A multipropriedade é um dos reflexos do dinamismo social incidentes sobre o direito de propriedade, impondo alterações e limitações no regime tradicional do domínio sobre o imóvel, já que um mesmo imóvel pode ter, concomitantemente, até 52 coproprietários que, na maioria das vezes sequer se conhecem, mas tem o direito exclusivo de usar, gozar, fruir e dispor da totalidade de forma alternada desde que respeitando o período adquirido, conforme preceitua o artigo 1.358-C do Código Civil, sendo que constará na matrícula do imóvel o local e a unidade de tempo a qual cada condômino poderá exercer a propriedade plena.
É, deste modo, uma nova perspectiva de exercício do direito de propriedade, que traz desafios ainda pouco explorados pelos brasileiros. Pensando nisso, a coluna de hoje, que é complementar às duas anteriores, se destina a demonstrar direitos e deveres dos multiproprietários e algumas desvantagens que podem surgir a quem adquire frações de tempo de determinado imóvel.
Não se pode perder de vista que a multipropriedade é uma maneira de aproveitamento integral do imóvel, já que poucos são os proprietários individuais que utilizam o imóvel durante todo o ano, especialmente, em cidades turísticas.
Sendo assim, está na essência da multipropriedade a aquisição de frações por vários proprietários, sem que estes gastem cifras elevadas de dinheiro para a aquisição exclusiva de um único imóvel, uma vez que podem partilhar os custos da aquisição e da manutenção, com os demais.
Os direitos dos multiproprietários estabelecidos em lei, são os de: i) usar e gozar, durante o período correspondente à sua fração, do imóvel e de suas instalações, equipamentos e mobiliário; ii) ceder a fração de tempo em locação ou comodato; iii) alienar a fração de tempo, devendo a alienação e a qualificação do sucessor ser informadas ao administrador; iv) participar e votar, sendo que o voto corresponderá à sua fração de tempo no imóvel (art 1.358-I e J do Código Civil).
Contudo, além de direitos os coproprietários têm deveres a serem seguidos e a legislação é bem enfática ao estabelecer as obrigações de: i) pagar contribuição condominial; ii) responder pelos danos ocorridos ao imóvel, às instalações, aos equipamentos e ao mobiliário, causados por si ou por qualquer de seus acompanhantes; iii) comunicar imediatamente os defeitos, avarias e vícios no imóvel das quais tiver ciência durante a utilização; iv) não modificar, alterar ou substituir o mobiliário, os equipamentos e as instalações do imóvel; v) manter o imóvel em estado de conservação e limpeza, condizente com os fins a que se destina; vi) usar o imóvel e suas instalações, conforme sua natureza e destino; vii) usar o imóvel, exclusivamente, durante o período correspondente à sua fração de tempo; viii) desocupar o imóvel, impreterivelmente, até o dia e hora fixados; ix) permitir a realização de obras e reparos urgentes (art.1.358-J do Código Civil).
Ressalta-se que os direitos e deveres acima descritos são os estabelecidos pela legislação, porém, nada obsta que outros sejam previstos, tanto no instrumento de instituição da multipropriedade como na convenção de condomínio, que regerá a relação dos coproprietários com o imóvel.
Apesar dos inúmeros benefícios de se adquirir frações do tempo – tratados na última coluna-, alguns problemas que podem existir demandam atenção dos multiproprietários, tais como: eventuais estipulações de cláusulas abusivas, relativos a juros elevados no parcelamento e na comissão aos intermediadores, inflexibilidade de datas para uso do bem, estabelecimento de número máximo de pessoas utilizando o imóvel, bem assim, vícios na prestação de serviços.
Destaca-se, ainda, que, , devido à utilização por muitas pessoas ao longo de todo o ano, o imóvel fica suscetível a mais danos do que em propriedades exclusivas. Portanto, os danos de uso normal, decorrentes do desgaste natural do imóvel serão suportados, proporcionalmente, por todos os multiproprietários, ao contrário do dano causado pelo uso anormal que será de responsabilidade, apenas, de quem cometeu o excesso, conforme estabelece o supracitado art. 1.358-J do Código Civil.
Por fim, nos contratos de adesão de multipropriedade incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor, visando a proteção do contratante, conforme já decidiram o Tribunal de Justiça de Minas Gerais na Apelação nº 1.0702.15.026688-1/001 e o Tribunal de Justiça do Paraná na Apelação nº 0035590-48.2018.8.16.0014.
Nas próximas colunas trataremos das espécies de usucapião de bens móveis e de bens imóveis.