Processo Digital nº 1126499-47.2016.8.26.0100
 
Pedido de Providências
 
Registro de Imóveis
 
Requerente: M.S.
 
Trata-se de pedido de providências formulado por M. S., em face do Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital, pretendo o cancelamento da averbação nº 08 da matrícula nº 73.747, referente às cláusulas restritivas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade.
 
A negativa para efetivação do ato foi a necessidade de escritura pública para a revogação das cláusulas mencionadas, uma vez que o ato foi constituído por tal forma. Esclarece o Registrador que as partes podem por outro ato notarial alterar os negócios ajustados, revogando as restrições, entretanto, isso não poderá ser feito por mero requerimento de cancelamento da publicidade, visto que as cláusulas continuariam a existir no mundo jurídico e poderiam, em tese, causar prejuízos a terceiros e trazer insegurança aos negócios que envolvam o bem imóvel. Juntou documentos às fls.34/41.
 
O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido (fls.44/45). Foram juntados documentos às fls.52/56, 60/64 e 74/76.
 
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
 
Pretende o requerente o cancelamento da averbação nº 08 da matrícula nº 73.747, referente às cláusulas restritivas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade.
 
Verifico que o entendimento relativo à questão não é pacífico. Ademar Fioranelli já tratou deste tema com bastante propriedade em sua obra “Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade – Série Direito Registral e Notarial”, 1ª edição – 2ª tiragem, Saraiva, São Paulo, 2010, p. 69, 71 e 72.
 
Segundo o renomado registrador:
 
“Alguns doutrinadores entendem não ser possível já que, consumada a doação, não haveria mais contrato entre as partes para ser modificado ou rescindido. Se o doador não tem mais a titularidade da coisa doada, faltar-lhe-ia condição para mudar ou extinguir o encargo. Prevalece contudo, entendimento de que, como contrato, a doação poderá ser distratada por mútuo acordo das partes envolvidas – doador e donatário -, sendo esta a doutrina dominante. Assim é o entendimento de Carlos Alberto Dabus Maluf (Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, p. 171), que, após citar a opinião da grande maioria dos doutrinadores, conclui: “Portanto, consoante a melhor doutrina e a jurisprudência pacífica de nossos tribunais, entendemos ser plenamente viável e perfeitamente válida a revogação, desde que haja expresso consentimento das partes, ou seja, doador e donatário”.
De tudo se retiram as seguintes conclusões:
 
a) Vivos os doadores, as cláusulas poderão ser revogadas com expressa anuência do proprietário (donatário, herdeiro ou legatário), que poderá não ter interesse na renúncia pela qual o bem passa a ser disponível e de livre circulação. A aquiescência do donatário apresenta-se como medida imperiosa, sob pena de nulidade do ato praticado unilateralmente.
 
b) A renúncia, a exemplo do ato em que constituído o ônus (testamento ou escritura de doação), deverá ser formalizada por instrumento público adequado, sendo válida a afirmação contida no art. 472 do CC, segundo a qual o distrato se faz pela mesma forma do contrato quando exigida para a validade deste, não se podendo utilizar o disposto no art. 250, II, da Lei de Registros Públicos, já que nem todos os atos bilaterais de manifestação de vontade podem ser desfeitos a requerimento (instrumento particular) das partes contratantes”.
O artigo 472 do Código Civil é claro ao dispor que:
 
“O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”.
Neste sentido, o fato de que o distrato pressupõe um contrato anterior, não lhe desfigura a natureza contratual, cuja característica principal é a convergência de vontades. Logo, tendo em vista que a escritura de doação foi realizada por instrumento público (fls.38/41), há a necessidade de atender a mesma forma que a lei exigiu para a celebração do contrato, sob pena de invalidade (art.166, IV do CC).
 
Questão semelhante foi objeto de decisão pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça no Processo nº 0046548-31.2010.8.26.0100:
 
“Dúvida. Escritura Pública de Doação (dos pais à filha) com as cláusulas temporárias de inalienabilidade e impenhorabilidade, extensiva aos frutos e rendimentos. Falecimento do cônjuge-doador. Deseja a cônjuge sobrevivente (doadora) com a anuência da filha donatária outorgar escritura de cancelamento das cláusulas sobre a totalidade do gravame. Impossibilidade por vilipendiar vontade alheia válida e eficaz sobre a parte ideal dele, falecido. Contudo, possível o cancelamento do gravame sobre a parte ideal da cônjuge sobrevivente com a anuência da filha donatária. Dúvida prejudicada”
Conforme verifica-se no corpo do v Acórdão:
 
“…Assim, a cônjuge supérstite pode apenas deliberar, por escritura pública da qual participe a donatária como anuente, sobre o cancelamento das cláusulas restritivas que recaem sobre a sua metade ideal, sem alcançar a do doador falecido, a qual só ficará livre depois de 36 meses da morte da doadora” (g.n).
No mais, como bem exposto pelo Registrador, tendo sido realizada a doação por meio de escritura pública, o cancelamento administrativo apenas retiraria sua publicidade dos livros registrais, mas manteria íntegra sua validade no negócio jurídico originário, o que não pode prevalecer, sob pena de se atingir eventual direitos de terceiros.
 
Diante do exposto, julgo improcedente o pedido de providências formulado por M. S., em face do Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital, e mantenho o óbice registrário.
 
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
 
Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.
 
P.R.I.C.
 
Tania Mara Ahualli
 
Juíza de Direito
 
(DJe de 12.05.2017 – SP)