O instituto da usucapião por abandono de lar, também conhecido por usucapião familiar ou usucapião pró-família, foi introduzido no Código Civil (artigo 1.240-A) pela Lei 12.424/11. Pelo dispositivo, aquele que exercer, por dois anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
 
A Lei visou a proteção (do ex-companheiro ou ex-cônjuge), quanto ao bem que era dividido, até então, com aquele parceiro que abandonou o lar conjugal, deixando-o com todo o ônus que recai sobre o bem, ou seja, IPTU, prestações do bem em caso de empréstimo bancário, água, luz, etc.
 
Nesse sentido: […] a parte que permanece no imóvel assume, sozinha, as obrigações pecuniárias que deles decorrem, como pagamento de tributos e despesas com a manutenção da coisa. Por isso, parece razoável que, havendo um abandono por tempo considerável (2 anos), ocorra a aquisição originária da meação da outra parte (FARIAS, 2013, p.126).
 
Necessário frisar que, desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 66/2010, que deu ao parágrafo 6.º, do artigo 226, da Constituição Federal nova redação, onde o casamento passou a ser dissolvido pelo divórcio, a discussão acerca da culpa pelo rompimento do casal foi abolida. Com isso, penalidades que antes eram impostas ao culpado, deixaram de existir.
 
Dessa forma, a aquisição originária da meação pela usucapião por abandono de lar não deve ser vista como uma penalidade àquele que abandonou o lar conjugal, mas sim, como dito acima, uma proteção àquele que ficou, uma vez que este teve que assumir todos os encargos do bem, e, sem essa possibilidade de aquisição, não poderia jamais dispor do imóvel.
 
Nas palavras de Cristiano Chaves Farias, seria uma “forma especial de extinção do condomínio do casal sobre imóvel residencial único, visando efetivar a plenitude da propriedade em favor de quem permaneceu e assumiu todos os ônus de mantença do bem, inteiramente à suas expensas”, (2013, p.131).
 
Outro ponto que merece destaque é que o abandono de lar não pode ser confundido com uma simples “separação de fato” do casal, onde o cônjuge deixa o lar conjugal, porém, continua prestando assistência à família. Para caracterizar o abandono, a fim de se fazer valer o instituto da usucapião familiar, temos que deve haver, simultaneamente, o abando do lar conjugal e o abandono familiar, pelo prazo estipulado na Lei.
 
Conforme se depreende do artigo supra citado, para ser possível a usucapião familiar, a posse deve ser exercida sem oposição. Isso quer dizer que, ao tempo da propositura da ação, nenhuma ação de oposição deve estar em curso. Da mesma forma, o envio de uma simples notificação extrajudicial antes de se vencer o prazo estipulado na Lei, basta para que seja afastado o direito da usucapião familiar.
 
Frisa-se que doutrina e jurisprudência têm admitido a utilização do instituto como defesa em uma ação familiar — separação, divórcio ou outras que discutam partilha de bens, não havendo o que se falar, nesses casos, em oposição.
 
Como vimos, o instituto da usucapião por abandono de lar, ou familiar, como mais comumente chamado, é um instrumento que visa a proteção da dignidade da pessoa humana, princípio assegurado pela Constituição Federal, conferindo àquele que foi obrigado a assumir todos os encargos de um bem o direito à propriedade dele, sem que seja feita a devida partilha com o ex-companheiro ou ex-cônjuge que abandonou a família e seu lar.
 
*Flávia Mariana Mendes Ortolani é advogada, especialista nas áreas cível e trabalhista, e integrante da Diretoria Executiva da OAB Sorocaba na função de Secretária-Geral