Depois de dobrar em 2020, reclamações já cresceram mais 20% este ano. Financiamento de imóveis é o tema do 7º guia dos direitos do consumidor
 
A maior permanência em casa, imposta pela pandemia de Covid-19, parece ter ampliado o desejo dos brasileiros pela casa própria. Em 2020, os financiamentos imobiliários cresceram 57,5% em relação a 2019. De agosto de 2020 a julho de 2021, o montante financiado já soma R$ 185,64 bilhões, alta de 100,8% em relação aos 12 meses anteriores, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
 
As reclamações sobre o tema mais que dobraram de 2019 para 2020, saltando de 3.282 para 8.067, no Consumidor.gov.br, plataforma de intermediação de conflitos de consumo do governo federal. De janeiro a julho deste ano, já são 5.402 queixas, cerca de 20% a mais do que o registrado no mesmo período do ano passado.
 
O setor imobiliário é o tema do sétimo guia de direitos do consumidor, editado em comemoração aos 40 anos da seção “Defesa do Consumidor” e aos 30 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Entre os guias já disponíveis no site (glo.bo/3kjBY3f) estão os de planos de saúde, telecomunicações, turismo, seguros e proteção de dados.
 
No consumidor.gov.br, as principais queixas dos consumidores são contestação de cálculos de juros e saldos devedores, dúvidas sobre cobranças de taxas e tarifas e demandas não atendidas pelos SACs.
 
Segundo Laudmiro Cavalcanti, diretor do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci-RJ), o entusiasmo com a compra da casa própria, muitas vezes, faz o consumidor não ter o cuidado devido com a papelada.
 
— Isso pode fazer do sonho um pesadelo. Não se deve dar nenhum sinal sem antes se certificar de que a papelada está toda correta, não importa que o contrato preveja devolução — alerta.
 
Com mais de 40 anos de experiência em direito imobiliário, o advogado Hamilton Quirino ressalta que além da papelada, seja para comprar ou alugar, é importante uma verificação cuidadosa do imóvel:
 
— O ideal é uma vistoria com arquiteto ou engenheiro, mas se for um custo alto, um faz-tudo pode ser de grande valia. Problemas de infiltração, parte elétrica, tudo deve ser verificado, sob pena de haver um gasto inesperado, depois do contrato firmado.
 
Quando se fala de aluguel, a troca do índice de reajuste do contrato de IGP-M, que acumula 31,12% em 12 meses até agosto, para IPCA, que está em 9,68% no mesmo período, é questão mais recorrente.
 
 
— De fato, o IPCA reflete melhor a realidade do mercado de locação hoje. As negociações têm sido feitas, e é possível a troca do índice mesmo ainda na vigência do contrato, desde que haja acordo entre as partes — diz Roberto Biegler, diretor adjunto jurídico da Abadi, entidade que acaba de lançar cartilha sobre o tema.
 
Confira as recomendações de especialistas para não ter problemas em compra, venda ou aluguel de imóvel.
 
Anúncios pela internet
 
Pesquisar imóveis na internet pode ser valioso para poupar tempo e ampliar o arsenal de busca. No entanto, não deve se fechar nenhum contrato antes de visitar o imóvel. As fotos podem não mostrar pontos críticos da unidade.
 
Profissional habilitado
 
Confira se o corretor que negocia a venda ou aluguel do imóvel é credenciado ao Creci. Mesmo em anúncios de portais imobiliários, é indispensável verificar o registro da pessoa ou da empresa com quem você está negociando. No site do Creci-SP (https://www.crecisp.gov.br/) é possível fazer essa pesquisa através da seção de Busca de Corretores e Imobiliárias.
 
Representante legal. Antes de fechar o contrato, seja de compra ou locação, verifique se quem negocia o imóvel é de fato seu proprietário ou se tem procuração legal, reconhecida para isso.
 
Compra e venda
 
Antes de dar qualquer sinal por um imóvel é fundamental verificar a documentação. O Registro Geral de Imóveis (RGI) é o ponto de partida e pode ser obtido pela internet, no e-Cartório. Basta para tanto o endereço e o número de matrícula da unidade. Com esse documento é possível saber se o imóvel é alvo de penhora, se está hipotecado, por exemplo.
 
É importante também verificar a certidão de registro na prefeitura, o que pode ser feito on-line, para saber se há débitos em relação ao IPTU. Verifique também o vendedor, se ele tem empresas, se essas têm dívidas, pois muitas vezes os bens dos sócios acabam sendo arrolados nas dívidas da companhia.
 
Negociações anteriores
 
Verifique quando o imóvel foi negociado pela última vez. Transações em intervalos muito pequenos podem ser um sinal de alerta para o uso do imóvel em operações duvidosas, como lavagem de dinheiro, e caso haja processo em curso, há risco para o novo comprador de ter o negócio inviabilizado.
 
Verifique o comprador
 
Roberto Biegler, da Abadi, recomenda que o vendedor, antes de aceitar o sinal, verifique se o comprador tem de fato condições patrimoniais para a compra do imóvel, sob pena de ficar com a unidade fora do mercado e perder outros negócios quando houver uma possibilidade grande de que o contrato não seja fechado.
 
No caso de imóvel novo, na planta, é importante fazer uma pesquisa sobre a construtora, incluindo a sua reputação, o seu patrimônio, e eventuais outras obras em andamento, ou já entregues. Também verifique se o memorial de incorporação, que descreve tudo que constará do imóvel, está registrado em cartório.
 
Vistoria
 
Além da documentação, o advogado Hamilton Quirino recomenda que o comprador faça uma inspeção no imóvel com arquiteto, engenheiro ou até um faz-tudo para avaliar problemas que podem não ser visíveis para um leigo, como parte elétrica, hidráulica e estrutural.
 
Sinal
 
Verifique no contrato se há cláusula sobre devolução do valor dado em razão de haver algum impedimento no decorrer do processo para o fechamento do negócio. Não dê nenhum adiantamento sem verificar a documentação, pois mesmo havendo previsão de devolução, algumas vezes até do valor integral e com acréscimo, em caso de problema, receber o valor de volta pode ser complicado e pode até parar na Justiça.
 
Corretagem
 
A taxa a ser paga ao corretor ou imobiliária varia, em média de 4% a 6%. E pode ser paga pelo comprador ou pelo vendedor, desde que esteja claro o pagamento no contrato. Quirino recomenda , no entanto, que esse percentual seja pago apenas ao fim da negociação. Ele explica que em caso de o contrato não ser firmado, será mais complicado reaver o sinal se for preciso acionar o vendedor e o corretor.
 
Direito de desistência
 
O entusiasmo pela compra da casa própria, às vezes, leva a assinatura de contratos no estande de venda, sem reflexão. Mas é possível aplicar o direito de desistência previsto no CDC em até sete dias. Se tiver sido dado sinal, o valor deve ser devolvido sem retenção de qualquer percentual.
 
Financiamento
 
A quem vai precisar de crédito imobiliário para compra da casa própria, a primeira orientação é pesquisar as taxas em diferentes bancos e simular o volume de crédito ao qual sua renda lhe dará direito, juros, taxas, valor das prestações e montante total a ser pago. Fique atento a validade da proposta do banco, isto porque, com o aumento da taxa básica de juros da economia (Selic), muitas instituições vêm aumentando os juros para o financiamento da casa própria.
 
Lizia Jacintho, da Amurio (Associação de Mutuários), lembra que o banco não pode obrigar a contratação de produtos, como cartão de crédito, títulos de capitalização ou seguro para o fechamento do negócio, sob pena de prática de venda casada.
 
Consórcio
 
O consórcio imobiliário pode ser opção para quem não tem pressa na aquisição de um imóvel. Com baixas prestações e quase sempre sem juros, o mutuário forma um fundo que pode ser aplicado na compra de um imóvel que venha a ser escolhido.
 
Não há escolha prévia da unidade. O importante, diz Quirino, é que o mutuário deve escolher uma instituição sólida, para reduzir o risco de cair em armadilhas de empresas inidôneas que captam grande recursos e somem do mercado.
 
Lizia, da Amurio, ressalta que os contratos de consórcio se submetem ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), sendo obrigatória informações claras sobre prazo do consórcio, forma de restituição em caso de desistência, taxa de administração, entre outras.
 
Índice de reajuste
 
O de IGP-M, que acumula 31,12% em 12 meses até agosto, é o índice de reajuste da maioria dos contratos de aluguéis. O salto do índice, no entanto, tem levado a muitos inquilinos buscar a troca do indicador pelo IPCA, que está em 9,68%. A mudança é possível e tem sido feita, inclusive, em contratos já em curso. Isso só pode ser feito, no entanto, se houver acordo entre as partes.
 
Garantia
 
Segundo Laudmiro Cavalcanti, do Creci-RJ, hoje cerca de 75% do mercado utiliza o seguro fiança, que representa cerca de 7% a 8% do valor do aluguel. As exigências sobre o fiador aumentaram e reduziu a oferta de pessoas dispostas a firmar o compromisso de garantir o aluguel de terceiros. Mas o fiador ainda é aceito.
 
Em regra, são de obrigação do proprietário do imóvel custear as benfeitorias necessárias para o uso adequado da unidade como infiltrações e problemas elétricos. O locador deve realizar esses reparos em 10 dias. Se ultrapassar o prazo, deverá abater o valor proporcional do aluguel.
 
Se não resolver em 30 dias, o locatário pode rescindir o contrato. Benfeitorias como troca da louça do banheiro, do piso por embelezamento, seriam arcadas pelo inquilino, e apenas o locador estiver de acordo com a mudança.
 
Corretagem
 
O locador costuma pagar o primeiro aluguel a quem fez a intermediação. A gestão do imóvel pode custar ao proprietário de 8% a 12% do valor do aluguel por mês.
 
Saída antes do prazo
 
A Lei do Inquilinato prevê multa pela saída antecipada do inquilino, proporcional ao tempo faltante. Mas há contratos em que é fixado um prazo a partir do qual não há punição, por exemplo, a partir do 13º mês. Pela lei, o locador não pode pedir a a saída antes do fim do contrato. Após esse prazo, a saída pode ser pedida em 30 dias.