O Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), representado pelo conselheiro de Direção da União Internacional do Notariado (UINL), Ubiratan Guimarães, esteve presente no 2º Encontro Diálogo entre Sistemas Jurídicos, realizado em San Juan, Porto Rico. O evento reuniu juristas, notários e acadêmicos de 18 países para debater as principais diferenças entre os sistemas civil law e common law, destacando a importância da atuação notarial na garantia da segurança jurídica e na proteção dos mais vulneráveis.

Durante sua participação, Ubiratan Guimarães ressaltou que a função do notariado no sistema civil law vai além da formalização de documentos, atuando como uma verdadeira salvaguarda de justiça preventiva. Em suas palavras: “A atuação do notário é essencial para garantir que contratos e transações respeitem o equilíbrio entre as partes, evitando abusos e litígios futuros, especialmente em contextos de vulnerabilidade social e econômica”, disse ao enfatizar como o encontro permitiu uma análise crítica do sistema brasileiro em comparação com outras realidades jurídicas.

O evento foi aberto com discursos de Lionel Galliez, presidente da União Internacional do Notariado (UINL), e Maite Oronoz, presidente do Tribunal Supremo de Porto Rico. Ambos destacaram a importância do diálogo jurídico internacional para promover avanços nos sistemas e modernizar práticas notariais, garantindo maior eficiência e justiça.

A presidente do Tribunal Supremo de Porto Rico, Maite Oronoz, destacou a singularidade do ordenamento jurídico porto-riquenho, que combina elementos do civil law espanhol com práticas do common law norte-americano, tornando o país um local ideal para o diálogo. Arsenio Comas Rodón, presidente do Colégio Notarial de Porto Rico, saudou a presença das delegações internacionais, ressaltando que eventos dessa natureza promovem o fortalecimento da atividade notarial como ferramenta de pacificação social e de justiça preventiva.

Os debates trouxeram contribuições valiosas, como a apresentação do juiz norte-americano Gustavo Gelpí Jr., que ressaltou o papel limitado dos notários no common law. Gelpí explicou que, nos Estados Unidos, o notário atua meramente como certificador, o que muitas vezes resulta em insegurança jurídica e litígios frequentes. Em contraste, o notário no civil law assume um papel ativo na mediação e orientação jurídica, prevenindo disputas e protegendo as partes mais frágeis.

A apresentação do francês Thierry Vachon destacou o papel do notário no direito sucessório, onde atua como um mediador imparcial, garantindo que a partilha dos bens respeite a lei e evite conflitos familiares. Por outro lado, a notária inglesa Suzanne Marriott, apresentou os desafios do sistema common law na gestão de heranças, afirmando que a ausência de controle preventivo acaba gerando disputas prolongadas e custosas.

Outro destaque do encontro foi a contribuição do professor Peter L. Murray, da Faculdade de Direito de Harvard, que trouxe um olhar crítico sobre o funcionamento dos contratos no sistema norte-americano. Segundo Murray, a ausência de uma figura imparcial como o notário gera desequilíbrios contratuais que só são corrigidos a posteriori, por meio de longos litígios judiciais. Ele enfatizou que o modelo notarial do civil law oferece um controle preventivo que antecipa e corrige problemas, protegendo especialmente as partes vulneráveis. “A função notarial nocivil lawé um mecanismo eficaz para garantir segurança jurídica e equilíbrio contratual, evitando o desgaste e os custos desnecessários de um litígio”, afirmou Murray.

A experiência italiana também foi amplamente discutida durante o evento, sendo apresentada como um exemplo concreto da eficácia da atuação notarial na prevenção de litígios. Dados compartilhados por notários italianos mostraram que menos de 1% das transações formalizadas perante notários resultam em processos judiciais. Essa baixa taxa de judicialização reflete como a intervenção notarial, ao esclarecer os termos e as obrigações contratuais, evita conflitos e promove um ambiente de segurança e transparência para todas as partes envolvidas.

O professor Rolf Sturner, da Universidade de Freiburg, também trouxe uma contribuição relevante ao reforçar que o notário atua como mediador neutro, criando um ambiente seguro e equilibrado para as decisões jurídicas. “A imparcialidade do notário é fundamental para a proteção das partes mais vulneráveis, assegurando que todos compreendam as implicações de suas decisões e que os contratos respeitem a justiça social,” destacou Sturner.

A apresentação de Annie Rivera Cruz, notária em Porto Rico, abordou o impacto dos desastres naturais no acesso à justiça. Annie utilizou o caso emblemático de Doña Ana, uma moradora que perdeu sua casa no furacão Maria, para ilustrar os desafios enfrentados pela população vulnerável em comprovar a propriedade dos imóveis. A falta de regularização fundiária e a lacuna criada pela introdução de transferências imobiliárias por documentos privados no novo Código Civil de 2020 agravaram o problema. Annie destacou que os notários porto-riquenhos desempenharam um papel crucial ao oferecer serviços gratuitos para regularizar propriedades e garantir o acesso a direitos fundamentais, como o direito à moradia.

Já Phillip M. Bender, da Câmara Federal de Notários da Alemanha, explorou a contribuição dos notários na promoção da eficiência econômica e na implementação de valores sociais, utilizando como base os conceitos da economia comportamental. Ele destacou que, ao contrário das premissas da economia clássica, que assume indivíduos racionais e perfeitamente informados, a economia comportamental demonstra que as decisões humanas são frequentemente influenciadas por vieses, informações limitadas e fatores emocionais.

David Willig, advogado na Flórida, focou sua fala nas transações imobiliárias no sistema de common law nos Estados Unidos, com especial atenção ao estado da Flórida. David destacou que, ao contrário do sistema civil law, não há obrigatoriedade da participação de um profissional jurídico para conduzir transações imobiliárias, embora recomende fortemente o envolvimento de advogados ou notários do sistema civil law para garantir maior segurança jurídica.

Nigel Ready, notário de Londres, apão do common law sobre a atuação notarial, ressaltando que, na Inglaterra, o papel do notário é restrito à certificação de documentos, sem a intervenção substantiva que caracteriza o sistema civil law. Ready enfatizou que essa limitação cria lacunas de proteção, especialmente em transações imobiliárias complexas. Por sua vez, representantes de países como Itália e França destacaram a solidez e a confiabilidade dos registros públicos e da intervenção notarial como fatores determinantes para a segurança jurídica e para a pacificação social.

No encerramento, Ubiratan Guimarães destacou que o evento permitiu uma troca enriquecedora de experiências, ressaltando que o modelo notarial latino deve ser preservado e fortalecido como uma ferramenta essencial para garantir o equilíbrio nas relações jurídicas. “Os notários atuam como guardiões da justiça preventiva, protegendo os mais vulneráveis e assegurando que os contratos cumpram sua função social. A experiência de Porto Rico nos mostra a importância de preservar essa atuação em um mundo cada vez mais desigual”.

Os debates em Porto Rico confirmaram a relevância na promoção da segurança jurídica e no fortalecimento do sistema de justiça. O evento trouxe luz a temas como a importância da digitalização dos registros, o impacto das mudanças climáticas no acesso à justiça e os desafios de harmonizar as práticas notariais globais. Ao conjugar elementos dos dois sistemas jurídicos, Porto Rico provou ser um espaço único para refletir sobre os rumos do direito e sobre o papel fundamental do notário na construção de uma sociedade mais justa e equilibrada.

Fonte: CNB/CF

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