Aumento no número de mortes no país, causadas pela pandemia do novo coronavírus, tem levado famílias a planejarem o legado dos bens para as futuras gerações. Registros em cartórios aumentaram mais de 130% ao longo do ano passado
 
A pandemia do novo coronavírus fez o brasileiro acordar para a necessidade de deixar de lado o preconceito com o planejamento sucessório. Diante das mortes precoces pela covid-19, houve uma profunda alteração na cultura de que é mau agouro deixar pronto um testamento, segundo advogados que militam com o direito de família e nas varas de órfãos e sucessões.
 
O avanço da covid-19 no país — que nas últimas 24 horas fez mais 1.692 mortes, totalizando 469.388 óbtios, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) — fez o número de testamentos disparar no Brasil. Os registros em cartórios aumentaram mais de 130% ao longo de 2020. A lei brasileira tem várias especificidades, mas, no geral, 50% do patrimônio do falecido vão para ascendentes, descendentes e cônjuges — os herdeiros necessários. Mas há casos em que, se não for feito um testamento, outros parentes, mesmo aqueles que há anos não têm qualquer relação com a pessoa que morreu, podem reivindicar a herança e até mesmo ganhar a causa. Isso ocorre, por exemplo, com primos que pretendem levar parte daquilo que deixou um tio, sem que tenham sido contemplados no testamento.
 
“Eles não têm qualquer direito certo à herança, mas, caso não haja qualquer indicação de vontade, podem acabar se beneficiando. Por isso, se há alguém a quem se quer deixar uma propriedade, é fundamental que isso esteja declarado”, destacou Hugo Cysneiros, advogado especialista em direito empresarial.
 
A administradora de empresas Joana de Bezerra Moura, 44 anos, tem dois filhos de oito anos, os gêmeos Rafael e Sofia, e é divorciada. Ela decidiu registrar o testamento em cartório para evitar problemas no futuro. “Procurei um advogado e o procedimento foi rápido. Foi importante saber que temos 50% disponível, além do obrigatório para a família, e que é possível dar orientações até mesmo sobre quem vai cuidar de nós na velhice, por exemplo. Não concordo com essa superstição de que, quando se fala em testamento, se está atraindo a morte”, assinalou.
 
O cartório, também, agilizou o processo. “Me fizeram perguntas importantes para que ficasse demonstrado que eu estava fazendo o testamento pela própria vontade e não estava sendo coagida”, explicou.

Ela disse, ainda, que aproveitou a oportunidade para deixar uma mensagem didática aos filhos, além de indicar a irmã para tomar decisões quando ela “faltar”. Como Rafael e Sofia ainda são pequenos, Joana diz que a intenção é que, ao longo do tempo, sejam feitos ajustes no documento.