(O registro de imóveis e os títulos materiais inscritíveis: a hipoteca -parte 24)
 
824. Ficou sobredito (cf. itens n. 819 e 820) que, com admitir-se, na metódica da instituição da hipoteca, a relativa indeterminação do valor da dívida garantida –resultado dos fenômenos indexatório e, mais raramente, desindexatório–, o direito brasileiro acercava-se de terreno próximo do conceito de hipoteca de segurança ou hipoteca de seguridade.
 
Especificamente, a hipoteca de segurança tem por objeto uma obrigação de existência de algum modo duvidosa –quer porque, contingente, preveja-se futura, quer porque subordinada a condição suspensiva.
 
Significa dizer que, desviando-se da regra geral de a hipoteca apenas existir quando exista o crédito (vidē Enneccerus, Kipp e Wolff), a hipoteca de seguridade preexiste ao crédito ou a sua eficácia (pendente do implemento de condição). Mas isto não significa –nota bene!– que a dívida garantida não seja necessária para a plena realização da hipoteca de segurança. A este propósito, observou Hedemann que, paradoxalmente, a hipoteca de segurança, não dependendo do débito para existir –uma vez que a garantia de seguridade existe de modo indiferente à existência atual da dívida ou de seu valor real–, já, para sua eficácia, depende “da existência e da quantidade do crédito determinadas por meios extrarregistrais”, crédito e valor que são ao revés presumidos, na hipoteca de tráfico (ou hipoteca ordinária), por sua só menção registral.
 
825. Todavia, além deste modo estrito de hipoteca de segurança –ou seja, o em que a obrigação é duvidosa quanto à existência ou à eficácia atual–, há uma outra hipoteca que, ao menos de maneira análoga, também se designa por hipoteca de seguridade (p.ex., Nussbaum, Enneccerus, Kipp e Wolff, Aguirre Aldaz).
 
Hedemann chega a dizer que se cuida aí de uma subespécie da hipoteca de segurança, ao tratar-se de uma garantia que, embora reportada a uma obrigação preexistente, apresenta indeterminação quanto ao valor do débito.
 
A esta garantia chama-se hipoteca de maximum (também denominada hipoteca de caução ou hipoteca de importe último). É uma garantia que não exige a especialidade plena da obrigação –por indeterminada quanto a seu valor–, mas, isto sim, a referência a sua quantidade máxima, limite que não pode ultrapassar-se pela obrigação garantida. Essa hipoteca de máximo supõe, para constituir-se, a exemplo da hipoteca de tráfico, o registro do título correspondente, dos quais (título e registro) deve constar a importância extrema do valor pelo qual o imóvel objeto responderá: é de Hedemann a observação de que o traço distintivo, no registro, entre a hipoteca de tráfico e a hipoteca de quantidade máxima está exatamente em que a inscrição desta última consigna o extremo valorativo da responsabilidade garantida.
 
826. Parece que o direito brasileiro vigente admite a hipoteca de máximo.
 
Em comentário ao art. 1.487 de nosso vigente Código Civil, diz Francisco Eduardo Loureiro que este dispositivo acolheu o “entendimento prevalecente na doutrina e na jurisprudência”, no sentido de que possam garantir-se por hipoteca “todas as obrigações de ordem econômica, de dar, fazer, ou não fazer, simples ou condicionais, líquidas ou ilíquidas”. E, adiante, observa que “a lei cria uma restrição à hipoteca sobre dívidas ilíquidas, sob condição, ou futuras”, qual seja a de que “seja determinado o valor máximo ou estimado do crédito a ser garantido”.
 
É verdade que a cláusula final do art. 1.487 do Código civil –“desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido”– está reportado às dívidas futura ou condicionada, figuras ambas referidas na parte inicial do artigo: “A hipoteca pode ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada, desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido”. Todavia, já o inciso I do art. 1.424 do Código dispõe que os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca devam declarar, para terem eficácia, “o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo” (neste mesmo sentido, cf. Loureiro).
 
Desta maneira, seja pela inclinação da jurisprudência doutrinária e pretoriana, seja por meio de uma compreensão sistemática do tema da hipoteca no Código civil brasileiro, parece bem expandir-se a referência da parte final de seu art. 1.487 de modo a abranger os casos de obrigações atuais e incondicionadas, cujo valor, entretanto, não esteja determinado, assinando-se apenas a quantidade extrema ou limite do débito garantido.
 
827. Já aqui se indicou, com apoio na doutrina de Hedemann, que a hipoteca de segurança ostenta uma relação mais intensa com o débito objeto da garantia do que o relacionamento que se põe com a hipoteca de tráfico, porque, na garantia de seguridade, a confirmação da dívida não emerge do registro.
 
Diversamente, na hipoteca de tráfico tem-se a presunção relativa do quanto se indique, no registro, acerca da dívida.
 
Bem por isto que o efeito da legitimação registral não abrange a dívida correspondente à hipoteca de segurança, lê-se nos §§ 1º e 2º do art. 1.487 do Código civil:
 
“§ 1º- Nos casos deste artigo, a execução da hipoteca dependerá de prévia e expressa concordância do devedor quanto à verificação da condição, ou ao montante da dívida.
 
§ 2º- Havendo divergência entre o credor e o devedor, caberá àquele fazer prova de seu crédito. (…).”
 
Embora estas previsões dos §§ 1º e 2º do art. 1.487 do Código civil brasileiro concirnam, expressamente, à relação entre credor e devedor, reportando-se, de modo pontual, ao território da execução da hipoteca, não se pode restringir a isto o tema da eficácia e da extensão da garantia de segurança, extensão e eficácia hipotecárias que também interessam a terceiros (neste sentido, de maneira explícita, a lição de Hedemann).
 
Tal o observa Aguirre Aldaz, não bastando, para confirmar todos os elementos do crédito da hipoteca de seguridade, seu título e o registro correspondente, mas, diversamente, sendo exigível recorrer aos meios extrarregistrais para provar a atualidade do débito e seu valor, é de entender que a publicidade da hipoteca de segurança não faz presumir em caso algum a existência e a quantidade real do débito.
 
Diz, a propósito, Martin Wolff que o direito do credor hipotecário, quanto a uma garantia de seguridade, há de determinar-se de consonância com o crédito “tal qual ele é na realidade, e não como parece ser conforme o registro”, de sorte que a fé pública ou, no caso brasileiro, a legitimação registral não se estendam, uma e outra, ao crédito meramente indicado na inscrição. Desta maneira, o credor não pode meramente invocar o registro para confirmar seu crédito: “inscrita uma hipoteca de seguridade, presume-se que ela exista se o crédito existe, mas não se presume a existência do crédito” (Wolff).
 
Assim, a prova –ou confirmação– do débito garantido pela hipoteca de segurança, que pode mesmo anteceder o vencimento da dívida, admitir confissão ou transação e suplemento na via judicial (ações de conhecimento e monitória –vidē Francisco Loureiro), é indispensável para que a garantia surta seus efeitos.
 
Insista-se em que, nada obstante a restrição textual dos §§ 1º e 2º do art. 1.487 do Código civil brasileiro, a confirmação da existência do débito garantido pela hipoteca de seguridade também interessa a terceiros (pense-se, v.g., na hipótese de um terceiro valer-se de execução de dívida quirografária, com penhora de imóvel, à qual penhora se oponha uma suposta preferência originária do mero registro da hipoteca de segurança).