Inventário é procedimento que formaliza a transmissão dos bens
 
Recentemente, ou, mais precisamente, em dezembro de 2021, o Juízo da Segunda Vara Da Família e das Sucessões da Comarca de Taubaté – SP permitiu a realização de inventário extrajudicial ainda que com presença de herdeiros menores, fundamentando-se no ponto de que não haveria prejuízo aos incapazes (Processo nº 1016082-28.2021.8.26.0625).
 
Inventário, como muitos sabem, é o procedimento destinado a formalizar a transmissão dos bens de alguém a seus herdeiros em decorrência de sua morte.
 
Assim que alguém falece, seus bens são automaticamente, por força de lei, transmitidos a seus herdeiros; a formalização da transmissão, porém, depende do inventário.
 
O procedimento pode ser feito tanto extrajudicialmente (em cartórios) ou judicialmente (perante um juízo). A realização por via extrajudicial é notavelmente mais célere e menos custosa, ainda que a presença de um/a advogado/a seja necessária em ambas as opções.
 
Entretanto, o Código de Processo Civil – CPC –, estabelece, em seu artigo 610, que, havendo interessado (ou seja, herdeiro) incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. A disposição é direta, concisa e clara.
 
Portanto, à primeira vista, poderia parecer que o citado Juízo, no mencionado caso, decidiu de maneira frontalmente oposta ao Código de Processo Civil. Afinal, o Código determina X, e ele decidiu por Y.
 
Porém, é necessário lembrar que as normas processuais – como a do artigo 610 o é – devem ser interpretadas em acordo a um princípio-mor: o da instrumentalidade das formas. Isto é, os processos e procedimentos são meros meios, instrumentos, para a boa realização do direito, razão pela qual desvios de forma podem (ou devem) ser aceitos desde que a finalidade da norma instrumental continue sendo atendida (às vezes inclusive de melhor maneira).
 
É claro que a fuga da forma não é opção que está solta ao livre critério do julgador. A forma processual pré-concebida na legislação é considerada, por sua própria natureza legal, adequada aos fins que persegue, devendo a sua observância ser a regra. A alteração ou o desvio da forma requer adequada carga argumentativa, capaz de demonstrar que o intuito da norma processual estará igualmente sendo atendido, ainda que por outro caminho.
 
Foi o que ocorreu no processo elencado: o intuito da norma contida no artigo 610 do CPC, embora implícito, é muito claro: proteger os interesses dos herdeiros incapazes de eventuais abusos que poderiam ocorrer quando da divisão dos bens. Nesse caso específico, como relatou o Juízo, os bens seriam divididos “de forma ideal, sem nenhum tipo de alteração do pagamento dos quinhões hereditários, não havendo risco de prejuízo aos menores envolvidos” (trecho da decisão).
 
Vale frisar, ainda, que fosse questão de direito material, o trato seria diferente. Não seria o caso, por exemplo, de o Juízo inserir como herdeiro pessoa não contemplada pela lei, por entender que estaria, assim, atendendo à finalidade de determinada norma. O princípio da instrumentalidade das formas é norma que direciona a intepretação de normas processuais, não materiais. Daí uma das importantes razões em se estabelecer a correta natureza de uma norma.
 
Voltando ao caso concreto, há de se apoiar a posição tomada pelo Juízo. Como elencado na própria decisão, o procedimento extrajudicial é mais célere e menos custoso, havendo pouca valia em obrigar-se a adoção de uma via mais burocrática e mais cara apenas por apego à forma, especialmente quando a repartição dos bens dar-se-ia de forma igualitária entre todos.
 
Espera-se, pois, que outros juízos de família e sucessões passem a considerar a aplicação do artigo 610 do CPC dessa maneira, evitando-se, assim, sempre que inexistente prejuízo, gastos e burocracias desnecessários, o que não importaria em descuido dos interesses dos herdeiros incapazes, resguardando-se, portanto, a finalidade da norma.