INFORMAÇÃO DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO SENTIDO DE QUE “O ORDENAMENTO JURÍDICO AUSTRALIANO NÃO DISPÕE SOBRE REGIME DE BENS, LEGAIS OU CONVENCIONAIS, PRÉ-DEFINIDOS COMO OCORRE NO BRASIL. AS QUESTÕES FINANCEIRAS E PATRIMONIAIS NOS CASAMENTOS CELEBRADOS NA AUSTRÁLIA SERÃO DEFINIDAS JUDICIALMENTE POR OCASIÃO DO DIVÓRCIO OU DA SUCESSÃO POR MORTE. A PARTILHA DE BENS SERÁ DEFINIDA A CRITÉRIO DA AUTORIDADE JUDICIAL COMPETENTE, COM BASE EM EVENTUAIS ACORDOS PRÉ OU PÓS-NUPCIAIS”. – AUTORIZAÇÃO DEFERIDA PARA LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA DE PACTO PÓS-NUPCIAL PARA ADOÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS, DE FORMA A VIABILIZAR POSTERIOR AVERBAÇÃO NA TRANSCRIÇÃO DO CASAMENTO. EXIGÊNCIA DE QUE O REFERIDO ACORDO SEJA REALIZADO NA AUSTRÁLIA E LÁ CERTIFICADO PARA, SÓ ENTÃO, CONSTAR DA TRANSCRIÇÃO DO CASAMENTO NO BRASIL, É PRECIOSISMO A QUE NÃO SE DEVE DAR GUARIDA, A FIM DE QUE NÃO SE CRIEM EMBARAÇOS NA PRÁTICA DOS ATOS DA VIDA CIVIL DO CASAL – A LEI QUE REGE O REGIME DO CASAMENTO É A VIGENTE NO LOCAL DA CELEBRAÇÃO – POSSIBILIDADE DE PACTO PÓS NUPCIAL PREVISTO NO REGIME DE BENS – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL OU REGULAMENTAR QUE REFERIDO PACTO POSTERIOR SEJA CELEBRADO NO LOCAL DO CASAMENTO – DECISÃO REFORMADA – PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO ADMINISTRATIVO.

 

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

 

Trata-se de recurso administrativo impropriamente denominado de apelação interposto por V. L. M. e A. A. A. (fls. 94/108) contra a r. decisão (fls. 67/68), proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do 1º Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais de São Paulo, Capital, que manteve a recusa de averbação de retificação de regime de bens em transcrição de casamento realizado no estrangeiro.

 

Segundo a r. sentença, os documentos trazidos aos autos não preenchem os requisitos autorizadores para a pretendida retificação do regime de bens, cuja questão demanda procedimento judicial, ou, diversamente, a eventual averbação, na certidão estrangeira (no país estrangeiro), quanto ao regime adotado, caso em que, de posse da certidão estrangeira retificada, o pedido de correção da transcrição poderia ser realizado diretamente perante o registro civil.

 

Nas razões de recurso, os recorrentes insistem na pretensão de que seja autorizada a lavratura de escritura pública de pacto pós-nupcial para acrescer/retificar o regime de comunhão parcial de bens à margem da transcrição de sua certidão de matrimônio ocorrido em Sydney, na Austrália. Aduzem que, naquele país, a legislação não dispõe sobre regimes de bens, legais ou convencionais, pré-definidos como ocorre no Brasil; as questões financeiras e patrimoniais nos casamentos celebrados na Austrália serão definidas judicialmente por ocasião do divórcio ou da sucessão por morte, e a partilha de bens será definida a critério da autoridade judicial competente, com base em eventuais acordos pré ou pós- nupciais, conforme demonstra a declaração do Consulado Brasileiro em Sydney (fls. 11). Suscitam que a omissão ao regime de bens nos termos da transcrição da certidão de matrimônio tem trazido dificuldades para o exercício dos atos da vida civil no Brasil, onde estão atualmente domiciliados, como ocorreu, por exemplo, na negativa do Registro de Imóveis de Santa Bárbara D’Oeste de registrar escritura de doação em favor do recorrente por conta da ausência da descrição do regime de bens adotado no matrimônio. Pedem então, a reforma da r. sentença, para que seja autorizada a lavratura da escritura de pacto pós-nupcial, para inserção do regime de comunhão parcial na transcrição do casamento, bem como para retificação da escritura de doação e seu respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis.

 

A Douta Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fls. 140/142).

 

É o relatório.

 

Desde logo, cumpre consignar que, em se tratando de pedido de providências, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, certo que o inconformismo foi manifestado contra decisão proferida no âmbito administrativo pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

 

Superada a questão, tem-se que o recurso, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, merece ser provido, nos termos seguintes.

 

Os recorrentes, ambos brasileiros, contraíram núpcias em 14 de fevereiro de 2017 (fls. 07/08), na cidade de Sydney, Austrália, perante a autoridade competente daquele país, sem que constasse o regime de bens adotado pelo casal, haja vista que o ordenamento jurídico estrangeiro não dispõe sobre regimes de bens pré-definidos, legais ou convencionais, como ocorre no Brasil.

 

A transcrição da certidão de casamento expedida pela Austrália foi efetuada em 31/07/2019, no Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito Sé São Paulo / SP (fls. 09/10).

 

Alegando dificuldades no exercício de atos civis, em razão da inexistência do regime de bens na certidão, os requerentes formularam pedido de autorização para lavratura de escritura de pacto pós-nupcial para acrescer o regime de comunhão parcial de bens ao casamento na certidão transcrita no Brasil.

 

Para fundamentar sua pretensão, trouxeram aos autos o documento emitido pelo Ministério das Relações Exteriores (fls. 11), com seguinte redação: “(… ) cabe esclarecer que o ordenamento jurídico da Austrália não dispõe sobre regime de bens, legais ou convencionais, pré- definidos como ocorre no Brasil. As questões financeiras e patrimoniais nos casamentos celebrados na Austrália serão definidas judicialmente por ocasião do divórcio ou da sucessão por morte. A partilha de bens será definida a critério da autoridade judicial competente, com base em eventuais acordos pré ou pós-nupciais”.

 

Após a manifestação da 1ª Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais e Interdições e Tutelas da Capital (fls. 43/44), a r. sentença recorrida indeferiu o pedido de retificação do regime de bens em transcrição de casamento, consignando à parte interessada que a solução da questão demanda procedimento judicial, neste país, para a alteração do regime de bens ou, diversamente, a eventual averbação, na certidão estrangeira (no país estrangeiro), quanto ao regime adotado, caso em que, de posse da certidão estrangeira retificada, o pedido de correção da transcrição poderia ser realizado diretamente perante o registro civil.

 

Com efeito, equivocada a r. Sentença ao tratar da questão posta como sendo de retificação de registro civil de casamento, mais especificamente do regime de bens adotado. Retificar significa corrigir, ecoimar o registro de erro. Não é disso que se trata, pois o registro não padece qualquer vício, pois lavrado de inteiro acordo com a lei vigente no local onde celebrado o casamento. O que se procura é a fixação superveniente do regime de bens, como, de resto, faculta a lei aplicável ao casamento.

 

Isso porque não houve adoção de regime de bens no matrimônio tratado nos autos, sendo mesmo impossível retificar algo sobre o qual não se tratou. Só se retifica aquilo que foi objeto de consideração. Como não houve menção ao regime de bens do casamento, não há como decidir sobre sua retificação.

 

Resta saber o que deve ser feito pelo casal para adotarem o regime de bens da comunhão parcial, como pretendem, de modo a que não se deparem com dificuldades na prática dos atos da vida civil no Brasil.

 

Cuidando-se de casamento contraído no exterior, há de se observar o regime de bens vigente no país do domicílio dos nubentes, conforme prevê o artigo 7º, §4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei n. 4.657/1942.

 

“Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

 

(…)

 

  • 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal”.

 

No caso, os nubentes tinham domicílio na Austrália, onde contraíram matrimônio, e “o ordenamento jurídico daquele país não dispõe sobre regime de bens, legais ou convencionais, pré-definidos como ocorre no Brasil. A partilha de bens será definida a critério da autoridade judicial competente, com base em eventuais acordos pré ou pós-nupciais”, conforme a informação do Ministério das Relações Exteriores a fls. 11.

 

A informação pode ser confirmada no site do Ministério das Relações Exteriores do governo brasileiro, na página específica do Consulado-Geral do Brasil em Sydney – Austrália, conforme endereço que segue: (https://www.gov.br/mre/pt-br/consulado-sydney/servicos-consulares/registros/casamento).

 

Oportuno transcrever as orientações constantes na página em questão a respeito do tema:

 

“Nos casamentos celebrados na Austrália, as questões financeiras e patrimoniais serão definidas judicialmente por ocasião do divórcio ou da sucessão por morte. No caso do divórcio, o regime de bens será definido com base em eventuais acordos pré ou pós-nupciais e em normas específicas do local em que o casamento foi realizado. O pacto antenupcial, se houver, deverá ser apostilado, a fim de que, após traduzido por tradutor juramentado, possa ser registrado no Brasil, em cartório de registro de títulos e documentos.

 

Aqueles que casaram no exterior, ao transferirem seu domicílio para o Brasil, ou que, em território brasileiro, sejam obrigados a comprovar o regime de bens aplicável, poderão solicitar judicialmente que um dos regimes previstos no Brasil conste no registro do casamento. Para a obtenção de esclarecimentos ou de parecer sobre a aplicação das normas australianas disponibilizadas ou sobre normas e procedimentos que lhes sejam complementares, recomenda-se recorrer aos serviços de um advogado local especializado (solicitor) ou aos órgãos locais competentes” (grifei).

 

Então, muito embora o ordenamento jurídico australiano não disponha sobre regimes de bens pré-definidos, legais ou convencionais, como ocorre no Brasil, ele admite a celebração de acordos pré ou pós-nupciais com a finalidade de dispor sobre o regime de bens adotado no matrimônio.

 

Nada impede, portanto, que seja celebrado pacto pós-nupcial pelos requerentes para a adoção do regime de comunhão parcial de bens, como pretendido.

 

Quer dizer, considerando que o casamento foi realizado na Austrália, onde os nubentes tinham domicílio, e a lei australiana não dispõe sobre regimes de bens, legais ou convencionais, pré-definidos como ocorre no Brasil, mas admite a celebração de acordos pré ou pós-nupciais com o desiderato de dispor sobre o regime de bens que vigorará no matrimônio, nada impede que os nubentes agora celebrem pacto pós-nupcial para a adoção do regime de bens pretendido, qual seja o da comunhão parcial de bens.

 

Exigir que o referido acordo seja realizado na Austrália e lá certificado para, só então, constar da transcrição do casamento no Brasil é preciosismo a que não se deve dar guarida, a fim de que não se criem embaraços na prática dos atos da vida civil do casal.

 

A razão de tal entendimento é simples: segundo consta da certidão passada pela autoridade da Austrália, cuja lei rege o casamento, não há previsão específica para forma do pacto posterior que definirá o regime de bens.

 

Atos posteriores ao casamento, como por exemplo o divórcio, podem ser realizados no local do domicílio atual dos cônjuges. Nada impede, portanto, que o pacto pós nupcial, admitido pela lei que rege o casamento, seja instrumentalizado no Brasil.

 

A pretensão dos recorrentes é singela, postulam que seja adotado, por meio de pacto pós-nupcial, o regime da comunhão parcial de bens, que, a propósito, é o regime legal no Brasil, inserindo-se essa informação na transcrição da certidão de casamento, a fim de que aqui possam praticar, sem embaraços, os atos da vida civil.

 

Em síntese, os recorrentes casaram-se em país que não obriga à escolha do regime de bens por ocasião do matrimônio, não celebraram pacto pré ou pós-nupcial no local do casamento, obtiveram a transcrição da certidão do casamento no Brasil, e agora pretendem suprir a omissão pela inserção de que o regime de bens do casamento é o da comunhão parcial, lavrando-se escritura pública de pacto pós-nupcial.

 

Uma vez celebrado o pacto pós-nupcial, estará a Registradora de Pessoas Naturais autorizada a averbar o regime de bens, independentemente de autorização judicial, nos termos do que dispõe o artigo 13, §3º, da Resolução nº 155 do CNJ.

 

Mencionada resolução assim dispõe sobre o traslado do assento de casamento de brasileiro ocorrido em país estrangeiro:

 

“Art. 13. O traslado do assento de casamento de brasileiro ocorrido em país estrangeiro deverá ser efetuado mediante a apresentação dos seguintes documentos:

 

(…)

 

  • 2º A omissão do regime de bens no assento de casamento, lavrado por autoridade consular brasileira ou autoridade estrangeira competente, não obstará o traslado.

 

  • 3º Faculta-se a averbação do regime de bens posteriormente, sem a necessidade de autorização judicial, mediante apresentação de documentação comprobatória.

 

  • 4º Deverá sempre constar do assento e da respectiva certidão a seguinte anotação: “Aplica-se o disposto no art. 7º, § 4º, do Decreto-Lei nº 4.657/1942”

 

Analisados ambos os dispositivos normativos, a LINDB e a Resolução nº 155 do CNJ, conclui-se que, na inexistência de regime de bens no assento de casamento realizado no estrangeiro, mas sendo admissível a celebração de pacto pós-nupcial, nada impede que o pacto seja aqui celebrado, para viabilizar a posterior averbação na transcrição do casamento no registro civil de pessoas naturais.

 

Por fim, a postulação referente à retificação da escritura de doação e seu respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis deverá ser dirigida ao Tabelião e ao Registrador, respectivamente, e só desencadeará análise na via recursal se houver recusa e por meio do procedimento pertinente.

 

Ante o exposto, o parecer que apresento à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação como recurso administrativo e a ele dar provimento, autorizando-se os recorrentes a lavrarem escritura pública de pacto pós-nupcial para escolha do regime da comunhão parcial de bens, a fim de, oportunamente, viabilizar a averbação do dito regime na transcrição do casamento ocorrido no exterior.

 

Sub censura.

 

CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI

 

Juíza Assessora da Corregedoria

 

Assinatura Eletrônica

 

CONCLUSÃO

 

Em 21 de agosto de 2024, faço estes autos conclusos ao Doutor FRANCISCO LOUREIRO, Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça. Eu, Letícia Osório Maia Gomide, Escrevente Técnico Judiciário, GAB 3.1, subscrevi.

 

Proc. nº 1000937-44.2024.8.26.0004

 

Vistos.

 

Aprovo o parecer apresentado pela MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele dou provimento para autorizar os recorrentes a lavrarem escritura pública de pacto pós-nupcial para escolha do regime da comunhão parcial de bens, a fim de, oportunamente, viabilizar a averbação do dito regime na transcrição do casamento ocorrido no exterior.

 

São Paulo, data registrada no sistema.

 

FRANCISCO LOUREIRO

 

Corregedor Geral da Justiça

 

Assinatura Eletrônica

 

(DJe de 03.09.2024 – SP)

 

Fonte: CGJ/SP

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