1. Introdução 
 
A consignação extrajudicial em pagamento é apta ou não ao cancelamento do protesto?
 
Este breve artigo trata dessa pequena questão.
 
Antes, porém, trataremos dos aspectos gerais sobre o cancelamento do protesto.
 
2. Regra geral para o cancelamento 
 
Após a realização do protesto, este só poderá ser afastado por meio de um ato designado de cancelamento, o qual será objeto de averbação (art. 26, LP).
 
O maior interessado é o devedor; por isso, o STJ entende que, salvo inequívoco pacto em contrário, é ônus do devedor pedir o cancelamento do protesto mesmo após ter feito o pagamento da dívida diretamente ao credor (STJ, REsp 1339436/SP, 2ª Seção, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 24/09/2014; REsp 1.015.152/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 30/10/2012).
 
O cancelamento do protesto deve ser solicitado diretamente ao tabelião por qualquer interessado, que geralmente é o próprio devedor (art. 26, LP).
 
Para obter o cancelamento, o requerente precisa comprovar a extinção ou a inexigibilidade da obrigação, seja por conta do pagamento, seja em razão de alguma autorização do credor por outro motivo (como uma renegociação da dívida), seja pela prescrição. A rigor, isso só pode ser feito por um dos seguintes documentos indicados no art. 26, caput e § 1º, da LP e no art. 6º do Provimento nº 87/2019-CN/CNJ: 
 
a) o título protestado ou carta de anuência do credor com firma reconhecida;
 
b) uma decisão judicial favorável; e
 
c) algum outro documento que comprove a extinção da obrigação.
 
Antecipe-se que, com base no § 3º do art. 26 da LP, é comum ser afirmado que o cancelamento só pode ocorrer pelas duas primeiras hipóteses, mas não nos parece adequada essa interpretação, conforme exporemos mais abaixo. 
 
3. Cancelamento por autorização do credor: o pagamento 
 
O protesto tem de ser cancelado quando há o pagamento da dívida. Esse pagamento tem de ser feito pelo devedor diretamente perante o credor.
 
Os cartórios de protestos não possuem autorização para receber diretamente o pagamento da dívida depois de lavrado o protesto (arts. 19 e 26, LP). Essa é a regra geral, que pode ser ressalvada se houver algum convênio específico em sentido contrário ou alguma norma local em sentido diverso.
 
Se o credor se recusar a receber o pagamento, cabe ao devedor buscar uma decisão judicial de cancelamento do protesto, depositando o valor em juízo ou, se for o caso, demonstrando outro motivo que torne o protesto indevido. Nesse caso, o cancelamento do protesto ocorrerá em razão de uma decisão judicial.
 
No caso de o pagamento ter sido feito ao credor extrajudicialmente, o devedor precisa comprovar esse fato perante o tabelião para pleitear o cancelamento. A rigor, a prova desse fato dá-se por uma das seguintes vias: 
 
a) pela apresentação do título protestado
 
b) pela carta de anuência do credor, com firma reconhecida ou por meio de plataforma eletrônica ou
 
c) por outro documento comprobatório da extinção da obrigação. 
 
Em primeiro lugar, é viável o cancelamento do protesto se o requerente apresentar o documento protestado, pois, se ele o portar, é porque ele pagou a dívida. O caput do art. 26 da LP autoriza expressamente isso. O art. 324 do CC corrobora ao estabelecer a presunção de pagamento com a entrega do título ao devedor.
 
É que, em tese, ao ser lavrado o protesto, o tabelião carimba o documento e entrega ao apresentante. Se o devedor, posteriormente, aparece no cartório com esse documento, a presunção será a de que ele pagou a dívida. O tabelião deverá guardar uma cópia desse documento.
 
Não é isso, porém, que costuma acontecer na prática. Os documentos protestados costumam ficar arquivados no próprio cartório, de modo que os devedores só conseguem o cancelamento do protesto se apresentarem a carta de anuência do credor ou uma ordem judicial. Essa é a praxe quotidiana em grande parte dos cartórios brasileiros, ao menos em relação aos títulos que ainda são apresentados em meio físico para protesto.
 
Em segundo lugar, deve-se admitir o cancelamento do registro do protesto por autorização escrita do credor (com firma reconhecida) mesmo fora das hipóteses de pagamento. Essa autorização é conhecida como “declaração de anuência” ou “carta de anuência”. O fundamento é a adequada interpretação do § 1º do art. 26 da LP, além do princípio da disponibilidade: o credor pode cobrar a dívida e pode também autorizar o cancelamento do protesto.
 
A “declaração de anuência” do credor também pode ser apresentada em meio eletrônico devidamente homologado pela Corregedoria-Geral de Justiça local (art. 5º, Provimento nº 87/2019-CN/CNJ). Geralmente esse canal eletrônico é utilizado também para outros atos praticados pelos credores perante o tabelionato, como a apresentação do título ou a sua retirada (arts. 2º, § 1º, e 4º, Provimento nº 87/2019-CN/CNJ). A rigor, todos os indivíduos poderiam valer-se desse canal eletrônico, mas, na prática, apenas empresas e entes conveniados aos cartórios costumam terem acesso.
 
Por exemplo, em Brasília, a concessionária de serviço de água (a Caesb) costumava protestar títulos após um ano de inadimplemento pelo usuário. Quando o usuário pagava a dívida perante a Caesb, ela enviava eletronicamente uma autorização ao Cartório de Notas para cancelamento do protesto. Feito isso, o usuário poderá requerer ao cartório o cancelamento do protesto, pagando os emolumentos e as despesas devidas.
 
Em terceiro lugar, há autorização genérica no art. 6º do Provimento nº 87/2019-CN/CNJ para que o cancelamento ocorra por qualquer documento que comprova a extinção da obrigação. Na prática, porém, é difícil a sua operacionalização desse dispositivo. 
 
4. Cancelamento por decisão judicial (distinção em relação à sustação dos efeitos do protesto) 
 
Há casos em que o devedor não consegue obter o título protestado ou a carta de anuência. Tal pode dar-se por inúmeros motivos. Ex.: credor desapareceu, credor se recusa a receber o pagamento ou a reconhecer que a dívida se tornou indevida ou inexigível por conta da prescrição, da compensação etc.
 
Nessas hipóteses, o caminho é ele obter uma ordem judicial de cancelamento do protesto, demonstrando que este se tornou indevido. Decisão judicial é idônea ao cancelamento do protesto.
 
É necessário o trânsito em julgado para o cancelamento do protesto. Di-lo o art. 26, §§ 3º e 4º, LP. Há de apresentar-se ao tabelião uma certidão do juízo com menção ao trânsito em julgado. Essa exigência está em sintonia com a estabilidade exigida pelos registros públicos em geral. A própria LRP faz exigência similar para condicionar o cancelamento de atos de registros por decisões judiciais não definitivas (vide art. 259 da LRP).
 
Isso, porém, não significa que os efeitos do protesto não possam ser sustados antes do trânsito em julgado. O juiz poderá deferir decisões liminares (tutelas de urgência) para determinar a suspensão dos efeitos do protesto. Trata-se de uma sustação dos efeitos do protesto. Nesse caso, o tabelião averbará essa suspensão no registro do protesto. No caso de revogação posterior da ordem judicial precária, o tabelião averbará o fato, restaurando os efeitos do protesto. A LP não é textual sobre essa situação, mas isso está implícito na legislação.
 
Portanto, do ponto de vista terminológico, cancelamento do protesto por decisão judicial distingue-se de sustação dos efeitos do protesto: aquele depende do trânsito em julgado; esta, não. 
 
5. Reforço na distinção de nomenclatura: sustação e cancelamento do protesto 
 
Para evitar confusões terminológicas, convém reforçar.
 
A sustação do protesto consiste em ordem judicial que proíbe o registro do protesto. Pode consistir em uma:
 
a) sustação liminar do protesto (fruto de tutela de urgência concedida liminarmente pelo juiz na ação de sustação do protesto) ou
 
b) sustação definitiva do protesto (fruto da sentença favorável na ação de sustação de protesto). 
 
A sustação do protesto dá-se antes de o protesto ser realizado. Seu objetivo é sustar a realização do protesto. É disso que trata o art. 17 da LP.
 
Se, porém, o protesto já foi registrado, não falar em sustação do protesto, e sim de sustação dos efeitos do protesto (se a decisão judicial for liminar) ou em cancelamento do protesto (se a decisão judicial for definitiva). A LP não trata textualmente dessa hipótese, mas esta decorre da natureza do poder jurisdicional.
 
Essa distinção terminológica não deve ser um obstáculo prático em nome do princípio da instrumentalidade das formas. Há normas de serviço nesse sentido, como a de São Paulo.
 
Caso o protesto já tenha sido registrado, o mandado judicial de sustação liminar do protesto deve ser recebido como um mandado de sustação dos efeitos do protesto. O tabelião comunique o juízo desse fato para sua ciência acerca da situação fática atual.
 
Caso o mandado seja de sustação definitiva do protesto, o caso é de recebê-lo como um mandado de cancelamento do protesto. Não há necessidade de comunicação do juízo: o que importa é a eliminação do protesto. 
 
6. Cancelamento por fatos diversos do pagamento 
 
Fatos diversos do pagamento podem ensejar o cancelamento do protesto. São vários exemplos: a prescrição, a renegociação da dívida, o reconhecimento de um erro pelo credor, a confusão etc.
 
Se o credor consentir com o cancelamento, não há necessidade de decisão judicial. Basta ele assinar uma carta de anuência na forma do § 1º do art. 26 da LP. De fato, não necessariamente essa declaração de anuência derivará do pagamento da dívida. O credor, por outros motivos, pode autorizar o cancelamento do protesto, como na hipótese de uma renegociação da dívida ou na situação de reconhecer um erro na cobrança. A declaração de anuência pode ser imotivada: não há necessidade de explicitar a razão de sua emissão. Essa é a prática adotada em várias serventias brasileiras.
 
Se, porém, não houver autorização do credor, a via adequada para o cancelamento do protesto é uma decisão judicial. 
 
7. A situação da consignação extrajudicial em pagamento 
 
Delineados os conceitos básicos, podemos enfrentar a questão central deste artigo: a consignação extrajudicial enseja ou não o cancelamento do protesto?
 
A consignação em pagamento é uma forma de pagamento indireto consistente no depósito da quantia devida na forma lei. Esse depósito costuma ser feito na via judicial, por meio de ação de consignação em pagamento. Nessa hipótese, o cancelamento do protesto será feito mediante uma decisão judicial.
 
Entretanto, o art. 539 do CPC admite uma via extrajudicial para a consignação em pagamento envolvendo dívida pecuniária. Nessa hipótese, o devedor deposita a quantia devida em um estabelecimento bancário. Este, então, providenciará a intimação do credor para, se quiser, manifestar sua recusa em 10 dias. Silente o credor, considera-se quitada a dívida.
 
Indaga-se: nessa hipótese de consignação extrajudicial do pagamento, como poderá ser feito o cancelamento do protesto?
 
O art. 26 da LP não trata dessa situação. Literalmente, esse preceito só admite o cancelamento do protesto por ordem judicial ou pelo pagamento (este comprovado pela apresentação do título protestado ou pela declaração de anuência do credor). O preceito, porém, merece uma interpretação extensiva.
 
Entendemos que, no caso de consignação extrajudicial em pagamento, a declaração do banco atestando a ausência de recusa do credor após o prazo de 10 dias da notificação é suficiente para o cancelamento do protesto. Essa declaração deve ser tida por equiparada um mandado judicial, tudo por força do art. 539, § 2º, do CPC.
 
O art. 6º do Provimento nº 87/2019-CN/CNJ confirma essa interpretação, pois ele autoriza o cancelamento do protesto por “documentos que comprovem a extinção da obrigação”.  
 
Há normas locais nesse sentido, a exemplo de SP.