A representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) no Brasil, Florence Bauer, é formada em Administração de Empresas e começou sua carreira em uma empresa americana, na Europa. Depois, por decisão própria, decidiu investir na área de desenvolvimento social e começou a trabalhar no setor não-governamental, no estado do Rio de Janeiro. No entanto, ela conta que a experiência no setor privado foi fundamental para entender o papel destes atores para a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes. Em seguida, entrou no UNICEF como Oficial de Comunicação, evoluindo para postos de gestão que a levaram ao Peru, Bósnia Herzegovina e Argentina, até voltar para o Brasil ocupando o atual cargo.
Em entrevista exclusiva ao Jornal do Notário, Florence expõe a sua visão sobre o projeto Testamento Solidário, conta como ele converge com o projeto Legado Solidário – desenvolvido pelo CNB/SP, explica o destino das doações arrecadadas e discorre sobre o papel das associações para a mudança da “cultura de doação” na sociedade. “É possível enxergar mudanças significativas no que se entende por cultura de doação no Brasil. A situação delicada em torno da pandemia sensibilizou e permitiu a mobilização de mais e mais pessoas para a importância de fazer doações”, pontuou. “Quando divulgamos a importância de deixar um legado, estamos colaborando com várias ações importantes, sustentadas por instituições e ONG’s que dependem de recursos provenientes de doações”. Leia ao lado a entrevista na íntegra:
Jornal do Notário: A senhora poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória profissional?
Florence Bauer: Sou formada em Administração de Empresas e comecei minha carreira em uma empresa americana na Europa. Depois, por decisão própria, decidi investir na área de desenvolvimento social e comecei a trabalhar no setor não-governamental, no estado do Rio de Janeiro, mas A experiência no setor privado foi fundamental para entender o papel destes atores para a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes. Em seguida, entrei no UNICEF como Oficial de Comunicação, evoluindo para postos de gestão que me levaram ao Peru, Bósnia Herzegovina e Argentina, até voltar para o Brasil como Representante do UNICEF no país.
Jornal do Notário: O CNB/SP e o UNICEF comemoram, em setembro, o mês do Legado Solidário, após mais de um ano de parceria no projeto Legado Solidário. Como a senhora enxerga essa iniciativa que visa estimular a população a utilizar o testamento público para deixar parte de sua herança a instituições filantrópicas e incentivar as pessoas a pensarem em planejamento sucessório?
Florence Bauer: O dia 13 de setembro é uma data comemorativa conhecida como Dia Internacional do Legado Solidário. É um dia dedicado a todos os que deixaram, ou pensam em deixar, de forma generosa, uma doação em seu testamento. É um dia também de conscientização: uma oportunidade para que mais pessoas saibam que é possível deixar um Legado.
Nossa parceria com o CNB é extremamente importante nesse processo de conscientização. Realizamos campanhas para chamar a atenção sobre a importância das doações em testamento, permitindo que milhares de tabeliães e cartórios de notas no Brasil possam informar diretamente o público sobre a melhor forma de redigir um testamento e como é possível deixar também uma doação para uma instituição filantrópica, mesmo após contemplar os entes queridos.
Sabemos que esse é um instrumento ainda pouco conhecido no Brasil, mas muitas organizações já foram beneficiadas por doações feitas dessa forma, o que contribui diretamente na capacidade de gerar impacto positivo na sociedade.
Jornal do Notário: Quais os maiores objetivos do projeto Testamento Solidário (UNICEF) e como ele converge com o projeto encabeçado pelo CNB/SP?
Florence Bauer: Um dos objetivos dessa colaboração é difundir a cultura testamentária em nosso país, por isso ela tem um papel informativo essencial, para que mais pessoas possam aderir. A sociedade brasileira, à semelhança do que aconteceu em outros países, começa a perceber que conceder um legado solidário é um gesto nobre e necessário, que tem impactos concretos e positivos nas comunidades.
A quantidade de organizações que promovem o Legado Solidário tem aumentado. Este fato demonstra a importância desse tipo de doação para a sustentabilidade dos projetos sociais para a infância, saúde, educação, meio ambiente, inclusão e mais. O Programa de Testamentos Solidários do UNICEF, através de colaboração com o CNB/SP, está conectado a diversas organizações sociais que desenvolvem excelentes iniciativas e que se beneficiam de legados deixados por pessoas que confiam no impacto de nosso trabalho.
Quando divulgamos a importância de deixar um legado, estamos colaborando com várias ações importantes, sustentadas por instituições e ONG’s que dependem de recursos provenientes de doações.
Jornal do Notário: Quais são os principais destinos dos bens/patrimônio disponibilizados em testamento ao UNICEF por meio dos projetos Legado Solidário e Testamento Solidário?
Florence Bauer: Os valores que são arrecadados pelo Testamento Solidário são repassados para um fundo de recursos para implementar programas e projetos do UNICEF voltados para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. A partir desse fundo, os valores são distribuídos para iniciativas nas áreas de educação, saúde, proteção social e atendimento a emergências humanitárias do UNICEF, de acordo com as demandas das áreas. Ou seja, no momento em que uma pessoa deixa uma doação em testamento, ela estará contribuindo não somente para ações de nutrição infantil, por exemplo, mas também para a melhoria da educação e para ações de proteção à violência contra crianças e adolescentes.
Jornal do Notário: De que forma o fortalecimento das políticas públicas e o desenvolvimento de ações de comunicação, associadas a ações sociais como o Testamento Solidário e Legado Solidário, podem mobilizar a sociedade brasileira para uma mudança na “cultura de doação”?
Florence Bauer: É possível enxergar mudanças significativas no que se entende por cultura de doação no Brasil. A situação delicada em torno da pandemia sensibilizou e permitiu a mobilização de mais e mais pessoas para a importância de fazer doações. Muitas empresas também se mobilizaram, escolhendo instituições para apoiar e estimulando seus funcionários. Vimos um aumento de ações solidárias e uma abertura cada vez maior às diversas formas de doar.
O testamento solidário é uma delas. O primeiro passo é ter essa abertura e confiança. A partir da confiança de nossos doadores e nossos esforços em transparência e prestação de contas, é possível ir fortalecendo, gradualmente, essa enorme rede de solidariedade da qual fazemos parte.
Jornal do Notário: A senhora passou por diversos países como Argentina, Bósnia e Herzegovina e Peru antes de retornar ao Brasil. Como a atuação no exterior agregou positivamente às ações adotadas pelo UNICEF no Brasil?
Florence Bauer: Todos os países nos quais trabalhei têm em comum o fato de que as crianças e adolescentes são a parte mais vulnerável da população quando se trata de indicadores como pobreza, por exemplo. Por isso, essas experiências fortaleceram a ideia de que, para o desenvolvimento dos países, é fundamental investir em crianças e adolescentes, em especial aqueles mais vulneráveis, seja por razões sociais, econômicas, raciais, de gênero, geográficas ou outras.
Em todos esses países, sempre foi um foco importante investir na primeira infância, período desde a gravidez até os 6 anos de idade, e que constitui a primeira janela de oportunidade para o desenvolvimento integral das crianças. Além, também, da importância de investir e desenvolver políticas públicas adequadas para os adolescentes, fase que constitui uma segunda janela de oportunidades.
Esse foco se concretizou em programas de apoio a serviços de primeira infância. Por exemplo na Bósnia Herzegovina, o apoio a educação intercultural bilíngue; no Peru, com os povos indígenas andinos e amazônicos; também com o apoio ao acesso à educação e a participação para adolescentes na Argentina e, mais recentemente, no Brasil, o trabalho para garantir o acesso à saúde, educação e proteção de crianças e adolescentes em Centros Urbanos, na Amazônia Legal e no Semiárido brasileiro.
Jornal do Notário: A senhora acredita que os cartórios podem evoluir ainda mais como instituição no âmbito filantrópico?
Florence Bauer: Todas as organizações podem crescer no âmbito filantrópico. O UNICEF tem inúmeras parcerias de sucesso com instituições que geram bem-estar, mudança e fortalecimento dos direitos de milhares de meninos e meninas. É possível construir modelos filantrópicos que se adaptem a distintas realidades, respondam aos anseios da organização e construam esse diálogo com os grupos ou as comunidades escolhidas para receber os benefícios. Os cartórios podem buscar discutir internamente e aprofundar o tema da responsabilidade social, encontrar as melhores formas de contribuir, em qual vertente, entender como sua ajuda pode chegar a quem mais precisa.