De acordo com o artigo 653 do Código Civil, a procuração é a instrumentalização do mandato, ou seja, da outorga de um poder, pelo mandante, ao mandatário. O dispositivo, entretanto, é infeliz ao afirmar que “a procuração é o instrumento do mandato”, dando a entender que a procuração é a materialização do mandato.
 
A procuração, na verdade, é um negócio jurídico unilateral, caracterizado simplesmente pela outorga de poderes; o mandato é contrato (negócio jurídico bilateral), e deve regrar direitos e obrigações entre mandante e mandatário, inclusive com muito sigilo, já que os terceiros, muitas vezes, não devem saber a confidencialidade que envolve mandante e mandatário.
 
É inegável, por outro lado, a existência de relação entre ambos os institutos, até porque a outorga de procuração pode ser anterior ou posterior ao contrato de mandato. O ideal é estabelecer, em primeiro lugar, o contrato de mandato e, logo após, a procuração como o ato unilateral que instrumentaliza o contrato inicial subjacente, que é o mandato.
 
Figura que merece especial atenção é a da Procuração em Causa Própria. Trata-se, pois, de um poder de representação, pelo qual o outorgado exercia o ato em benefício dele mesmo.
 
No Brasil, o mandato em causa própria, ou in rem propriam, é o negócio jurídico principal, com o condão de transmitir ao mandatário direitos sobre a coisa objeto do mandato. O procurador atua de acordo com o seu próprio interesse, de modo que não se confunde com a representação própria e geral do ordenamento jurídico.
 
Esse tipo de negócio tem natureza jurídica de representação na forma e, simultaneamente, alienação na essência. Logo, produz mais que efeitos de gestão de interesse alheio, uma vez que opera efeitos translativos de direitos.
 
A procuração, neste caso, tem caráter anômalo, uma vez que traduz verdadeiro negócio jurídico dispositivo, com efeito translativo de direitos, dispensando prestação de contas. Ademais, a cláusula “em causa própria” não admite dedução, devendo constar expressamente no negócio. Tem caráter irrevogável, irretratável, não se sujeita à prestação de contas e confere poderes gerais, no exclusivo interesse do outorgado (art. 658, CC).
 
Neste caso em específico, o próprio instrumento da procuração constitui título hábil para transferência em favor do próprio procurador dos bens móveis ou imóveis objeto do mandato, inclusive para o registro imobiliário, desde que obedecidas as formalidades legais. Dispensa, por conseguinte, a lavratura do instrumento definitivo de transmissão da propriedade, como a escritura pública de compra e venda.
 
Sendo assim, sujeita-se aos mesmos requisitos do negócio jurídico a que se reporta a procuração (por ex., a regra do art. 108 do CC). Inclusive, em alguns estados exige-se para a lavratura da procuração em causa própria o recolhimento do ITBI (ex: art. 254 da CN do RJ).
 
Em contrapartida, não existe consenso quanto ao ingresso da procuração em causa própria no fólio real. Uma corrente mais tradicional rechaça essa hipótese, tendo em vista a ausência de previsão legal, além da impossibilidade de enquadramento no rol de títulos hábeis do art. 221 da LRP. Para esta corrente, a referida procuração não exime as partes de lavrar o instrumento público principal.
 
Para outra corrente, como a procuração em causa própria veicula o próprio negócio jurídico principal, dispensa a lavratura deste. Considera-se, assim, título hábil para a transmissão dos direitos reais, podendo legitimamente ingressar no fólio real. Logo, apesar de não constar no rol do art. 167 nem do art. 221 da LRP, estaria contemplada no art. 172, por ser ato translativo de direitos reais.
 
A jurisprudência antiga do STF tendia para a segunda tese:
 

“PROCURAÇÃO EM CAUSA PROPRIA. QUANDO CONSTANTE DE INSTRUMENTO PÚBLICO, EQUIVALENTE A ESCRITURA DE COMPRA E VENDA, MAS SOMENTE TRANSFERE A PROPRIEDADE IMOBILIARIA QUANDO TRANSCRITA NO REGISTRO PRÓPRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 71816, rel. Oswaldo Trigueiro, Primeira Turma, j. 11-5-1971)”.

 
Porém, o STJ recentemente adotou outra posição (Informativo 0695/2021), fixando a tese de que “A procuração em causa própria (in rem suam) não é título translativo de propriedade.”
 

“(…) De fato, se a procuração in rem suam operasse, ela própria, transferência de direitos reais ou pessoais, estar-se-ia abreviando institutos jurídicos e burlando regras jurídicas há muito consagradas e profundamente imbricadas no sistema jurídico nacional. Em síntese, à procuração em causa própria não pode ser atribuída a função de substituir, a um só tempo, os negócios jurídicos obrigacionais (p.ex. contrato de compra e venda, doação) e dispositivos (p.ex. acordo de transmissão) indispensáveis, em regra, à transmissão dos direitos subjetivos patrimoniais, notadamente do direito de propriedade. É imperioso observar, portanto, que a procuração em causa própria, por si só, não produz cessão ou transmissão de direito pessoal ou de direito real, sendo tais afirmações frutos de equivocado romanismo que se deve evitar. De fato, como cediço, também naquele sistema jurídico, por meio da procuração in rem suam não havia verdadeira transferência de direitos (…)”. (REsp 1.345.170-RS, j. 4-5-2021)

 
Outra discussão existente nessa seara é com relação à procuração com poderes especiais e a necessidade de identificação do objeto de “poderes especiais” no caso de compra e venda de imóvel.
 
A necessidade de se identificar o objeto na definição de “poderes especiais” foi contemplada no Enunciado nº 183 do Conselho da Justiça Federal, in verbis: “Para os casos em que o parágrafo primeiro do art. 661 exige poderes especiais, a procuração deve conter a identificação do objeto”.
 
Na sequência, o STJ, no Informativo nº 660, definiu: “A procuração que estabelece poderes para alienar “quaisquer imóveis localizados em todo o território nacional” não atende aos requisitos do art. 661, § 1º, do CC/2002, que exige poderes especiais e expressos para tal desiderato.” (REsp 1.814.643-SP, rel. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 22-10-2019). Destaca-se, do julgado, a seguinte justificativa: “Dos termos do art. 661 do CC/2002, depreende-se que o mandato em termos gerais só confere poderes para administração de bens do mandatário. Destarte, para que sejam outorgados poderes hábeis a implicar na disposição, alienação ou agravação do patrimônio do mandante, exige-se a confecção de instrumento de procuração com poderes expressos e especiais para tanto”.
 
Por outro lado, no Estado de São Paulo, o CSM, de forma pacífica, exige que a procuração para a compra e a venda de imóveis siga a regra do art. 661, § 1º, do Código Civil: Os poderes especiais se dão no caso da alienação do imóvel, do objeto, das partes e do preço, enquanto os poderes expressos incidem na forma de pagamento e de transferência do bem (o modo como será feita esta transferência).
 
Os termos “alienar” e “onerar” são aqui entendidos em sentido amplo, englobando também os poderes para vender, doar, hipotecar, dar em alienação fiduciária, permutar, dar em pagamento, em cessão, dentre outros.
 
Atualmente, as NSCGJ/SP ressalvam um entendimento mais brando, utilizando o sentido amplo dos termos: “Entende-se por poderes especiais na procuração para os fins do art. 661, §1º, do Código Civil, a expressão “todos e quaisquer bens imóveis” ou expressão similar, sendo desnecessária a especificação do bem.” (Item 131.1, Cap. XVI, Tomo II, NSCGJ/SP).
 
A partir das análises realizadas, é possível perceber que o STJ vem seguindo uma corrente mais tradicional para a operabilidade da procuração, entendo que, no caso da procuração em causa própria, o instrumento, por si só, não é apto ao ingresso no fólio real e, com relação à procuração com poderes especiais para compra e venda, é necessária uma descrição minuciosa dos poderes e do bem objeto do contrato.
 
Por outro lado, o STF e o Tribunal de Justiça de São Paulo optaram por posicionamentos mais flexíveis, visando facilitar a operacionalização dos contratos no sistema jurídico, entendendo, respectivamente, que a procuração em causa própria é título translativo da propriedade e que, para a procuração com poderes especiais para compra e venda, a expressão “todos e quaisquer bens imóveis” ou expressão similar é suficiente, sendo desnecessária a especificação do bem.