Por mais penoso que possa ser decidir sobre a forma como queremos ser cuidados lá na frente, o fato é que será necessária uma dose de disposição para tratar do assunto
 
Ontem participei de uma live sobre um tema que sou apaixonada: longevidade. Cada vez que tenho a chance de debatê-lo, mais me interesso por ele. Dividi o cenário com uma pessoa que me tornei fã, o Dr. Daniel Azevedo, que é geriatra e presidente da Sociedade de Geriatria e Gerontologia do Rio de Janeiro. Já tive a oportunidade de estar ao seu lado em outras ocasiões e em cada uma delas me banho de inspiração para continuar seguindo como entusiasta do tema. É a união da gerontologia e das finanças. Dois ingredientes que devem andar juntos quando se fala em prosperidade.
 
O assunto é interessante por ser complexo, desafiador e por me levar sempre a uma reflexão diferente. Dessa vez o bom papo começou logo na reunião de alinhamento da live. São nesses bastidores que, muitas vezes, o pensamento flui e as ideias emergem. Foi ali que mais um tabu foi trazido a mesa: as diretivas antecipadas de vontade, e isso é o que trago para a coluna de hoje.
 
Diferente do testamento convencional, que tem como objetivo estabelecer como se dará a partilha e destino de bens patrimoniais, a diretiva antecipada de vontade (DAV) é composta por dois elementos: um documento que contém “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”; e “a designação de um representante para tal fim…”.
 
Falar das vontades futuras no presente já seria um tabu por si só se estivéssemos falando apenas das questões objetivas de patrimônio, cobertas por um testamento convencional. Discussões sobre como se dará a partilha, para quem irão os bens, quanto será destinado a cada herdeiro, como as propriedades serão mantidas, a sucessão e controle dos negócios da família, são frentes que um testamento pode cobrir. Por mais difíceis que sejam tais discussões elas são mais frequentes e o testamento é o veículo mais adequado para esse fim, pois disciplina os desejos daqueles que não estarão mais por perto. Dizem inclusive, que o testamento é algo que os mortos deixam para os vivos se matarem.
 
Já quando se fala em DAV a coisa complica um tanto mais, pois ela trata de questões profundas, sobre a forma como queremos ser cuidados lá na frente, sobre o que se quer e o que não se quer. Podemos decidir, por exemplo, por prolongar a vida a partir de um novo tratamento experimental ou abreviar o sofrimento não admitindo ser acoplado a equipamentos que venham nos dar sobrevida. Ou seja, são questões pessoais duras de se encarar no presente, mas que precisam ser discutidas com o apoio da família que em última instância fará valer a vontade em um momento da vida que possivelmente o declínio cognitivo ou algum quadro de demência esteja instalado, impossibilitando nossa capacidade de decidir por nós.
 
Quando colocamos os dois ingredientes juntos, patrimônio e vida, a coisa toma uma proporção muito maior, pois tanto emocional quanto o financeiro são muito difíceis de encarar. Porém, por mais penoso que possa ser decidir sobre a adoção de instrumentos como esses, o fato é que será necessária uma dose de disposição para tratar do assunto, como o próprio nome sugere, de maneira antecipada. Esse é um caminho que pode minimizar os conflitos, mas não necessariamente evitá-los. Será preciso explicitar nossas angústias, medos, inseguranças para a família, para que ela possa acolher e valer nossas vontades.
 
Talvez seja por toda essa complexidade – de razão e emoção – que eu me sinta tão atraída pelo assunto longevidade. Ele me permite aprender, refletir, me despir de preconceitos, vencer medos, me emocionar e a racionalizar o que é relevante não apenas no hoje, mas em um futuro que está logo ali esperando por mim e por todos nós.