Imagine-se empresário, à frente de grande grupo econômico, que é subitamente acometido por doença incapacitante. Pela ordem legal, sua esposa, que sempre se dedicou aos afazeres domésticos, do dia para a noite é nomeada sua curadora e passa a comandar negócios com os quais nunca teve familiaridade. Paralelamente, os filhos impugnam judicialmente a sua nomeação e, em razão da cizânia familiar, é nomeado um terceiro, estranho à família, para conduzir os negócios. Para piorar, no curso do processo de interdição medidas inafastáveis precisam ser tomadas, como o aporte de significativos valores nas sociedades, sob pena de prejuízo à atividade empresarial, mas, em face do embate, o Poder Judiciário não autoriza a prática de atos societários.
 
Histórias como essa, em que alguém não pode praticar os atos de sua vida civil, certamente não são raras. Nessas condições, a gestão patrimonial deve ser confiada a quem for nomeado pelo Poder Judiciário. A pessoa incapacitada sujeita-se, então, à curatela (interdição) e quem exerce a administração do patrimônio é o curador.
 
A questão atinge contornos complexos se for considerado que o artigo 1.775 do Código Civil prevê a ordem de quem está legitimado ao exercício da curatela. Assim, o cônjuge ou companheiro, não separado de fato ou de direito, é prioritariamente curador. Na sua falta, são chamados pai ou mãe e, sucessivamente, os descendentes.
 
A ordem legal pode descortinar embates dentro dos núcleos familiares, seja porque o cônjuge/companheiro não tem a confiança dos filhos da pessoa enferma, seja porque quem é nomeado não tem familiaridade com a gestão dos bens, expondo-os a riscos.
 
O legislador previu mecanismos que protejam o patrimônio da pessoa incapaz — fiscalização da curatela pelo Ministério Público, dever de periodicamente serem prestadas contas do exercício da curatela, necessidade de autorização judicial para alienação de bens —, mas que, por outro lado, travam-no. Ainda, esses instrumentos de proteção não tornam expert em assuntos societários uma pessoa sem qualificação, assim como não garantem uma gestão que vise ao melhor interesse de seu titular.
 
Diante de situações como essa, a doutrina vem se dedicando a estudar a viabilidade de instrumentos jurídicos que salvaguardem a condução dos negócios de alguém durante a sua convalescência. Nesse sentido, passou-se a admitir que, no gozo de suas faculdades mentais, o titular do patrimônio possa apontar quem ele gostaria que administrasse o patrimônio e outras medidas a serem tomadas em eventual incapacidade, inclusive no período entre a constatação da doença incapacitante e a nomeação judicial de curador, sobretudo porque não se pode perder de vista que a morosidade judicial ou o dissenso entre os familiares pode impedir a tomada de decisões urgentes e inafastáveis, o que pode importar prejuízos ou até mesmo a bancarrota patrimonial.
 
Por isso, a indicação de curador (ou de conselho curador), a recomendação de medidas patrimoniais e societárias que deverão ser tomadas em eventual incapacidade e a nomeação de quem deverá responder, e em qual medida, pelo patrimônio da pessoa enferma até a nomeação judicial de curador se mostram possíveis e, mais do que isso, recomendáveis, dados os desdobramentos legais advindos da incapacidade de seu titular, somados aos potenciais litígios intrafamiliares. Embora a nomeação de curador seja prerrogativa do Poder Judiciário, a manifestação de vontade do titular do patrimônio, a pessoa que melhor o conhece, garante importante embasamento para as decisões judiciais, razão pela qual vem sendo amplamente aceita nesses casos.
 
Como se pode ver, a gestão patrimonial em caso de incapacidade de seu titular é assunto delicado, mas que pode ser organizado previamente. Desse modo, é recomendável que seja consultado profissional especializado para que, após verificar as peculiaridades do caso concreto, possa ser proposta a solução jurídica mais adequada para instrumentalização da vontade de seu titular e perenização do patrimônio.