Nossa colunista aborda a necessidade de valorizarmos os cuidados paliativos e de fazermos o chamado testamento vital
 
“O que você quer ser quando crescer?” A maioria de nós já ouviu esse questionamento na infância. Na nossa cultura, somos preparados para o amanhã, para enfrentar as adversidades do dia a dia e sobreviver, mesmo que a qualquer custo. Pouco ou nunca pensamos sobre a terminalidade da vida. É até estranho, visto que “a única certeza que temos é a da morte”.
 
Falar sobre a perspectiva da finitude, sobretudo no Brasil, ainda é um tabu. Mas é preciso abordar a questão. Assim como o luto deve ser vivido, a preparação dele também. Se tudo tem começo, meio e fim, por que tememos tanto em refletir sobre nossa morte?
 
Morrer… esse talvez esteja sendo o maior assunto que tem povoado a mente de todos nós. Jamais a nossa vida e a daqueles que amamos esteve tanto em risco quanto agora, com a Covid-19. Falar ou pensar sobre a morte virou parte da rotina.
 
Questionamentos sobre a finitude passaram a rondar a mente de muitos. “Como seria se eu partisse?”, “Sentiriam minha falta?”, “Sentirei dor?”, “Desejo ser reanimado em caso de emergência?”. Entre os mais jovens, isso pode ser uma novidade, mas, para aqueles com idade avançada ou com doenças crônicas e terminais, isso é até comum. Essas são as pessoas que frequentemente recorrem aos chamados cuidados paliativos.
 
Mas o que é paliar? O cuidado paliativo é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pessoas que estejam enfrentando doenças graves ou incuráveis, com risco de vida, ou em fase terminal. Ele consiste em prevenir e aliviar a dor e outros problemas físicos, psicossociais e espirituais, bem como auxiliar aos familiares a lidar com a situação.
 
A paliação não pretende adiar ou acelerar determinada circunstância, mas promover a dignidade. Sua essência é afirmar a vida e considerar a morte um processo natural.
 
Nesse processo de terminalidade da vida, é importante que o médico e a família ou amigos tenham conhecimento de como a pessoa quer morrer. Para tanto, é possível preparar as diretivas antecipadas de vontade, também chamadas de testamento vital.
 
De acordo com a Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), trata-se de um documento que prevê o direito de o indivíduo decidir previamente a quais cuidados quer ser submetido no final de sua vida, quando estiver incapacitado de expressar livre e autonomamente suas vontades. É um jeito de fazer prevalecer a qualidade de vida do paciente, por meio do manejo da dor e outras ações, evitando que manobras terapêuticas extremas só prolonguem o sofrimento desnecessariamente, caso se trate de um quadro considerado irreversível.
 
É importante esclarecer que o testamento vital não apresenta relação com a eutanásia (morte provocada, reconhecida como crime pelo Brasil). Seu vínculo é com a ortotanásia (que é a morte natural, supostamente sem sofrimento), sendo essa validada pelo CFM por meio da Resolução 1.805/2016.
 
Essa medida autoriza o médico a limitar ou suspender tratamentos que prolonguem a vida do doente, desde que haja a paliação — ou seja, a manutenção dos cuidados para o alívio dos sintomas por meio de assistência integrativa, de forma a promover conforto físico, psíquico, social e espiritual. Em certas situações, o paciente inclusive recebe alta e volta para a casa, onde passará seus últimos dias de vida.
 
Uma vez manifestado, o testamento vital pode ser modificado, desde que o paciente esteja lúcido. Para isso, basta que as alterações sejam comunicadas ao médico ou, ainda, que o registro realizado em cartório seja alterado. Vale ressaltar que o documento garante a vontade do paciente desde que dentro dos preceitos estabelecidos no Código de Ética Médica, e se sobrepõe a vontade de familiares ou outro responsável.
 
Se você ainda não tinha ouvido falar sobre isso, vale conversar com seu médico e se informar. Cada indivíduo, independentemente da fase da sua vida, pode manifestar o que espera/deseja de sua morte. O testamento vital — ainda pouco conhecido pela população brasileira — deve ser respeitado, desde que seja constatado que realmente nada mais há a fazer para reverter um quadro clínico.
 
Pensar sobre morrer, ainda mais nos dias de hoje, é tão importante quanto nossa preocupação sobre como queremos viver! Alcançar a finitude com dignidade é um direito de cada um.