Transitou em julgado em 25 de maio deste ano decisão na qual, por unanimidade, a 4ª Turma do STJ, no AResp de n° 479.648/MS, decidiu que o prazo para interposição da ação de petição de herança é o de dez anos, contados a partir da abertura da sucessão, momento no qual se transmitem os bens aos herdeiros, legítimos ou ainda não legitimados, e que nasce o ato lesivo a eles, reconhecidos ou não, quando da morte do de cujus.
 
A decisão é polêmica e levanta a discussão entre as teorias moderna e clássica sobre o tema. Para a primeira, nasceria para o herdeiro ainda não reconhecido quando da morte do de cujus o direito para interposição de ação de petição de herança apenas após o transito da investigação de paternidade, caso seja esta positiva. Ou seja, a teoria defende que o ato lesivo a esse herdeiro nasceu quando sua filiação foi descoberta e que, em nome do principio da dignidade da pessoa humana, ele ainda teria o direito de questionar os bens deixados pelo de cujus, mesmo já havendo o transito em julgado da partilha.
 
Já para a segunda, em consonância com a decisão atual do STJ aqui citada, é da abertura da sucessão que nasce para todos os herdeiros o direito de herança, independente de estarem estes herdeiros reconhecidos ou não no momento da morte do de cujus. Essa teoria defende a Súmula 149 do STJ, que discorre que “é imprescritível a investigação de paternidade, mas não o é o direito a petição de herança”. Ou seja, no caso de haver herdeiro ainda não reconhecimento quando da morte do de cujus, este poderá, a qualquer tempo — posto que o direito a personalidade é imprescritível —, interpor ação de investigação de paternidade para, com o advento do exame de DNA, ter reconhecido seu direito ao nome. Todavia, não poderá, a qualquer tempo, interpor ação de petição de herança para rever o direito aos bens deixados pelo de cujus, haja vista tratar-se este de direito patrimonial que, em nome do princípio constitucional da segurança jurídica, não poderá ser questionado ad eternum.
 
Para a teoria clássica, dizer que nascerá ao herdeiro ainda não reconhecido quando da morte do de cujus o direito à petição de herança apenas após o transito em julgado da investigação de paternidade é o mesmo que dizer que o direito à petição de herança é imprescritível, haja vista o ser o da investigação de paternidade.
 
Segundo entendimento do relator, que reviu seu posicionamento após leitura do voto da ministra Maria Isabel Galloti: “Em sessão de julgamento ocorrida em 27 de agosto de 2019, proferi, na condição de relator do agravo interno em vitrina, voto no sentido de negar provimento ao agravo interno no agravo em recurso especial, sob o fundamento, em resumo, de que o prazo prescricional para ajuizamento da ação de petição de herança por filho não reconhecido teria início tão somente após o trânsito em julgado da respectiva ação de investigação de paternidade. Ocorre que, posteriormente, na sessão de julgamento do dia 10 de dezembro de 2019, veio judicioso voto-vista apresentado pela douta Ministra Maria Isabel Gallotti, em razão do qual modifiquei meu entendimento acerca do tema, aderindo aos irrefutáveis fundamentos lançados naquela ocasião. Assim, entendo que o termo inicial da prescrição de petição de herança se deu com o falecimento do avô da autora, em 28.7.1995. Ante o exposto, revendo a posição firmada no voto anteriormente proferido, com apoio nos fundamentos acima transcritos, nego provimento ao agravo interno. É como voto”.
 
Em seu ilustroso voto, que levantou a divergência, a ministra Maria Isabel Galloti afirmou: “A propósito, lembro a Súmula n° 149/STF, que assim dispõe: 'É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança'. Por meio da ação de petição de herança, busca-se a repartição daquilo que, por ocasião da abertura da sucessão, foi transmitido, por força de lei, aos herdeiros. Consoante o art. 1.572 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 1.784 do Código de 2002), vigente à época da abertura da sucessão, 'aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários'. Trata-se do princípio da saisine. A partir da abertura da sucessão, o herdeiro preterido – reconhecido ou não em vida – terá ação para buscar sua porção na herança (actio nata). Caso não reconhecido, caberá a ele, desde a abertura da sucessão, o direito de postular, conjuntamente à investigação de paternidade, a consequente petição de herança. Isso porque a sentença que reconhece a paternidade possui efeitos ex tunc o que, como consequência lógica, significa dizer que a 'pessoa sempre foi filho'.”
 
A ministra continua seu voto: “No caso específico da petição de herança, além das digressões acima realizadas, há de se considerar que, com a imediata transmissão dos bens aos herdeiros, esses passaram a arcar com os ônus de serem proprietários, como legitimidade ativa e passiva para proteção/conservação do bem, dever de arcar com os tributos incidentes. São situações consolidadas e que estariam sujeitas ao arbítrio do interessado em dar início ao prazo prescricional com a propositura da imprescritível ação de investigação. O instituto da prescrição não tem por finalidade, ao meu sentir, a punição pela inércia do suposto titular do direito, visto que sua função é, precipuamente, a pacificação das relações sociais e a proteção de situações jurídicas consolidadas pelo longo decurso do tempo, sob pena de violação à segurança jurídica. A regra vigente em nosso Direito Civil é, portanto, a actio nata, vale dizer, o início da fluência do prazo de prescrição é a data da lesão do direito, a partir de quando a ação pode ser proposta (Código Civil, art. 189). Se não o foi por desinteresse ou por desconhecimento do lesado a propósito do próprio fato lesivo ou do direito aplicável, isso não tem relevância. A prescrição se opera nos prazos previstos em lei tendo em mira a segurança e a paz social”. 
 
Para justificar sua análise, a ministra, que foi seguida pelo relator e demais ministros da turma, citou artigo de co-autoria da advogada ibdermana, especialista em Direito de Familia e Sucessões, Paula Freire Santos Andrade Nunes: “Como analisado no trabalho 'A prescritibilidade do direito à petição de herança: uma análise da impropriedade das decisões do STJ contrárias à Súmula nº 149 do STF', 'uma vez aberta a sucessão, haverá prazo para que os herdeiros legitimados à época ou testamentários se habilitem, sob pena de transmissão de bens ao Estado. Portanto, não há que se falar em aguardar-se eternamente o reconhecimento de um possível herdeiro post mortem do de cujus, para que a herança seja definitivamente partilhada'”. (VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; NUNES, Paula Freire Santos Andrade. Acesso em 4/10/19 < https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/127982>”
 
No artigo supracitado, escrito em co-autoria com a professora e pós-doutora, Claudia Mara Viegas, publicado pela Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 27 – Nov-Dez/2018 e pelo compilado “30 anos de atuação do Superior Tribunal de Justiça” (junho/2019), a advogada especialista e ibdermana defende que o argumento de que o direito material do herdeiro reconhecido post mortem apenas teria sido ferido com o trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade não há que se prosperar, pois, seguindo a exegese do artigo 1.784 do Código Civil, os bens transmitem-se imediatamente aos herdeiros, legítimos e testamentários, no momento da abertura da sucessão. Assim sendo, é nesse momento que nasce o direito para os herdeiros de se legitimarem e inicia-se o prazo prescricional para reaver os bens deixados pelo de cujus. A súmula 149 do STF sopesa os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e de propriedade, uma vez que indetermina prazo prescricional para ter reconhecidos os direitos de personalidade do herdeiro reconhecido post mortem, mas entende como legítimo o prazo fim para discussão patrimonial, sob pena de ferir o direito constitucional à propriedade dos herdeiros legitimados ao tempo da abertura da sucessão, de causar enriquecimento ilícito ao herdeiro desidioso e, ainda, insegurança jurídica nos direitos sucessórios. Nesse sentido, a “pretensão” aludida no artigo 189 do CC/2002 nasceu quando da abertura da sucessão, não podendo ser diferente, sob pena de se tornar imprescritível o direito à petição de herança.
 
Em sua redação, o artigo ainda elenca outras normais legais que definem prazos prescricionais para a proteção dos direitos patrimoniais, sopesando-os com o direito de personalidade, bem como defende que a sentença que reconhece a paternidade tem caráter declaratório, ou seja, apenas reconhece um status já existente desde o nascimento do filho. “Assim, considerando seus efeitos retroativos, a filiação que sempre existiu, desde a abertura da sucessão, com a imediata transmissão dos bens aos herdeiros, é que o seu direito foi violado. Noutros termos, ostentando desde sempre a condição de herdeiro, ainda que não o saiba, o termo inicial para o ajuizamento da petição de herança ocorre imediatamente com a transmissão dos bens aos herdeiros, consoante disposição já transcrita do artigo 1.784 do Código Civil de 2002”.