Processo 1047695-31.2017.8.26.0100
 
Dúvida
 
Registro de Imóveis
 
N. A. da S. N.
 
Vistos.
 
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 7º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de N. A. da S. N., tendo em vista a negativa em se proceder ao registro da escritura de venda e compra lavrada pelo Tabelionato de Paz e Notas de Avaí do Jacinto/MG, por meio da qual o suscitado adquiriu da empresa Terra de Santa Cruz Vidros e Cristais de Segurança LTDA os imóveis matriculados sob nºs 38.632, 52.968 e 52.993.
 
O óbice registrário refere-se ao preço da venda e compra, que foi considerado vil, diante da discrepância entre o valor venal (R$ 1.215.299,00) e o de referência (R$ 7.372.343,00).
 
Salienta o Registrador que a transação celebrada por valor muito aquém do real descaracteriza o contrato como sendo de venda e compra, bem como, em consonância com o princípio do “tempus regit actum”, foi exigida a apresentação da Certidão Negativa de Débitos do INSS e Receita Federal atualizada, em nome da empresa alienante. Juntou documentos às fls.05/47.
 
O suscitado sustenta que a escritura de venda e compra foi realizada sem qualquer vício de consentimento, refletindo a vontade dos outorgantes, bem como que não cabe ao registrador presumir eventual fraude ou simulação. Aduz que a falta de apresentação pelo vendedor da Certidão negativa de Débitos atualizada não constitui óbice tanto para a elaboração como para o registro da escritura de venda e compra, uma vez que é faculdade do Tabelião exigir ou não sua apresentação (fls.48/85).
 
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.89/91).
 
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
 
O contrato de compra e venda deve possuir as seguintes características: o consentimento, a coisa e o preço. A questão posta a desate já foi objeto de precedente por esta Corregedoria Permanente, nos autos nº 1062805-07.2016.8.26.0100.
 
Da análise da escritura verifica-se que os imóveis perfaziam os valores venais à época da lavratura do instrumento de R$ 1.215.299,00, foram vendidos pelo valor ínfimo de R$ 107.800,00, o que leva a crer que houve verdadeiro contrato de doação simulado em compra e venda.
 
Como ensina Carlos Roberto Gonçalves, a simulação:
 
”É uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado” (in Direito Civil Brasileiro, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva, 2ª edição, 2005, páginas 440 e 441).
O negócio simulado é nulo, nos termos do artigo 167, II do Código Civil,
 
“Art.167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
 
§ 1° Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
 
I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
 
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
 
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós datados.
 
§ 2° Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.”
De fato, como é sabido não cabe ao registrador a análise da vícios intrínsecos ao título apresentado. Contudo, não poderá o Oficial diante da evidente discrepância dos valores permitir o ingresso do documento no fólio real, sob pena de violação ao princípio da legalidade, sendo certo que a comprovação da inexistência do vicio de consentimento deve ser feita nas vias ordinárias, com a presença do contraditório e ampla defesa.
 
Outrossim, ressalto que a consideração de um negócio por outro trará repercussão na esfera tributária. É certo que ao Oficial de Registro cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, sob pena de responsabilização pessoal, salvo hipótese de isenção devidamente demonstrada.
 
Todavia, razão não assiste ao Registrador no que concerne a necessidade de apresentação da Certidão Negativa de Débitos do INSS e Receita Federal atualizada.
 
Cumpre primeiramente consignar que acompanho o entendimento do MM Juiz Josué Modesto Passos, que em recente decisão proferida à frente desta 1ª Vara de Registros Públicos, declarou que, no que diz respeito à sua convicção pessoal, “no juízo administrativo não cabe aplicar a inconstitucionalidade declarada sobre a Lei 7.711, de 22 de setembro de 1988, art. 1º, I, III e IV, e §§ 11º-3º (cf. ações diretas de inconstitucionalidade 173-6 e 394-1) para, por identidade de razão, dar por inconstitucional a Lei 8.212/1991, art. 47, I, b. Além disso, na arguição 0139256-75.2011.8.26.0000 foi declarada apenas a inconstitucionalidade da Lei 8.212/1991, art. 47, I, d, e – repita-se – na via administrativa não há estender a eficácia dessa decisão também para o art. 47, I, b. Finalmente, as NSCGJ, II, XIV, 59.2, são de alcance algo duvidoso, porque dispensam os tabelionatos (frise-se) de exigir as certidões para a lavratura de escrituras públicas de negócios jurídicos concernentes a direitos reais imobiliários, é verdade; porém, as próprias NSCGJ não puseram dispensa semelhante em favor dos ofícios de registro de imóveis, mesmo na redação dada pelo Provimento CG 37, de 26 de novembro de 2013, em vigor a partir de 28 de janeiro de 2014”.
 
De resto, já decidiu o E. Tribunal de Justiça (apelação 0015621-88.2011.8.26.0604 – Sumaré, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ricardo Dip, j. 22.01.2013):Nesse quadro, avista-se, com efeito, que a exigência, na espécie, de apresentação de certidões negativas para que a escritura de venda e compra, lavrada pelo Tabelionato de Paz e Notas de Avaí do Jacinto/MG, acedesse ao fólio real tem por fundamento a Lei nº 8.212/1991, e, embora a Lei nº 7.711/1988 também verse a necessidade de apresentação das aludidas certidões, o fato é que a Registradora imobiliária, na qualificação do título apresentado a registro, adstrita ao princípio da legalidade, tomou amparo na Lei nº 8.212. À falta de declaração judicial expressa de que a Lei nº 8.212/1991 padeça de inconstitucionalidade, não pode o Registrador de imóveis estender-lhe a fulminação que afligiu a Lei nº 7.711/1988. Frise-se, além disso, que o art. 48 da Lei nº 8.212, de 1991, enuncia que o registrador é solidariamente responsável pela prática de atos com inobservância de seu art. 47:
 
“Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos. (…)
 
§ 3º O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível.”
Note-se que nesse aresto ficou aventada a possibilidade de a Corregedoria Permanente (e, por maior força de razão, a Corregedoria Geral) dispensar as certidões, mas somente nos casos de difficultas praestandi, de absoluta impossibilidade de satisfazer a exigência (Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 – LRP/1973, art. 198, verbis “ou não a podendo satisfazer”) – e não de modo geral e abstrato.”
 
Feitas essas observações, é necessário, porém observar que, justamente porque aqui se trata de um juízo administrativo, não há liberdade senão para cumprir o que tenham decidido as autoridades superiores, i. e., a Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) e o Conselho Superior da Magistratura (CSM) – as quais, é bom ver, desde o julgamento da Apel. Cív. 0003435-42.2011.8.26.0116, em 13.12.2012 (DJ 30.01.2013), mandam que se dispensem as certidões negativas de dívidas tributárias federais e previdenciárias federais.
 
Nesse sentido, confiram-se: (a) para a CGJ: Proc. 62.779/2013, j. 30/07/2013, DJ 07/08/2013; e Proc. 100.270/2012, j. 14/01/2013 (b) para o CSM: as Ap. Cív. 0015705-56.2012.8.26.0248, j. 06.11.2013, DJ 06.11.2013; 9000004-83.2011.8.26.0296, j. 26.09.2013, DJ 14.11.2013; 0006907-12.2012.8.26.0344, 23.05.2013, DJ 26.06.2013; 0013693-47.2012.8.26.0320, j 18.04.2013, DJ 24.05.2013; 0019260-93.2011.8.26.0223, j. 18.04.2013, DJ 24.05.2013; 0021311-24.2012.8.26.0100, j. 17.01.2013, DJ 21.03.2013; 0013759-77.2012.8.26.0562, j. 17.01.2013, DJ 21.03.2013; 0018870-06.2011.8.26.0068, j. 13.12.2012, DJ 26.02.2013; 9000003-22.2009.8.26.0441, j. 13.12.2012, DJ 27.02.2013; 0003611-12.2012.8.26.0625, j. 13.12.2012, DJ 01.03.2013; e 0013479-23.2011.8.26.0019, j. 13.12.2012, DJ 30.01.2013.
 
Logo, entendo que a exigência atinente à apresentação das Certidões Negativas de Débitos Fiscais deve ser superada.
 
Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 7º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de N. A. da S. N., mantendo-se o óbice registrário.
 
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
 
Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.
 
P.R.I.C.
 
São Paulo, 04 de julho de 2017.
 
Tania Mara Ahualli Juíza de Direito
 
(DJe de 13.07.2017 – SP)