O novo Código de Processo Civil (CPC/2015) entrou em vigor há um ano, no dia 18 de março de 2016, e introduziu mudanças significativas na formação da jurisprudência e também na tramitação dos recursos dirigidos aos tribunais superiores.
 
Na avaliação do vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, as mudanças no novo código deram maior racionalidade à prestação jurisdicional, sem deixar de lado a segurança jurídica.
 
O ministro recebeu neste mês uma homenagem da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por sua atuação na implementação do novo código no âmbito do STJ, incluindo o empenho para promover as alterações necessárias no regimento do tribunal.
 
Para o magistrado, o CPC deu ênfase ao julgamento de mérito das demandas, possibilitando a correção de erros formais, de tramitação ou até mesmo de direcionamento do recurso, já que um pedido feito equivocadamente ao STJ pode ser encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e vice-versa.
 
Essas mudanças foram pensadas pelo legislador para diminuir o congestionamento de processos e possibilitar a solução de litígios. Confira a seguir a avaliação que o vice-presidente do STJ faz sobre algumas das alterações, após um ano de vigência do novo código:
 
Quais as mudanças relevantes do novo CPC quanto à admissibilidade de recursos dirigidos aos tribunais superiores?
 
Humberto Martins – Diversas foram as inovações trazidas pelo novo CPC. Quanto à admissibilidade dos recursos extraordinários, o código teve a virtude de deixar claros os procedimentos a serem adotados, bem como os recursos a serem interpostos quando o recurso tem sua subida obstada. Também é digna de nota a questão da primazia do julgamento de mérito dos recursos, de modo que determinados vícios formais devem ser saneados (por exemplo: ausência de comprovante de custas e de procuração). Além disso, observo que o juízo de admissibilidade dos recursos ordinários foi abolido. Todas essas medidas, certamente, conferiram maior racionalidade à prestação jurisdicional. Por outro lado, a adoção da contagem de prazos em dias úteis, para processos cíveis, aumentou consideravelmente o tempo necessário para a conclusão dos processos.
 
Quais os principais erros que têm sido detectados pela vice-presidência na interposição desses recursos?
 
Humberto Martins – Tenho observado erros na escolha do recurso a ser interposto (agravo interno/regimental ou agravo em recurso extraordinário), bem como na contagem dos prazos nos processos criminais. O novo CPC previu a existência de duas modalidades distintas de juízo negativo de admissibilidade, estabelecendo consequências distintas para os casos em que os tribunais recorridos apliquem o regime de repercussão geral (hipótese em que a lei utiliza a terminologia “negar seguimento”) e para aqueles em que a inadmissão se dá por outras razões. Desse modo, a decisão que nega seguimento ao recurso extraordinário, aplicando a sistemática da repercussão geral, somente pode ser desafiada por agravo interno/regimental (artigo 1.030, parágrafo 2º, do CPC). Por outro lado, quando o recurso for inadmitido por qualquer outro fundamento, o recurso cabível é o agravo em recurso extraordinário (artigo 1.030, parágrafo 1º). Por último, registro que, em matéria penal ou processual penal, deve ser observado o prazo de cinco dias para interposição de agravo regimental, nos termos do artigo 39 da Lei 8.038/90, bem como a não incidência das novas regras do CPC referentes à contagem dos prazos em dias úteis.
 
O que foi alterado quanto ao prequestionamento?
 
Humberto Martins – O artigo 1.025 do CPC de 2015 prevê a possibilidade de interposição de embargos de declaração para fins de prequestionamento, o que antes não existia. Desse modo, mesmo que o tribunal recorrido não tenha se manifestado sobre o tema em debate, a parte recorrente poderá opor aclaratórios para que a questão seja, em princípio, fictamente prequestionada. Porém, pelo referido dispositivo legal, só haverá prequestionamento implícito se o tribunal superior considerar existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.
 
A mudança foi bem recebida pelas partes? Os advogados assimilaram os novos procedimentos?
                                                                                      
Humberto Martins – Acredito que as mudanças foram recebidas positivamente pelos advogados, até porque o novo Código de Processo Civil contou com efetiva participação da Ordem dos Advogados na sua elaboração. A advocacia é agente fundamental em todo o processo. Desse modo, tudo que contribua para uma prestação jurisdicional célere e que ajude a diminuir o congestionamento de processos, sem causar danos ao devido processo legal, é válido. Certo é que temos que continuar aprimorando os procedimentos para uma prestação jurisdicional célere, compatibilizando justiça e segurança jurídica.
 
O senhor acredita que, com o novo CPC, houve uma valorização da importância da apresentação adequada dos fundamentos?
 
Humberto Martins – O Código de Processo Civil de 2015 prioriza o julgamento de mérito das demandas, a cooperação entre as partes e o juiz, sendo a fundamentação detalhada uma exigência do artigo 489, parágrafos 1º e 2º. Todavia, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive, firmada em repercussão geral, é no sentido de que o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal exige a explicitação das razões de convencimento do julgador, mas dispensa o exame detalhado de cada argumento suscitado pelas partes.
 
O novo CPC permite a conversão do recurso especial em recurso extraordinário (e a remessa ao STF), em nome do princípio da fungibilidade, quando o caso chega ao STJ e este entende que se trata apenas de matéria constitucional. Também é possível a situação inversa, quando se detectar que não há ofensa direta à Constituição, mas apenas à lei federal. Como o senhor avalia essa inovação?
 
Humberto Martins – Avalio positivamente. Mais uma vez o código privilegiou o julgamento do mérito da demanda, que, efetivamente, é o que pleiteiam as partes em litígio. Evita-se que o STJ não conheça do recurso por ser a matéria constitucional, e o STF, ao argumento de que a matéria seja infraconstitucional. Cabe notar, todavia, que a jurisprudência se firmou no sentido de que o artigo 1.033 do novo CPC somente incidirá nos recursos interpostos contra acórdãos publicados após o início da sua vigência, ou seja, 18 de março de 2016.