Ministra Nancy destacou excepcionalidade da relativização do direito, e decidiu em favor dos filhos do falecido, que moram em imóveis alugados
“Inobstante sua notável envergadura no cenário nacional, o direito real de habitação não é absoluto, e em hipóteses específicas e excepcionais, quando não atender à finalidade social a que se propõe, poderá sofrer mitigação.”
Assim entendeu a 3ª turma do STJ ao excluir o direito real de habitação de uma viúva que recebe pensão pela morte do marido, que era procurador Federal, em benefício dos filhos do homem, que moram em imóveis alugados.
O colegiado seguiu o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, que destacou a excepcionalidade da medida, e que o direito pode ser mitigado quando houver um único imóvel a inventariar e o convivente possui recursos financeiros para assegurar moradia digna.
A sustentação oral do caso foi realizada pelo neto do falecido, o advogado Bruno Ribeiro de Saboya Moledo, e foi muito elogiada pela ministra.
Ministro Moura Ribeiro havia sinalizado pedido de vista, mas, ao ouvir a fala do advogado, convenceu-se e seguiu a relatora.
Confira trechos: https://www.youtube.com/watch?v=TTW6FF2SaKE
O caso
O processo envolve inventário de um homem falecido há 20 anos, e o direito real de habitação por parte da viúva. Os recorrentes são filhos do falecido.
Em sustentação oral, o neto do falecido, advogado da causa, destacou que o objeto do processo é um imóvel de médio para baixo padrão, no RJ, onde a viúva se mantém desde a morte do falecido.
O advogado afirmou que não há vínculo afetivo entre as partes, e que a viúva praticou uma série de atos de má-fé desde a morte do falecido. Entre eles, teria esvaziado a conta bancária do falecido no dia de sua morte; não deu à família acesso a documentos do falecido; negligenciou o descarte de restos mortais do falecido etc.
Disse, também, que a mulher é beneficiária de pensão do falecido, que era procurador Federal. Sendo assim, recebe proventos de uma renda considerada de alto padrão, podendo viver em outro imóvel, sem prejuízo a ela ou a seu sustento.
Neste momento da sustentação oral, ministro Moura Ribeiro afirmou que estava convencido e retirou o pedido de vista, acompanhando integralmente o voto da relatora.
O advogado dispensou o restante da sustentação.
Voto da relatora
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi pontuou que o direito real de habitação pode ser mitigado quando houver um único imóvel a inventariar entre os descendentes, e o convivente possuir recursos financeiros para assegurar sua subsistência e moradia dignas.
A ministra explicou que o objetivo da lei é permitir que o cônjuge ou companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo da sucessão, como forma não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, considerando-se o vínculo afetivo e psicológico com o imóvel onde constituíram um lar. No entanto, eventual relativização do direito é possível, e deve ser analisada de modo casuístico, “confrontando-se a necessidade de prevalência do direito dos herdeiros em face do direito do consorte”.
Para a ministra, o art. 1.831 do CC deve ser interpretado da seguinte maneira: como regra geral, preenchidos requisitos legais, é assegurado ao cônjuge ou companheiro o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família. No entanto, “é possível relativizar o direito real de habitação em situações excepcionais, nas quais devidamente comprovado que sua manutenção não apenas acarreta prejuízos insustentáveis aos herdeiros, mas também não se justifica em relação às qualidades e necessidades pessoais do convivente”.
No recurso sob julgamento, o tribunal de origem manteve o direito real de habitação sobre o único imóvel a inventariar em razão do falecimento do de cujus, sendo que, ao longo do trâmite processual comprovou-se que:
- A cônjuge sobrevivente recebe pensão vitalícia em montante elevado (o falecido era procurador Federal), possuindo recursos financeiros suficientes para assegurar subsistência.
- Os herdeiros são os nus proprietários do imóvel, sendo que não receberam quaisquer outros valores a título de pensão, e alugam outros bens para residirem com seus descendentes, netos do falecido, os quais também poderiam ser abrigados no imóvel inventariado.
Logo, na excepcional situação examinada, entendeu que deve ser relativizado o direito real de habitação em favor dos herdeiros. O recurso foi conhecido e provido para, excepcionalmente – como frisou a ministra -, afastar o direito real de habitação do cônjuge.
Processo: REsp 2.151.939
Fonte: Migalhas
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