiamento para a agenda de adaptação a sistemas mais resilientes. A região abriga comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas e tradicionais, cuja contribuição para o aquecimento global tende a zero, mas que sofrem efeitos do desequilíbrio atual, como falta de água. “Um dos temas do comitê internacional de adaptação são os mecanismos de financiamento de infraestrutura, como saneamento”, explica Virgilio. Ao mesmo tempo, o potencial amazônico de aumentar biomassa e sequestrar carbono é gigantesco, inclusive por meio de sistemas de plantio nativos e agroflorestais, inclusive com recuperação de áreas degradadas.

A presença de líderes globais na Amazônia vai facilitar também o contato com soluções já comprovadas. A FAS está promovendo coleta de dados inédita sobre a visão e soluções para mudanças climáticas em 1,9 mil comunidades com internet na região, com objetivo de traduzir necessidades e demandas em volume financeiro. Além disso, tem recebido visitantes e trabalha para expor ações concretas voltadas à maior resiliência regional, como disponibilização de água potável, conectividade e produção de energia solar. Um dos exemplos é a inauguração da fábrica de gelo para pescadores da comunidade de Santa Helena do Inglês, no rio Negro, movida a energia solar.

“A escolha de Belém serviu como marco para construir iniciativas que pudessem chegar na COP já mostrando resultados”, diz Passos, da TNC Brasil. Um deles, no Pará, é primeira concessão de restauração, que uniu política pública e mercado financeiro para restauro de 10 mil hectares na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no município de São Félix do Xingu, que mesmo antes de concretizada contribuiu para redução da grilagem na região. Além da visibilidade, o exemplo mostra a capacidade do Sul Global em construir soluções capazes de mobilizar capital. “A tendência progressiva de região é chave para o Brasil cumprir com seus compromissos de redução de emissões e, ao mesmo tempo, mostrar que o Sul Global é capaz de criar soluções e que países do Norte precisam contribuir com instrumentos financeiros”, explica.

Ele lembra que a presença em Belém pode criar pressões extras para posicionamentos mais assertivos relacionados a políticas para a região amazônica, voltadas, por exemplo, à contenção de desmatamento e controle de práticas ilegais e predatórias, mas em contrapartida gera oportunidade para pressionar países e investidores por agenda focada em melhorias. “Tivemos três fóruns seguidos em países produtores de petróleo, o que deu chance para forte participação de lobistas do setor. Belém torna a COP mais permeável, comunidades do Sul Global podem exercer pressão”, avalia.

“A chance de ter contato direto com a realidade, com a floresta e seus desafios, coloca luz sobre as questões, mas também permite pleitear mais recursos para restauração e uso sustentável da biodiversidade”, diz a diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Juliana Lopes, cujo Grupo de Trabalho (GT) Amazônia, criado em 2021, já produziu documentos como o “Estudo de Boas Práticas Empresariais na Amazônia” e mapa interativo de investimentos privados na região. Uma das entregas da entidade para a COP é o relatório “Brasil de Soluções”, com 70 cases, cerca de um terço na Amazônia.

Fonte: Valor Econômico

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