Nada como o “Direito encontrado na rua.” Tornar concreto aquilo que ensinamos como abstrato na faculdade. E tal qual alguns dos últimos artigos aqui postados, o tema de hoje vem da dúvida de uma cliente que me procurou essa semana no escritório para perguntar:
 
“- Doutor… fui traída! Tenho como provar! Mas não quero o divórcio! Quero que encontre um jeito para anular meu casamento!”
 
Olha que sou um cara bem criativo, porém o Direito é uma ciência (por mais que as interpretações antagônicas do Judiciário me deixem em certos casos com verdadeira “insegurança jurídica”) e sendo assim não há como buscar uma causa de nulidade ou anulabilidade que não esteja prevista na Lei.
 
Antes de explicar porque a cliente não saiu satisfeita da consulta, cabe explicitar as diferenças entre divórcio, casamento nulo e casamento anulável.
 
Dica de ouro para acadêmicos e concurseiros em provas abertas: é impossível traçar diferenças entre institutos que não tenham nenhum aspecto de semelhança!
 
Hein?!!!
 
É isso mesmo! Sempre que um professor cobra a diferença entre institutos ou fenômenos jurídicos, algum elemento em comum eles tem!
 
Assim, divórcio e anulação de casamento põe fim na vida conjugal! Esta é a maior semelhança! A diferença, no entanto, parte do estado civil: no divórcio, as partes se tornam divorciadas (óbvio, né?), porém com a anulação do casamento, as pessoas retornam ao estado civil de solteiro.
 
Casamento nulo não pode ser confundido com casamento anulável.
 
A nulidade sempre é vício ou defeito mais grave, que pode ser levantado por qualquer interessado, a qualquer tempo (não há prescrição) e é insanável (o ato não pode ser corrigido ou convalidado).
 
A anulabilidade é vício ou defeito que diz respeito às partes! Só os envolvidos diretamente podem buscar a invalidade do casamento anulável. Há prazos decadenciais para derrubar o matrimônio viciado. E, é sanável, ou seja, há como corrigir ou convalidar o ato, muitas vezes com o próprio decurso de tempo.
 
O Art. 1.548 do Código Civil prevê duas hipóteses básicas de nulidade do casamento: infringência de impedimento (p.ex: casar com pessoa que já é casada) e um dos nubentes ser enfermo mental sem discernimento necessário para os atos da vida civil.
 
As causas de anulabilidade são prevista no Art. 1.550 do CC, e podem partir de situações tais como: idade núbia mínima; maior de 16 anos e menor de 18 anos, não emancipada, que casa sem autorização dos pais; porém na maior parte das demandas forenses, o campeão para anulação tem como causa o erro essencial.
 
Não saber com quem você está casando, não pode ser interpretado de forma radical! Muitas vezes, só anos de convivência permitem descobrir quem é outro nubente de verdade! E ainda há aqueles que dizem que você só conhecerá de fato seu cônjuge no seu divórcio! (Eita…)
 
O erro essencial é, por exemplo, casar com um estuprador (crime violento) desconhecendo este passado sombrio da pessoa amada. Se você soubesse desse fato, mudaria sua decisão? Você não teria se casado? Esta é a tônica da anulação do casamento por erro!
 
Outro exemplo seria se casar com pessoa doente, um enfermo mental, cuja doença você desconhecia e cujo diagnóstico não tem previsão de cura. Neste caso, as perguntas do parágrafo anterior são igualmente pertinentes aqui.
 
No divórcio, a partilha de bens ocorre conforme acordo ou regime de bens adotados no matrimônio. No casamento nulo, as partes voltam ao estado anterior e isso interfere no patrimônio a ser partilhado, porém de forma que ser totalmente diferente ao regime de bens adotados, afinal, o matrimônio nulo jamais deveria produzir efeitos jurídicos (o que em nada interfere no direito da prole!)
 
Por fim, no casamento anulável, o regime de bens é válido e produz seus efeitos até a data da sentença.
 
Contudo, a anulação de casamento tem prazo decadencial, conforme Art. 1.555 a 1.560 do Código Civil (sendo o prazo de três anos para as hipóteses de erro essencial, a título de informação).
 
E a infidelidade? O adultério? Falou, falou… e não respondeu a questão!
 
Primeiro era necessário deixar bem claro que para nulidade ou anulação de casamento é preciso observar o rito e as hipóteses legais. E como exposto, a traição não torna o casamento nulo ou anulável.
 
A infidelidade é descumprimento do primeiro dever conjugal do matrimônio. Porém, as partes podem se perdoar. Não torna o casamento inválido. E se não houver o perdão? Bom, ninguém é obrigado a ficar casado com outra pessoa, não importa o motivo! Então, via de regra, o adultério pode ser o motivo pelo qual um cônjuge quer o fim da vida conjugal, porém não é causa de invalidar o matrimônio.
 
E cabe dano moral pela infidelidade conjugal?
 
Até cabe, porém em situações extremas!
 
A dificuldade em provar de forma robusta o adultério é a maior dificuldade em obter êxito para obtenção de indenização na via judicial. E não obstante o terrível ônus e licitude dos meios pela qual a prova foi produzida (entendam aqui, que um “hacker” invade a privacidade, que também é direito da personalidade!), não basta provar a traição é necessário ser exposto a uma extraordinária, pública e notória humilhação, ou situação semelhante.
 
Os casos mais emblemáticos no Brasil envolvem um marido que criou o filho do amante (a esposa adultera foi obrigada a pagar R$ 200.000,00 a título de indenização). O outro caso, foi de uma esposa contaminada por HIV pela infidelidade conjugal do parceiro.
 
Para quem tiver interesse no assunto, recomendo a leitura do Informativo nº 522 do STJ que dá uma verdadeira aula sobre o dever conjugal da fidelidade, bem como a responsabilidade civil do cônjuge adultero e ainda a impossibilidade de demandar danos morais contra o “Ricardão.” E não há dever de indenizar em desfavor dos amantes, por que não há o dever jurídico de fidelidade desses terceiros para com o chamado cônjuge inocente!