Com alguns vetos foi sancionada pelo presidente da República a Lei 14.010/20, instituindo “o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19)”, a qual entrou em vigor em 12 de junho de 2020.
 
Com relação ao direito das sucessões, o artigo 16 do RJET estabeleceu a dilação do termo inicial da abertura dos inventários. Normalmente, o prazo é de 2 meses a partir do óbito, conforme estabelece o artigo 611 do Código de Processo Civil. Porém, para os óbitos ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 2020 o RJET definiu que o termo inicial para a contagem dos 2 meses será o dia 30 de outubro de 2020, terminando, portanto, em 30 de dezembro de 2020.
 
Também foi determinado que o prazo legal de 12 meses para a finalização dos inventários, se iniciados antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da entrada em vigor do RJET até 30 de outubro de 2020.
 
Mas será que tais disposições são suficientes para afastar as penalidades previstas na legislação tributária estadual (Lei 10.705/00) para os casos em que o imposto causa mortis (ITCMD) for recolhido fora dos prazos originalmente estabelecidos por essa lei?
 
Com efeito, o inciso I do artigo 21 da Lei 10.705/00 prescreve que se os inventários não forem requeridos no prazo de 60 dias do óbito o imposto será calculado com multa de 10%, e se o atraso for superior a 180 dias, com multa de 20% (“multa de protocolização”).
 
Ainda que não haja expressa previsão no RJET com relação ao afastamento da multa de protocolização, forçoso concluir que a legislação estadual deverá a ele compatibilizar-se. Até porque a Súmula 542 do Supremo Tribunal Federal estabelece não ser “inconstitucional a multa instituída pelo Estado-membro, como sanção pelo retardamento do início ou da ultimação do inventário”. Porém, se não há retardamento pois o RJET está estabelecendo a dilação do termo inicial, pela lógica não será cabível a penalidade.
 
E, da mesma forma, não deverão ser aplicáveis a multa e os juros de mora previstos para os casos em que o recolhimento do ITCMD ocorrer em prazo superior a 180 dias do óbito (artigos 17, 19 e 20 da Lei 10.705/00). Mesmo que exista na legislação a possibilidade de dilação desse prazo, “por motivo justo” reconhecido “pela autoridade judicial”, o contribuinte não deveria ficar sujeito ao arbítrio do julgador, já que prorrogação decorre do que estabelecido pelo RJET.
 
E, além disso, se o afastamento da multa e dos juros de mora ficar dependente do reconhecimento do justo motivo pelo juiz, haverá a necessidade de que todos os inventários sejam feitos judicialmente, aumentando o número de processos em juízo e prejudicando a faculdade das partes de escolha do trâmite extrajudicial, mais simples e célere, para os inventários em que não haja testamento ou menores.
 
Registre-se que a aplicação das penalidades ocorre de forma automática pelo sistema eletrônico de cálculo e recolhimento da Fazenda do Estado de São Paulo, sempre que os prazos previstos na Lei 10.705/00 forem ultrapassados.
 
Portanto, o que se aguarda é que os prazos originalmente previstos pela legislação estadual do ITCMD sejam compatibilizados com os estabelecidos pelo RJET, de forma a que as penalidades sejam exigíveis apenas se não atendidos os prazos dilatados pelo artigo 16 do RJET.
 
*Vanessa Scuro, sócia do Melcheds – Mello e Rached Advogados, especializada em Direito Processual Civil e em Direito de Família e de Sucessões
 
*Julia Abe Quagliato, advogada no Melcheds – Mello e Rached Advogados, na área de Planejamento Patrimonial, Família e de Sucessões