O Dia da Amazônia, celebrado hoje (5/9), é uma boa oportunidade para falarmos sobre a conscientização e a preservação do pulmão do planeta e sobre um dos maiores desafios enfrentados pelo sistema judicial brasileiro: o combate às cadeias de lavagem de bens e capitais, à corrupção e às organizações criminosas relacionadas a crimes ambientais na Amazônia Legal e a atuação do Poder Judiciário para evitar e punir a prática.

 

Composta por nove estados do Brasil, a Amazônia Legal é um ecossistema crucial para o equilíbrio climático global e para a biodiversidade. No entanto, essa área tem sido alvo de práticas ilícitas, como desmatamento ilegal, grilagem de terras, exploração ilegal de madeira e mineração ilegal, muitas vezes financiadas e sustentadas por redes criminosas complexas.

 

Os crimes ambientais na Amazônia Legal frequentemente estão ligados a esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro. Essas atividades ilícitas são lucrativas e geram grandes somas de dinheiro, que precisam ser “lavadas” para parecerem legais. O processo de lavagem de dinheiro na região muitas vezes envolve a compra e venda de propriedades rurais, exploração de recursos naturais e a utilização de empresas de fachada para ocultar a origem ilegal dos recursos.

 

A atuação do Judiciário na repressão aos crimes ambientais na Amazônia Legal envolve várias frentes, desde a investigação e punição dos responsáveis até a desarticulação das organizações criminosas envolvidas. Para isso, o Judiciário tem utilizado a legislação específica para lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/1998) para rastrear e bloquear ativos provenientes de crimes ambientais. A aplicação de medidas como o bloqueio de contas bancárias, confisco de bens e o uso de cooperação internacional tem sido essencial para impedir que os recursos ilegais circulem e financiem novas atividades criminosas.

 

Além disso, julgar crimes ambientais tem a tarefa de impor penas que sejam proporcionais à gravidade dos danos causados ao meio ambiente. Isso inclui a aplicação de sanções penais e civis, como a reparação dos danos, multas substanciais, e, em casos graves, a prisão dos envolvidos. A aplicação da Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/1998) tem sido um instrumento fundamental nessa atuação.

 

Política nacional e outras iniciativas

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu, em 2021, um importante instrumento para combater esses crimes: a Política Nacional do Poder Judiciário para o Meio Ambiente, que representa um avanço significativo na luta contra os crimes ambientais. Além disso, a capacitação contínua e o uso de ferramentas tecnológicas por magistrados têm aprimorado a precisão e eficácia das decisões em matéria ambiental. Outro avanço é a colaboração entre diferentes órgãos, que facilita a resolução de conflitos complexos, tornando as operações contra crimes ambientais mais eficientes.

 

A resolução tem inspirado iniciativas inovadoras em tribunais de todo o Brasil, demonstrando o potencial transformador da norma para a Justiça Ambiental e a implementação da Política. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por exemplo, desenvolveu uma plataforma digital que integra dados ambientais, permitindo que magistrados e servidores acessem informações sobre processos, áreas protegidas, indicadores de qualidade ambiental e outras informações relevantes para a tomada de decisão.

 

Já o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), tem utilizado ferramentas de geoprocessamento para analisar dados ambientais e auxiliar na tomada de decisão em processos que envolvem questões territoriais e ambientais. Criou ainda indicadores de desempenho para acompanhar a evolução da tramitação de processos ambientais e a efetividade das decisões judiciais.

 

Focados na política, alguns tribunais têm autorizado o uso de drones para a realização de perícias ambientais, agilizando o processo e reduzindo custos. Ainda tem a criação de bancos de dados de jurisprudência ambiental, iniciativa que facilita a consulta de precedentes e a identificação de soluções inovadoras para problemas ambientais. E muitos têm criado grupos de trabalho para discutir e implementar as diretrizes da resolução, além de criar parcerias com universidades e centros de pesquisa para a troca de conhecimento entre o meio acadêmico e o Judiciário.

 

Apesar dos avanços, ainda existem medidas essenciais para que a Justiça possa atuar de maneira mais eficaz na repressão aos crimes ambientais na Amazônia Legal, como o fortalecimento da cooperação interinstitucional entre o Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, Ibama.

 

Metodologia

Para identificar de forma mais concreta os impactos dos crimes ambientais, o CNJ divulgou, recentemente, os resultados da pesquisa intitulada “Crimes Ambientais na Amazônia Legal”, que envolveu esforços conjuntos do Conselho Nacional de Justiça, da Associação de Magistrados do Brasil e da Associação Brasileira de Jurimetria, e empregou uma metodologia inédita para a obtenção dos resultados apresentados, envolvendo tanto uma perspectiva quantitativa quanto qualitativa.

 

O enfoque criminológico foi inédito: buscou-se fugir do senso comum de que o crime ambiental é oriundo de populações de baixa renda ou de pequenos garimpeiros, desmatadores ou caçadores para, pela primeira vez, lançar um enfoque nas organizações criminosas de grande porte e nos segmentos econômicos que, sob uma aparência de legalidade, auferem proveito desses crimes.

 

Esses achados são importantes por diversas razões, como para priorizar a persecução penal dos crimes ambientais não só para o cidadão economicamente ou socialmente vulnerável aos grandes grupos criminosos regionais, e fomentar uma cadeia de governança no setor privado, a partir de um aprimoramento da regulamentação pública.

 

Um dos pontos que chamou atenção como resultados de pesquisa foram a predominância dos crimes de desmatamento (45%) e, logo em seguida, de garimpo (40%) nos processos da Justiça Federal, mas também com número significativo de invasão e grilagem. O que demonstra que o crime ambiental, para sua ocorrência, vem acompanhado de diversas outras figuras típicas, aumentando a complexidade de sua apuração e capitulação.

 

Especificamente três pontos chamaram mais atenção:

 

1) A atuação de narcomadeireiros e prática de tráfico de drogas por garimpeiros ilegais: os crimes ambientais por vezes é a primeira oportunidade criminosa e uma organização criada para o crime. Operação Corrida do Ouro, foi investigada organização criminosa que consistiria na atuação de policiais civis e militares, traficantes de drogas, pistoleiros e ex-políticos locais no garimpo denominado Serra do Caldeirão, na fronteira com a Bolívia, em processo do Mato Grosso.  O mesmo fenômeno ocorreu em diversos outros Estados pesquisados.

 

Também há relatos de garimpeiros que utilizam as aeronaves também para drogas, o que demonstra que a relação entre crimes ambientais e tráfico de drogas está muito mais forte e ligada do que se pensou anteriormente, sendo que esse modus operandi criminoso está perpassando vários Estados do Norte do país. A cadeira de corrupção de agentes públicos para crimes ambientais também abre margem para a corrupção em favor de outros crimes mais graves, tal como o tráfico de drogas.

 

2) O uso de greenwashing por parte de empresas intermediárias: empresas que querem receber crédito de carbono, certificações ambientais e/ou recursos de financiamento externo de grande porte tentam manipular as comunidades ou habitantes locais a assinarem documentos sem estarem devidamente esclarecidos. Seria a governança verde a todo e qualquer custo, em detrimento da vontade, esclarecimento e direitos das comunidades tradicionais. Tal como ocorreu no escândalo do trabalho escravo das vinícolas no sul do Brasil, na Amazônia há fenômeno similar chamado de greenwashing ou grilagem verde.

 

3) A preponderância de réus pessoa física (66%) e de pessoas de baixa renda quando ocorre o flagrante desses crimes. Acompanhado do achado qualitativo de que esses crimes são maciçamente dependentes do uso de laranjas e intermediários, com cooptação de pessoas da sociedade local em vulnerabilidade social, nos preocupa na perspectiva de que se deve pensar em políticas que priorizem a apuração macro e sistêmica desses crimes, preponderando a identificação do mandante ou dos líderes dessas organizações criminosas, bem como dos segmentos econômicos que dela depende, e não simplesmente a ponta da autoria.

 

Especialização é importante

Portanto, a complexidade dos crimes ambientais na Amazônia exige que magistrados e operadores do Direito estejam capacitados e especializados em questões ambientais e de lavagem de dinheiro. A criação de varas especializadas e a formação contínua são passos importantes nesse sentido e, embora a legislação brasileira seja robusta, é necessário aperfeiçoá-la para enfrentar os novos desafios impostos pelas práticas criminosas na Amazônia. Isso inclui a criação de mecanismos mais eficientes para a recuperação de ativos e o aumento das penas para crimes ambientais graves.

 

A Resolução CNJ nº 433/2021 marca um passo decisivo na consolidação da Justiça Ambiental no Brasil, oferecendo diretrizes claras e inovadoras para enfrentar os desafios impostos pelos crimes ambientais. Os avanços já observados demonstram o compromisso das instituições com a promoção da sustentabilidade e a proteção do meio ambiente. Contudo, a complexidade dos problemas exige esforços contínuos e, apesar dos desafios, o Judiciário tem feito progressos significativos.

 

Afinal, a proteção da Amazônia Legal não é apenas uma questão ambiental, mas também de justiça social e econômica, essencial para o futuro do Brasil e do planeta. E, para garantir um futuro sustentável, é imperativo que a Justiça continue a evoluir e se adaptar, enfrentando os desafios com determinação e inovação.

 

Fonte: CNJ

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