A transição energética é uma oportunidade única para fortalecer o mercado de capitais, em especial nos mercados emergentes e países em desenvolvimento
Os investimentos globais em energia limpa atingiram US$ 2 trilhões em 2024, com uma alta de 61% em relação ao US$ 1,2 trilhão de 2019. A expansão, com taxa de crescimento anual composta de 10%, é um avanço importante, mas ainda insuficiente. Para alinhar o mundo às metas do Acordo de Paris, seriam necessários US$ 4,1 trilhões anuais entre 2026 e 2030. A lacuna é preocupante principalmente para os mercados emergentes e países em desenvolvimento (MEPD) excluindo China, que precisam multiplicar por cinco seus investimentos até 2035.
Para avaliar os caminhos possíveis, a OCDE publicou recentemente o “2025 Global Debt Report”, com uma análise por cenários que projeta como a transição para uma economia de baixo carbono poderia ser financiada. No cenário de continuidade das tendências atuais, com crescimento moderado dos investimentos e participação limitada do setor público, a China conseguiria alinhar-se a uma trajetória em linha com o Acordo de Paris até 2028. Já as economias avançadas só atingiriam esse objetivo em 2041. Os demais MEPD enfrentariam um déficit acumulado de US$ 10 trilhões até 2050, mesmo com o novo compromisso coletivo de financiamento climático firmado na COP29.
Caso o setor público seja o principal responsável pelo financiamento adicional, o impacto fiscal seria considerável. A dívida pública nos MEPD (exceto China) saltaria de 59% do PIB em 2024 para 75% em 2040, presumindo-se que apenas os investimentos climáticos sejam financiados com dívida adicional e que demais contas públicas permaneçam equilibradas. Nas economias avançadas, esse índice subiria de 115% para 139% até 2050, também em função de um aumento da assistência internacional para os MEPD após 2040. Na China, a dívida pública passaria de 90% para 131% do PIB no período. Tais níveis seriam sustentáveis apenas em cenários de juros baixos e crescimento robusto.
Em contrapartida, um cenário em que o setor privado lidera o financiamento manteria os níveis de dívida pública mais estáveis, mas exigiria avanços substanciais nos mercados de capitais. Nos MEPD (excluindo China), os mercados de dívida corporativa para companhias de energia teriam que crescer 17% ao ano até 2035 – acima da taxa de 12% registrada no mercado de dívida corporativa na China na última década. Para isso, seriam necessários marcos regulatórios mais sólidos e um ambiente macroeconômico favorável.
Independentemente do cenário, nos países desenvolvidos, o crescimento dos mercados de dívida e ações tenderia a acompanhar o ritmo do PIB. Com crescimento médio do PIB projetado de 1,4% ao ano entre 2024 e 2050, os mercados de dívida e ações de companhias de energia avançariam de 0,7% a 1,8% e de 0,5% a 1,2% ao ano, respectivamente. Na China, os mercados de capitais deveriam crescer entre 2,9% e 4,6% ao ano, comparando-se a uma taxa projetada de crescimento do PIB de 1,8%. Nos demais MEPD, o crescimento projetado dos mercados de dívida para companhias de energia chega a 9,1% ao ano em um dos cenários, ante crescimento econômico projetado de 2,5%.
A mobilização de capital para a transição climática depende não apenas de volume, mas também de qualidade institucional, regulação eficiente e confiança de investidores. Reforçar os mercados de capitais, especialmente nos países em desenvolvimento, será crucial
Esses números ilustram a complexidade do desafio. A mobilização de capital para a transição climática depende não apenas de volume, mas também de qualidade institucional, regulação eficiente e confiança de investidores. Reforçar os mercados de capitais, especialmente nos países em desenvolvimento, será crucial. Com políticas públicas bem desenhadas e mercados eficientes, será possível não apenas financiar o crescimento econômico, mas também garantir uma transição energética sustentável.
Mercados de capitais eficientes significam mercados abertos de forma contínua na linha do tempo, que tenham arcabouços regulatórios com credibilidade e que criem um grau de liquidez que permita uma precificação adequada ao risco real e percebido. Acreditamos que dos três fatores mencionados acima, o primeiro ponto é a confiança! E, falando nos MEPD, esse fator é mais desafiador ainda porque o gap entre confiança necessária e confiança percebida pelos investidores é maior do que nas economias desenvolvidas. Mas devemos ver isso como uma oportunidade para fechar esse gap já que a transição energética é uma ida sem volta e o caminho mais seguro e viável para que essa aconteça, como visto acima, é via mercado de capitais.
É essa maior confiança por parte dos investidores que vai fazer com que as operações possam ser de longo prazo e precificadas de forma adequada. E como gerar uma onda de confiança sustentável? Não pode ser uma confiança de espasmos, mas uma onda que se apoie nos outros dois fatores. Que seja sustentada por uma vontade genuína dos agentes em zelar pela reputação. Não adianta trabalhar na forma sem ter uma contrapartida imediata e visível na substância. Entender que o risco de reputação deve ser minimizado de uma forma visível nas decisões e ações do dia a dia é crítico para gerar a confiança. Assumindo então que o compromisso em gerar confiança está estabelecido parte-se então para os outros dois vetores de sustentação para termos um mercado de capitais mais forte.
O primeiro é o fortalecimento das instituições. Isso só é possível quando essas são independentes e se tornam órgãos de Estado. Sendo de Estado, elas vão exigir amparo legal, compromisso claro com as boas práticas globais e servidores, em todos os níveis, com conhecimento técnico. Esse reconhecimento técnico minimiza então o risco de as ideologias interferirem na vida dos agentes do mercado.
A partir do momento em que as instituições estão fortes e independentes por terem um viés técnico dominante é uma consequência praticamente imediata ter uma regulação mais eficiente. Isso significa uma regulação que entende quais os engarrafamentos que devem ser destravados e considera qualquer impacto negativo no bom andamento do mercado. Regulação tem que atender as questões reais do mercado e dar respostas nas áreas necessárias para incentivar o desenvolvimento.
Temos na transição energética uma oportunidade única para fortalecer o mercado de capitais. Devemos nos antecipar às mudanças que precisam acontecer ou ser consolidadas para não perder esse caminho e possibilitar uma transição energética mais eficiente e menos traumática.
Fonte: Valor Econômico


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