1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Indicação incorreta na escritura pública do bloco relativo ao apartamento – Ata retificativa – Alteração substancial do objeto – Impossibilidade – Instrumento inadequado – Desnecessidade de oficiar o juiz corregedor do Tabelião.
Processo 1056522-31.2017.8.26.0100
Dúvida
Registro de Imóveis
M. H. B. S. P.
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por M. H. B. S. P. em face da negativa do Oficial do 18º Registro de Imóveis da Capital em proceder ao registro da escritura de compra e venda lavrada pelo 8º Tabelião de Notas da Capital, referente ao imóvel matriculado sob nº 116.967.
O óbice registrário refere-se a escritura ter por objeto o apartamento nº 22-A, Bloco A, do Condomínio Multipredial Ilhas Baleares, que estaria alienado para S. G. e sua esposa, nos termos do registro nº 01 da matrícula nº 176.142.
Posteriormente a suscitante apresentou ata notarial de retificação lavrada pelo mencionado Tabelião, na qual foi declarado que a unidade vendida a S. G., objeto da matrícula 176.142, está situada no Bloco B, tendo o Registrador apresentado nova nota devolutiva, sob o argumento de que a ata não se presta para retificar escritura e consequentemente substituir seu objeto.
Salienta, por fim, que o registro da escritura outorgada a Salvador e registrada na matrícula nº 176.142, estava de acordo com o título apresentado. Apresentou documentos às fls.145/175.
Insurge-se a suscitante do óbice registrário, sob o argumento de que houve erro do escrevente que lavrou o ato, indicando o “Bloco A”, por orientação da sigla do apartamento (22-A), e quando percebeu tratar-se de equívoco, já que a unidade autônoma se refere ao “Bloco B”, lavrou ata retificadora, levando em consideração a documentação pertinente, como o memorial descritivo, o auto de conclusão e os dados cadastrais da Prefeitura de São Paulo.
Aduz que o Registrador cometeu equivoco ao abrir a matrícula nº 176142 e registrar o imóvel, dissociando-se da base jurídica da descrição e discriminação da unidade autônoma, violando os princípios da especialidade e da continuidade, bem como não considerou a ata retificadora, que buscou trazer a realidade aos fatos e permitir o adequado registro de acordo com o memorial descritivo e certidões cadastrais, concluindo-se assim que os apartamentos do Bloco A tem metragens diferentes daqueles do Bloco B. Juntou documentos às fls.14/134.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.195/198).
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Com razão o Oficial Registrador e a D Promotora de Justiça. A escritura pública é ato notarial que reflete a vontade das partes na realização de negócio jurídico, observados os parâmetros fixados pela Lei e pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, reproduzindo, portanto, exatamente aquilo que outorgantes e outorgados declararam ao Escrivão ou ao Escrevente.
Assim, conforme entendimento sedimentado pela Egrégia Corregedoria Geral de Justiça, o juiz não pode substituir o notário ou qualquer uma das partes, retificando escrituras.
Conforme expõe Narciso Orlandi Neto:
“Não há possibilidade de retificação de escritura sem que dela participem as mesmas pessoas que estiveram presentes no ato da celebração do negócio instrumentalizado. É que a escritura nada mais é que o documento, o instrumento escrito de um negócio jurídico; prova pré-constituída da manifestação de vontade de pessoas, explicitada de acordo com a lei. Não se retifica manifestação de vontade alheia. Em outras palavras, uma escritura só pode ser retificada por outra escritura, com o comparecimento das mesmas partes que, na primeira, manifestaram sua vontade e participaram do negócio jurídico instrumentalizado.” (Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 90).
E ainda, segundo Pontes de Miranda:
”falta qualquer competência aos Juízes para decretar sanações e, até, para retificar erros das escrituras públicas: escritura pública somente se retifica por outra escritura pública, e não por mandamento judicial” (Cfr. R.R. 182/754 – Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo III, 3ª ed., 1970, Borsoi, § 338, pág. 361).
Na presente hipótese a matrícula nº 176.142 foi aberta para o imóvel referente ao apartamento nº 22-A, Bloco A, sendo certo que não é possível por ata retificadora unilateral modificar o negócio jurídico entabulado entre as partes, declarando que a unidade vendida a Salvador, objeto da matrícula 176.142 está situada no Bloco B, e não no Bloco A.
Ainda que demonstrada nos autos a boa-fé da suscitante em fazer a retificação e a presença de fortes evidências de que, de fato, a matrícula aberta não corresponde à correta descrição do imóvel, esta exprime fielmente o constante do título que lhe deu origem, a escritura de compra e venda, sendo certo que somente a permuta de imóveis poderia resolver o impasse.
Como bem exposto pela D. Promotora de Justiça:
“Não pode a ata retificadora unilateral, depois de vários anos, pretende modificar o objeto do negócio. Entre a lavratura da escritura de compra e venda e a ata retificadora se passaram quase 12 anos (fls.124/125), dentro dos quais ninguém buscou corrigir a informação que ora alega estar errada. Além disso, a ata retificadora não pode se prestar a alterar os elementos substanciais da primeira”.
Tal questão já foi objeto da análise perante a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, no Recurso Administrativo nº 1035699-70.2016.8.26.0100, Rel: Corregedor Des. Manoel Pereira Calças):
”REGISTRO DE IMÓVEIS – Registro de escritura de divisão amigável – Título e registro que atribuem aos interessados os bens de modo invertido (imóvel X para A e imóvel Y para B, quando o correto seria, segundo o apelante, Imóvel X para B e imóvel Y para A) – Escritura de retificação e ratificação elaborada vinte e cinco anos depois para corrigir o equívoco – Título levado a registro trinta e quatro anos depois do ingresso registral da escritura de divisão – Ausência de erro no registro – Registro efetuado há mais de trinta anos conforme a escritura apresentada – Impossibilidade de retificação da escritura – Situação que extrapola as específicas hipóteses de retificação previstas nas NSCGJ (itens 53 e 54 do Capítulo XIV das NSCGJ) e que implicaria modificação da declaração de vontade das partes e da substância do negócio jurídico realizado – Recurso desprovido”
Logo, com razão o Registrador ao estabelecer que a escritura a ser lavrada deveria ser a de permuta, vez que houve erro na transmissão original e não de retificação e ratificação do ato. No mais, deve se levantar em conta a questão da incidência tributária. Entender o contrário seria permitir a utilização de escritura de retificação e ratificação para desnaturar completamente a natureza de ato jurídico, inclusive dando-se azo a situações em que o ato retificatório serviria para burlar exigências tributárias e obrigacionais.
Neste contexto, citando novamente Narciso Orlandi Neto:
Não se pode, à guisa de corrigir erros, modificar o negócio jurídico celebrado, substituindo-o por outro, como seria a transformação de uma venda e compra numa doação, ou vice-versa. Erro dessa espécie, que pode ter acontecido, pode ser corrigido, mas com a celebração do negócio realmente pretendido e a satisfação das exigências legais. (Ata Notarial e a Retificação do Registro Imobiliário in Ata Notarial. Amaro Moraes e Silva Neto et al.; coord. Leonardo Brandelli Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliários do Brasil: S. A. Fabris, 2004, p. 151/183).
Por fim, entendo descabida a expedição de ofício ao MMº Juízo da 2ª Vara de Registros Públicos para verificação do procedimento de lavratura da ata retificadora.
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida inversa suscitada por M. H. B. S. P. em face da negativa do Oficial do 18º Registro de Imóveis da Capital, em proceder ao registro do título apresentado e consequentemente mantenho o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 14 de setembro de 2017.
Tania Mara Ahualli Juíza de Direito
(DJe de 20.09.2017 – SP)