Não existe qualquer óbice legal para que notários e registradores optem pelo Plano Simplificado previsto no artigo 21, § 2º, I, da lei 8.212/91; entretanto, é preciso redobrar a cautela quanto a eventuais interpretações restritivas por parte do Poder Público
 
Desde a promulgação da Constituição da República de 1988 os serviços notariais e de registro consubstanciam funções públicas exercidas em caráter privado por candidatos aprovados em concursos públicos de provas e títulos organizados pelos respectivos estados (art. 236, § 3º, da CR/88). Dessa maneira, os notários e registradores previamente submetidos ao certame assumem as serventias disponíveis mediante a outorga de uma delegação por parte do ente estatal competente que, em contrapartida, assume o poder-dever de fiscalizar os atos dos agentes delegados consoante o princípio da legalidade e demais disposições normativas que regem o exercício da atividade.
 
Portanto, os populares “cartórios” extrajudiciais não são equiparáveis a pessoas jurídicas que externalizam a atividade econômica organizada com vistas à obtenção de excedente econômico, posteriormente distribuído a pessoas físicas que lhe constituem; ao contrário, não gozam de personalidade jurídica própria. Isso significa que os ônus – como a eventual responsabilidade civil por danos causados aos usuários – e bônus – a remuneração do trabalho mediante emolumentos, o que não se confunde com a ideia de distribuição de lucro – cabem exclusivamente à pessoa física do notário ou registrador.
 
Com efeito, levando-se em consideração que os agentes delegados de serventias extrajudiciais não são funcionários públicos (e tampouco gestores de um ente com personalidade jurídica distinta), submetem-se a um regime jurídico misto (em parte de direito público e em parte de direito privado). Assim, embora expressa a vinculação de notários e registradores ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), de âmbito federal, nos termos do art. 40 da lei 8.935/94, é comum surgir dúvidas relacionadas ao enquadramento de tais sujeitos nas diversas espécies de contribuintes previstos na lei 8.213/91.
 
Sem embargo, não há qualquer dificuldade em relacioná-los aos contribuintes individuais obrigatórios da referida lei, mormente porque o decreto federal 3.048, de 6 de maio de 1999, estabelece em seu artigo 9º, § 15º, VII, que “o notário ou tabelião e o oficial de registros ou registrador, titular de cartório, que detêm a delegação do exercício da atividade notarial e de registro, não remunerados pelos cofres públicos, admitidos a partir de 21 de novembro de 1994″ enquadram-se na alínea l” do inciso V do mesmo artigo 9º, isto é, correspondem a “pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não”, típica hipótese de contribuinte individual obrigatório do RGPS.
 
No entanto, se de um lado não existem dúvidas de que os notários e registradores são contribuintes individuais obrigatórios da Previdência Social, de outro algumas questões podem surgir quanto à alíquota dos recolhimentos mensais aplicável aos próprios contribuintes individuais.
 
Isso porque o artigo 21 da lei 8.212/91, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social e dá outras providências, prescreve “a alíquota de contribuição dos segurados contribuinte individual e facultativo será de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição”, ao passo que o parágrafo segundo, I, do mesmo artigo, prevê que “no caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição será de 11%, no caso do segurado contribuinte individual (…) que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado (…)”.
 
A regra geral, assim, é a de que os contribuintes individuais devem recolher mensalmente o valor que represente ao menos 20% do salário de contribuição; nada obstante, a partir do ano de 2006 (mais especificamente a partir da lei complementar 123/06, com efeitos a partir do decreto 6.042/07), o legislador criou o chamado Plano Simplificado de Previdência Social, futuramente aplicável exclusivamente à categoria de contribuintes individuais sem relação de trabalho com empresa ou equiparado, segundo o qual o segurado pode recolher apenas o correspondente a 11% sobre o salário de contribuição (art. 21, § 2º, inc. I, da lei 8.212/91).
 
A respeito, defende-se neste informativo o posicionamento de que, atualmente, não existe qualquer óbice legal para que notários e registradores optem pelo Plano Simplificado previsto no artigo 21, § 2º, I, da lei 8.212/91.
 
Em primeiro lugar porque a opção do contribuinte individual pelos recolhimentos com base na alíquota de 11% traz consigo automaticamente uma renúncia a um direito previdenciário, qual seja, a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 21, § 2º, caput, da lei 8.212/91). Esse detalhe é importante porquanto demonstra que tal modalidade tem o mérito de prestigiar a liberdade de escolha do cidadão de uma maneira que em nada prejudica o equilíbrio financeiro e atuarial norteador da previdência social (art. 201, caput, da CR/88), já que o segurado precisará recolher mensalmente as suas contribuições com alíquota reduzida pelo menos até atingir a idade mínima para a aposentação – 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, consoante o art. 201, § 7º, II, da CR/88.
 
Em segundo lugar, é igualmente digno de nota que os agentes delegados cumprem os requisitos descritos no texto legal que institui o Plano Simplificado. Como já ressaltado anteriormente, o contribuinte individual pode fazer a opção pela alíquota reduzida caso “(…) trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado (…)” (art. 21, § 2º, I, d lei 8.212/91). Nessa mesma esteira, o website do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estabelece que o “segurado contribuinte individual, que trabalha por conta própria e não seja prestador de serviço à empresa ou equiparada” está apto a tal modalidade especial de recolhimento.
 
Ora, como já exposto, os notários e registradores exercem uma função pública em caráter privado mediante a outorga de uma delegação por parte do Estado, não se equiparando de maneira nenhuma a funcionários públicos. Ademais, o Cartório não é dotado de personalidade jurídica e nem é equiparável a empresa.
 
A respeito da ausência de personalidade jurídica, veja-se que os titulares respondem pessoalmente por todos os atos realizados na serventia extrajudicial, sendo esta apenas a denominação do local onde os outorgados delegatários desempenham a atividade notarial e de registro – é o que se extrai dos artigos 22 da lei 8.935/94 e 28 da lei 6.015/73, bem como do consolidado entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
 
Do mesmo modo, destaque-se que muito embora as serventias possuam CNPJ (apenas para fins da emissão da DOI), não se faz necessário o recolhimento do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica, sendo tal entendimento sedimentado no art. 12, § 3º, VII, da instrução normativa 200/02 da Secretaria da Receita Federal, que exige a inscrição dos “cartorários” no CNPJ ainda que sem possuir personalidade jurídica. Ainda, o art. 150 do Regulamento do Imposto de Renda (decreto 3.000/99) dispõe expressamente que os notários e registradores não são pessoas jurídicas nem por equiparação, mas sim pessoas físicas. Noutro sentido, não há dúvida de que os emolumentos – regulamentados pela lei 10.169/00 – constituem receita da pessoa física do agente delegado, sendo tal espécie de remuneração, instituída e regulamentada por lei, substancialmente distinta da distribuição de lucros e dividendos.
 
Portanto, não há dúvidas de que notários e registradores: I) são contribuintes individuais do INSS; II) trabalham por conta própria, sem relação de trabalho com empresa; III) não recebem distribuição de lucros, mas auferem remuneração oriunda dos emolumentos. Logo, preenchem todos os requisitos do art. 21, § 2º, I, d lei 8.212/91, de modo que, no entendimento dos Autores deste informativo, estão aptos ao recolhimento de INSS no Plano Simplificado.
 
Por sua vez, admitido como possível o enquadramento de notários e registradores como contribuintes individuais optantes do Plano Simplificado, é importante a adoção de cautelas que garantam o total descolamento da pessoa física do delegatário da serventia extrajudicial. Isso porque, apesar de juridicamente desprovidas de qualquer personalidade de direito, tais serventias podem aparecer ao fisco e aos servidores do INSS como ente autônomo a depender de certas práticas equivocadas por parte do cartorário. Portanto, entende-se crucial que 1) os recolhimentos ao RGPS sejam todos feitos a partir da conta corrente pessoa física do próprio agente delegado (nunca a partir de contas relacionadas à Serventia); e que 2) não se adquira bens e serviços vinculados ao CNPJ do Cartório. Tudo isso contribui para que o poder público não atue no sentido de indevidamente equiparar o exercício da atividade extrajudicial com a mera prática de atos empresariais, o que não se sustenta em razão do regime jurídico especial aplicável aos agentes delegados.
 
Por derradeiro, apesar de se entender tal tese como juridicamente respaldada, é preciso alertar para o fato de que ainda não há um posicionamento consolidado por parte da Receita Federal, do INSS ou da jurisprudência no que concerne a essa temática. Em outras palavras, nada impede que futuramente o Poder Público firme o equivocado entendimento de que o Plano Simplificado não se aplica aos agentes delegados, mas apenas a uma parcela mais restrita de contribuintes individuais.
 
Porém, em não havendo entendimento expresso contrário ao enquadramento de notários e registradores, e dadas as suas peculiares características, não há qualquer motivo legal para obstar a liberdade de escolha do segurado e o recolhimento da contribuição previdenciária na forma do art. 21, § 2º, I, d lei 8.212/91.