Promulgada há quase 20 anos, lei definiu instrumentos para um planejamento urbano com propósito social
 
No dia 10 de julho de 2001, há quase 20 anos, o Diário Oficial da União publicava a lei federal 10.257, denominada Estatuto da Cidade, promulgando o que viria a se tornar hoje uma das legislações urbanas mais importantes do mundo, espinha dorsal da política urbana brasileira.
 
O trâmite e a aprovação pelo Congresso Nacional constituíram o ápice de anos de luta por cidades mais justas. A lei regulamenta, detalha e sustenta o capítulo urbano da Constituição de 1988, marco da garantia do direito à cidade em nosso país.
 
É importante compreender o real impacto dessa lei para as cidades no mundo, já que diversos países estabeleceram marcos e instrumentos inspirados nos seus preceitos.
 
O principal avanço consiste em definir instrumentos específicos para um planejamento urbano com propósito social, calcado na gestão democrática da cidade: outorga onerosa do direito de construir, IPTU progressivo, zonas especiais de interesse social e usucapião coletivo, entre outros.
 
Esses instrumentos viabilizam, na prática, o reconhecimento da função social da terra, da propriedade e da cidade. Em 2016, 15 anos após a sua aprovação, algumas dessas inovações foram finalmente incorporadas à agenda internacional por meio da Nova Agenda Urbana (NAU), documento-chave da Conferência Habitat III, que representa uma nova forma de planejar e gerir as cidades.
 
A legislação brasileira é vanguarda e fonte de inspiração até hoje e seria ainda mais se tivesse sido implementada na sua integralidade, de maneira mais robusta no conjunto de municípios do país.
 
Nesses 20 anos, pudemos observar o avanço paulatino do reconhecimento dos direitos da população residente em favelas e assentamentos informais, primordialmente a segurança contra remoções forçadas, que ainda persistem de forma significativa em outras regiões do sul global, onde a ocupação informal é sinônimo de ilegalidade.
 
Mas fomos além disso, pois uma diversidade de programas de urbanização de favelas resultou no aumento significativo da provisão de serviços públicos para mais de 2 milhões de domicílios, com projetos de requalificação e integração urbanas, ações que não seriam possíveis sem a base jurídica e legal do Estatuto da Cidade. No entanto, a realidade urbana brasileira nos demanda ir muito além disso.
 
Apesar de grandes avanços, como a outorga onerosa e a emissão de certificados de potencial adicional de construção (Cepac), uma questão que precisa ser mais explorada é a efetiva captura e redistribuição da mais valia urbana de maneira mais incisiva para viabilizar programas permanentes de combate à pobreza e à desigualdade, ainda predominantes em nossas cidades.
 
É também fundamental integrar melhor outras políticas setoriais na política urbana. Por exemplo, planos de mobilidade, de gestão integrada de resíduos sólidos, de habitação, de saneamento ambiental –que deveriam ser complementares e geralmente não são. O que revela que a efetivação e integração de direitos socioterritoriais demandam uma gestão urbana estruturada, mais além do plano diretor.
 
A emergência climática e outros marcadores de desigualdades sociais que se interseccionam com a dimensão territorial – por exemplo, o tema da equidade de gênero- demandam que o estatuto seja aplicado com real participação popular, em consonância com outros instrumentos de efetivação de direitos.
 
Para destacar sua atual importância, mas sobretudo para discutir o seu futuro, a Agência de Cooperação Alemã – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), o Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento São Paulo (IAB-SP), o Cities Alliance, a Universidade Nove de Julho (Uninove) e outras instituições organizam um evento-manifesto nestas quarta (7) e quinta (8), com seminário, carta aberta e uma plataforma digital com experiências de aplicação da legislação.