Atuar em Direito das Famílias é se deparar, constantemente, com o núcleo mais profundo da intimidade relacional de alguém. Não raras vezes, nós, advogados, precisamos lidar com situações delicadas que nos são apresentadas, além de enfrentar a árdua tarefa de encontrar uma forma de demonstrar a pretensão do cliente ao Judiciário, sem extrapolar os limites necessários.
Analisando alguns processos que tramitam em “segredo de justiça”, é possível perceber que muitos dos direitos pleiteados são levados à prova mediante fotos do cotidiano familiar, trechos de conversas particulares, ou até mesmo resquícios de uma vida conjugal que um dia foi “feliz para sempre”… Atualmente, na era de WhatsApp e Instagram, os famosos prints vêm dando o que falar. Todavia, há muito já se vinha questionando a validade dessas provas documentais, já que, a um primeiro momento, podem conotar fragilidade.
Nesse exato ponto, chegamos na recente popularização da ata notarial, especialmente nos processos que envolvem o âmago familiar. E o que vem a ser esse meio de prova, agora expressamente previsto em lei? Ata Notarial é o instrumento público através do qual o tabelião descreve, por seus sentidos, uma determinada situação ou um determinado fato que lhe é apresentado pelo interessado, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento. É uma novidade trazida pelo Código de Processo Civil, especificamente no art. 384, in verbis:
Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.
Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.
Esclarecendo o tema, o doutrinador Daniel Amorim aduz que, tratando-se a ata notarial de documento, este pode ser anexado ao processo judicial, sendo que sua força probatória decorre da fé pública do tabelião, pela qual o juiz poderá presumir o fato ali descrito como verdadeiro. É espécie de prova pré-constituída, ou seja, criada fora do juízo, ainda que produzida já durante o trâmite processual, a interesse da parte. Tem natureza documental, mas seu conteúdo em si é eminentemente testemunhal, vez que o teor da ata será justamente as impressões sensoriais do tabelião a respeito do que ali presenciou.
A amplitude que a ata notarial pode tomar, é, sem dúvidas, um ponto positivo a seu respeito, porquanto poderá ser utilizada para tornar eterna qualquer situação fática narrada ou demonstrada pelo interessado. Um exemplo para ilustrar a sua funcionalidade: posturas e comportamentos demonstrados em redes sociais, que podem ser facilmente apagados na internet e exauridos do mundo “real”, quando levados a registro pelo tabelião, são perpetuados documentalmente. Nesse caso específico, se estivéssemos diante de uma ação reivindicando alimentos, a ata poderia demonstrar que o sujeito ostenta um padrão de vida confortável em mídias sociais e possui boas condições econômicas, ainda que a quebra de seu sigilo fiscal e bancário sugerissem o contrário.
Por outro lado, esse instrumento probatório deve ser utilizado com cautela. Como já explicitado, a ata nada mais é que um registro feito pelo notário acerca de determinado fato ou situação, a qual constará dos livros cartorários, tornando-se público. Dotado de publicidade, aquilo fica perpetuamente guardado com fé pública no cartório. Registrado no livro, inclusive, com a própria impressão da página na internet, se for o caso.
Trazendo para a seara dos processos envolvendo direitos correlatos à Família, deve-se medir, cuidadosamente, o que e quais fatos devem mesmo ser levados a registro pelo mencionado instrumento público. Chega a ser paradoxal o processo correr em segredo de justiça, mas alguns elementos de prova, que dizem respeito à intimidade das partes, poder ser acessado livremente.
Além disso, quando utilizada em juízo, é preciso se atentar para o fato de que a ata notarial é produzida unilateralmente. Em que pese o tabelião valer-se de fé pública, a documentação é, na quase integralidade das vezes, feita sem a presença da parte contra quem o documento é produzido no processo. Como ensina Fredie Didier Jr., a ata notarial é um excelente meio para documentar fatos, mas isso, contudo, não exime o juiz de dar-lhe o valor que ela merece. Deve-se então, nos casos concretos, permitir à parte contrária as impugnações que lhe são de direito, garantia que é indiscutivelmente reservada pelos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Sendo assim, concluímos dizendo que essa novidade processual ainda trará muita celeuma no cenário contencioso, especialmente nos procedimentos envolvendo o Direito das Famílias. Seguimos, então, cautelosos, aguardando como os operadores do Direito lidarão com poderoso instrumento probatório.
Bibliografia:
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – Vol. único. 8 ed. Salvador: Ed. Jvspodium,2016.
DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. 12 ed. Salvador: Ed. Jvspodium, 2016.