Um padre que agiu na condição de sacerdote e com fins humanitários ao acolher um homem pode não ter relação de paternidade reconhecida, ainda mais quando a intenção do homem é patrimonial. A partir desse entendimento, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Rondônia negou o pedido de um homem que alegava haver relação de pai e filho entre ele e o padre que o acolheu, quando era menor de idade, com aproximadamente dez anos.
Segundo o processo, o homem ajuizou ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva e alegou que o padre tinha vontade de criá-lo como filho e assim teria agido até a sua morte. Na ação, também pediu o reconhecimento como único herdeiro do padre. O autor afirmou que a relação com o falecido padre sempre foi de pai e filho, pois este era o responsável financeiro pela criança, além de a acompanhar em sua educação.
O pedido foi indeferido em primeira instância, mas o homem recorreu. Ao analisar os autos, o desembargador Isaías Fonseca ressaltou que a filiação socioafetiva pode ser caracterizada como aquela que deriva do convívio e do afeto concebido por essa convivência — afeto que pressupõe a existência de respeito mútuo e sentimentos recíprocos, sem considerar o vínculo biológico ou civil decretado por meio da sentença judicial.
Porém, o magistrado observou que, por mais que o padre morto tenha colaborado durante boa parte da vida do homem, assim procedeu na condição de sacerdote e com fins humanitários, como o fez com outras pessoas durante sua vida. Segundo consta dos autos, as provas apontam pela existência de uma relação conflituosa e de desrespeito por parte do autor da ação, inclusive com violência contra o padre.
Além disso, as testemunhas afirmaram que, além desse homem, o padre ajudava várias pessoas, dando a todos idêntico tratamento, não significando que se tratava de intenção de tê-los como filho. “O falecido tinha um sacerdócio, era padre, acolhia várias pessoas com necessidades e buscava uma melhora de vida a todos”, afirmou Fonseca.
Para o desembargador, a intenção do homem foi exclusivamente patrimonial, pois sequer incluiu seu pai registral no polo passivo da demanda, bem como não requereu a inclusão do nome do padre e de seus genitores, na qualidade de avós paternos.
O magistrado pontuou que o padre jamais postulou a declaração de socioafetividade entre os dois. Além disso, a família do falecido não reconhecia o homem como filho do padre — mas, sim, como mais uma daquelas pessoas que ele ajudava quando em vida.
“É preciso ter redobrada cautela ao imputar-se a outrem a condição de pai socioafetivo, principalmente quando o imputado já faleceu, sendo imprescindível diferenciar as situações, extremamente comuns, em que pessoas acabam por nutrir sentimentos de afeto, zelo e cuidado, sem que, com isso, estejam dispostas a assumir a condição de pais, especialmente quando estamos diante de uma pessoa que exercia o sacerdócio de padre e que buscava o bem-estar das pessoas”, concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do TJ/RO.