No dia a dia, constatamos que a grande maioria das pessoas que se casam no regime da separação total de bens, desconhece que, em caso de falecimento de um dos cônjuges, o outro será seu herdeiro, concorrendo com os descendentes (filhos, netos, bisnetos), ou ascendentes (pais, avós, bisavós), a depender do caso, podendo, inclusive, na falta de ambos (descendentes ou ascendentes), receber a totalidade da herança (artigo 1829, do Código Civil Brasileiro). Isso ocorre porque na sucessão, de acordo com nosso ordenamento jurídico (art.1845, do CC), o cônjuge é herdeiro necessário (aquele que tem o direito à legítima e não pode ser excluído da herança, exceto no caso de deserdação ou de indignidade).
 
As exceções trazidas no artigo 1829, do CC, que afastam o cônjuge da herança em alguns regimes de bens, quando em concorrência com os descendentes, não engloba a separação total de bens. Tais exceções são somente para o regime da comunhão universal de bens, para o regime da comunhão parcial, em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, e para o regime da separação obrigatória de bens, aquela imposta pela lei, onde não é possível escolher outro regime (artigo 1641, do CC). A regra geral seguida pelo legislador na redação deste artigo foi conferir o direito à herança somente na parcela do patrimônio em que o cônjuge não tem meação.
 
Assim, não abrangido por tais exceções, o regime da separação total de bens, eleito pelo casal em pacto antenupcial, gera direito à herança para o cônjuge sobrevivo, tanto em concorrência com descendentes, quanto em concorrência com ascendentes, e, também, quando o cônjuge herda com exclusividade, no caso da falta de descendentes e ascendentes. E, toda essa regra também se aplica, atualmente, aos companheiros, ou seja, para a União Estável, pois, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, que julgou inconstitucional o artigo 1.790, do CC, equiparou-se a sucessão do companheiro à do cônjuge.
 
O problema desta regra, de o cônjuge ser considerado herdeiro no regime da separação total de bens, como sempre, está na prática. A grande maioria das pessoas que se casam neste regime tem como objetivo não misturar seus patrimônios, desejando ficar cada um com o que é seu, tanto na vida, quanto na morte. No entanto, a situação se complica quando nos deparamos com as chamadas famílias-mosaico: pessoas que já foram casadas, tiveram filhos, e, por qualquer motivo, seja por ficarem viúvos, ou se divorciarem, acabam se relacionando com outra pessoa, que, muitas vezes, está na mesma situação, isto é, também já foi casada e, igualmente, tem filhos. Estas pessoas, via de regra, não querem misturar seus patrimônios, querem, sim, permanecer cada um com seus bens e rendimentos, e não querem que, em caso de morte, parte de seu patrimônio, que ficaria para os filhos, seja destinado ao seu novo cônjuge ou companheiro.
 
Nesta situação, ao tomarem conhecimento da condição de herdeiro de seu futuro cônjuge ou companheiro, as pessoas ficam indignadas, eis que se sentem impossibilitadas de decidir, de forma ampla, sobre como serão as regras patrimoniais do seu relacionamento, principalmente por não terem o direito de estabelecer, de comum acordo, que, além da não comunicação patrimonial, também não querem, por ocasião de sua morte, que seu patrimônio seja dividido com seu novo cônjuge, prejudicando assim a herança de seus filhos. Na lida diária do Cartório, inúmeras são as queixas, pois a grande maioria das pessoas não consegue aceitar e nem entender essa limitação imposta pelo nosso ordenamento jurídico. A coisa complica ainda mais quando as partes só descobrem o direito à herança do cônjuge ou companheiro após terem se casado, ou, pior ainda, só depois que um dos cônjuges morre.
 
Muitas pessoas não têm assessoramento jurídico de um advogado, simplesmente escolhem o regime da separação total, e, ao se dirigirem a um Oficial de Registro Civil, são informados que, para esse regime, é necessário fazer um pacto antenupcial em Tabelionato de Notas. E assim o fazem, sem imaginar que, em caso de falecimento de um dos cônjuges, o outro será herdeiro. Cabe ao Tabelião, em casos como estes, assessorar juridicamente as partes, caso perceba a falta de informação a respeito, explicando todas as implicações do regime de bens no momento da lavratura do pacto antenupcial.
 
Com o tempo, diante dessas indignações e como forma de preservar a autonomia das partes, surgiu uma sugestão de se permitir aos cônjuges, no momento da escritura de pacto antenupcial, renunciarem ao direito à herança um do outro quando em concorrência com os descendentes ou ascendentes. Em outras palavras, os cônjuges abdicariam ao direito de serem considerados herdeiros necessários um do outro quando em concorrência com descendentes e ascendentes. Permaneceria, contudo, o direito à herança quando o cônjuge herdasse com exclusividade, ou seja, quando não houvesse descendentes, nem ascendentes do falecido.
 
Rolf Madaleno e Mario Luiz Delgado, renomados juristas brasileiros, são as vozes que defendem esta possibilidade.
 
Rolf Madaleno, destacando que “merece profunda ponderação a constatação de que a autonomia privada, ao respeitar o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana, confere amplo poder discricionário nas relações patrimoniais dos cônjuges e conviventes”, afirma que:
 

[…] os pactos patrimoniais devem atender, em respeito ao princípio da liberdade contratual, a todas as questões futuras, conquanto lícitas, recíprocas e suficientemente esclarecidas, acerca dos aspectos econômicos do casamento ou da união estável, permitindo que seus efeitos se produzam durante o matrimônio ou com sua dissolução pelo divórcio ou pela morte, conquanto as cláusulas imponham absoluta igualdade de direitos e obrigações entre os cônjuges e conviventes no tocante ao seu regime econômico familiar e sucessório.

 
Segundo Madaleno, a proibição de pactuar herança de pessoa viva, prevista no artigo 426, do Código Civil, é fundamentada por dois argumentos: “i) resultaria odioso e imoral especular sobre a morte de alguém para obter vantagem patrimonial, podendo suscitar o desejo da morte pela cobiça de haver os bens; ii) o pacto sucessório restringe a liberdade de testar”. Ora, de acordo com Madaleno, estes dois argumentos não se aplicam à renúncia contratual da herança conjugal, pois não há nada de odioso e imoral em admiti-la, haja vista que a renúncia hereditária por antecipação não abarca qualquer gesto de cobiça e expectativa pela morte do titular dos bens. Por que o cônjuge desejaria a morte de seu consorte se a prévia abdicação não traz nenhum benefício ao herdeiro renunciante? Além disso, para o doutrinador, a renúncia não restringe a liberdade de testar, pelo contrário, a amplia, ao permitir afastar um herdeiro irregular de um planejamento sucessório.
 
Na mesma linha, Mario Delgado defende que a renúncia à concorrência sucessória em pacto antenupcial não esbarra na vedação do artigo 426, do Código Civil. Isto porque, segundo o jurista, herança e sucessão são, conceitualmente, institutos distintos. Para o autor, enquanto a herança se refere ao acervo de bens transmitidos por ocasião da morte, sucessão constitui o direito por força do qual a herança é devolvida a alguém. Assim, defende Delgado que a vedação do ordenamento jurídico brasileiro à contratação de herança de pessoa viva alcança a herança propriamente dita, o acervo de bens, mas não o direito sucessório em si.
 
Com efeito, conforme Delgado, “não há nada que impeça, em regra, a renúncia dos direitos concedidos em lei, salvo se contrariar a ordem pública ou se for em prejuízo de terceiro, o que não ocorre na específica hipótese do direito à concorrência sucessória do cônjuge ou companheiro, que não se confunde com a hipótese de ser chamado sozinho à sucessão, como herdeiro único e universal.” Assim, defende o autor, validamente renunciável é o direito concorrencial na hipótese em que o cônjuge é chamado a suceder em conjunto com descendentes ou ascendentes, porque não viola o princípio da intangibilidade da legítima.
 
Neste sentido, Rolf Madaleno afirma que herdeiro necessário tem natureza distinta de herdeiro concorrente e que o cônjuge e o convivente não são herdeiros necessários quando concorrem com descendentes ou ascendentes, mas herdeiros eventuais, irregulares. Segundo o autor, “a legítima atende na ordem de chamada do Código Civil, primeiro aos descendentes, em segundo plano aos ascendentes e na terceira convocação ao cônjuge ou convivente, e só quando os herdeiros vocacionados se apresentam nesta ordem de chamamento é que podem ser considerados legitimários, não em posição concorrente, pois nesta se apresentam cônjuge e convivente como beneficiários de um direito familiar que tem o intuito protetivo, que lhes reserva um direito certo e determinado”. E este direito familiar protetivo trata-se, conforme o jurista, de um benefício vidual, do qual cônjuge e sobrevivente podem abdicar.
 
Apesar da corrente doutrinária capitaneada por Rolf Madaleno e Mario Delgado, que defende a possibilidade de renúncia ao direito concorrencial em pacto antenupcial, estar crescendo, a grande maioria da doutrina, a exemplo de importantes juristas como Zeno Veloso (in memorian), Giselda Hironaka, José Fernando Simão, Euclides de Oliveira, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Flávio Tartuce e muitos outros, entende não ser possível essa renúncia, pois ela implicaria pacto sucessório, legalmente proibido pela dicção do artigo 426, do Código Civil.
 
Essa doutrina mais conservadora, em resumo, defende que a renúncia à herança antecipada por cônjuge ou companheiro, especialmente por meio de um contrato, ainda não é possível no atual sistema, pois o artigo 1.655, do Código Civil, estabelece que será nula de pleno direito a previsão inserida no pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta em lei, entendida a violação de normas cogentes ou de ordem pública. E, segundo esta corrente, não se pode negar, nesse contexto, que, ao vedar os pactos sucessórios, o artigo 426 da própria codificação privada encerra norma de ordem pública. Por isto, para os defensores deste entendimento, a renúncia prévia à herança pelo cônjuge ou companheiro somente será possível se houver a efetiva alteração do sistema legal brasileiro, a exemplo do que ocorreu em Portugal.
 
No país lusitano, os grandes civilistas sugeriram uma mudança legislativa muito inteligente. A proposta de alteração que, de fato, se tornou lei, criou a possibilidade de os cônjuges renunciarem não a herança propriamente dita, mas sim a qualidade de herdeiro necessário do seu cônjuge, o que acaba surtindo o efeito esperado, que é o de o cônjuge não concorrer com os descendentes ou ascendentes na herança do seu consorte. Desde setembro de 2018, está em vigor a Lei nº 48/2018. Com a nova redação dada ao art. 1.700, item 1, da codificação portuguesa, a “convenção antenupcial pode conter: c) renúncia recíproca à condição de herdeiro legitimário do outro cônjuge”.
 
Respeitadas ambas correntes doutrinárias aqui expostas, destacamos que este singelo artigo não tem, de maneira alguma, o intuito de defender uma ou outra posição. O que pretendemos aqui é trazer uma sugestão que possa amenizar um problema que ocorre na prática diária dos cartórios no momento da elaboração da escritura de pacto antenupcial: o desejo frustrado das partes quando são informadas da impossibilidade de afastar o cônjuge da sucessão mesmo no regime da separação total de bens, e até, em alguns casos, das pressões feitas aos notários, por parte dos nubentes, em relação ao direito que possuem de estabelecer as regras patrimoniais que desejarem e a ofensa à sua autonomia da vontade. O objetivo é não deixar sem resposta o anseio de inúmeros casais que buscam a separação de seu patrimônio na vida e na morte, até que tenhamos uma modificação legislativa nesse sentido.
 
A ideia, já utilizada por alguns notários, é de se permitir, na lavratura do pacto antenupcial, que as partes exteriorizem essa vontade de não participarem da sucessão um do outro, deixando claro, no entanto, que eles têm conhecimento de que esse desejo não tem respaldo legal no momento, pelo menos não de acordo com a doutrina majoritária. Isso se mostra razoável, pois, no futuro, pode a legislação ser modificada, assim como foi em Portugal, ou, ainda, pode a maioria da jurisprudência e da doutrina passarem a entender possível tal abdicação a essa concorrência sucessória por parte dos cônjuges. Desse modo, a melhor oportunidade de deixarem isso expresso seria justamente no pacto antenupcial, pois, ao falarmos em possível direito que nascerá com a morte, estamos falando de algo que acontecerá em um futuro incerto, onde muitas coisas, inclusive a legislação, podem estar completamente diferentes.
 
Assim, gostaríamos de sugerir um texto, a ser utilizado na escritura pública de pacto antenupcial, aos que assim desejarem, e que logicamente poderá ser modificado pelos notários que optem por seguir esse entendimento, da forma que entenderem mais conveniente. Este texto exterioriza a ideia que estamos a defender no momento, que, como poderão perceber, servirá para termos um meio termo em relação à essa questão, até que se tenha uma mudança no ordenamento jurídico. Compartilhamos em seguida, o texto que, humildemente, por nós é sugerido, nem que seja como uma simples ideia para que cada notário formule o seu próprio.
 
Depois de devidamente esclarecidos por mim, Tabelião, de que, atualmente, a maior parte da doutrina e da jurisprudência entendem pela não possibilidade de renúncia à herança em pacto antenupcial, pois, para esta corrente majoritária, tal renúncia encontra vedação no artigo 426, do Código Civil Brasileiro, segundo o qual não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva, DECLARAM, neste ato, que:
 

I) estão cientes do atual entendimento majoritário, com o qual se defende a impossibilidade de renúncia a direitos sucessórios em pacto antenupcial, mas que com ele não concordam, por entenderem que não há vedação no ordenamento jurídico brasileiro à renúncia ao exercício futuro do direito concorrencial;
 
II) desejam deixar registrado que, se à época do falecimento de qualquer um deles, a legislação  ou a jurisprudência permitir, optam por, de fato, não participarem de futura sucessão um do outro, quando em concorrência com os descendentes ou ascendentes, restando afastada, assim, a regra de concorrência dos incisos I e II, do artigo 1.829, do Código Civil, uma vez que ambos têm seus patrimônios totalmente separados, não desejando, nem por sucessão, caso exista concorrência, receberem patrimônio um do outro.
 
III) desejam permanecer na sucessão um do outro quando não houver descendentes, nem ascendentes, e o cônjuge sobrevivente for o único herdeiro, chamado a suceder como herdeiro universal e necessário;
 
IV) uma vez que, regulando a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela, conforme artigo 1787, do Código Civil, e, sabendo que a posição doutrinária, assim como a jurisprudencial, e, até mesmo a legislação, podem perfeitamente ser modificadas com o tempo, entendem terem o direito de deixar registradas suas vontades e rogarem para que, na ocasião do falecimento de qualquer um deles, estas sejam atendidas, de acordo com os entendimentos vigentes ao tempo da ocorrência do fato.

 
Sabemos que o pacto antenupcial é feito por escritura pública, lavrada por Tabelião de Notas. Em razão disto, pensamos que esses profissionais do direito devem estar alinhados sobre como lavrar o ato, o que é possível e o que não é. E, como nos mostram muitos outros exemplos ao longo do tempo, pode sim o notário ser o criador de novas possibilidades, desde que não sejam contrárias ao ordenamento jurídico, atendendo o desejo das partes, que a ele é manifestado no dia a dia da prática notarial.
 
O notário é o profissional de direito escolhido pela legislação para lavrar o pacto antenupcial, de forma que é ele quem escuta as manifestações de vontades dos nubentes. E, é este contato próximo com o casal que permite que o tabelião tenha condições suficientes de mensurar quais são as maiores necessidades e desejos das pessoas ao lavrarem esse tipo de ato. Desse modo, o notário tem um papel importantíssimo nesse tema, e deve procurar contribuir nos estudos, e nas possíveis alternativas, para que a questão seja resolvida da melhor forma possível para a sociedade.
 
Assim entendemos, respeitando as opiniões contrárias.