O regime de previdência privada tem caráter facultativo e complementar ao regime geral da previdência social, que é público e compulsório, cuja administração foi delegada ao INSS
Ao término da sociedade conjugal, realiza-se a partilha de bens do casal. Na hipótese de o regime de bens aplicável ser o da comunhão parcial de bens ou o da comunhão universal, é possível que a previdência privada contratada por um dos cônjuges integre o patrimônio partilhável.
A questão, além de ser bem debatida nos Tribunais Estaduais, já foi levada até a instância superior, tendo o Superior Tribunal de Justiça fixado seu entendimento atual por meio do julgamento do Resp 1477937/MG (j. 2017), e, recentemente, do Resp 1880056/SE (j. 2021), entre outros, no sentido de que apenas a previdência privada aberta, contratada por um dos cônjuges, pode integrar o patrimônio partilhável.
O Regime de Previdência Privada tem caráter facultativo e complementar ao Regime Geral da Previdência Social, que é público e compulsório, cuja administração foi delegada ao Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.
A Previdência Privada é operada por entidades autônomas e organizadas na forma da LC 109/2001, que as classifica em entidades “abertas” (que podem ser contratadas por pessoa física); e “fechadas” (contratadas apenas para o conjunto dos empregados de uma ou mais empresa).
A Previdência Privada fechada é realizada pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar, responsáveis por administrar o fundo de pensão que compõe este tipo de previdência.
Assim, não é possível que a Previdência Privada fechada seja resgatada pela simples vontade de um participante, pois tem por princípio o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o seu sistema, o que significa afirmar que eventual resgate antecipado lesionaria os demais participantes e beneficiários, visto que a inclusão do regime de bens de cada participante como critério de cálculo tornaria insustentável o equilíbrio atuarial.
Aplica-se a Previdência Privada Fechada o artigo 1.659, VII, do Código de Processo Civil, vedando, assim, que integre o patrimônio partilhável.
Neste sentido, o STJ consolidou o entendimento de que a previdência privada fechada é fonte de renda que possui natureza personalíssima e se assemelha às pensões, uma vez que o pagamento ocorre exclusivamente nas hipóteses de aposentadoria, incapacidade ou morte de um dos participantes. Por fim, cumpre esclarecer que, sendo equipada à pensão, a Previdência Privada Fechada não está adstrita ao contrato de trabalho, não integrando, assim, o salário.
Por outro lado, a Previdência Privada Aberta pode ser operada e comercializada por seguradoras autorizadas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), bem como contratadas por pessoas física e jurídica, sendo ampla a possibilidade de negociação acerca dos valores de contribuição, e, inclusive, prevendo hipóteses de resgates antecipados. Os planos mais comuns de Previdência Privada Aberta são o Programa Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL).
À princípio, a Previdência Privada Aberta pode parecer atender à mesma finalidade que a modalidade Fechada, tendo em vista que também busca assegurar o pagamento decorrente de morte, incapacidade e aposentadoria. No entanto, a Previdência Privada Aberta não está estritamente limitada a estes eventos, podendo ser objeto de planejamentos patrimoniais diversos.
Neste sentido, recém julgado do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria da Exma. Ministra Nancy Andrighi, consignou o caráter duplo da Previdência Privada Aberta, que ora parece de fato uma previdência complementar, mas ora contrai nuances de investimento, sendo a sua comunicabilidade alvo de amplo debate jurídico:
A Exma. Ministra Nancy Andrighi consigna que a Previdência Privada Aberta terá seu caráter previdenciário evidente apenas no tempo em que o “investidor”, ou o seu beneficiário, receber a pensão sobre a qual investiu por anos como complementação do benefício previdenciário, seja por aposentadoria, incapacidade ou morte.
Do contrário, durante os aportes mensais de capital no plano de Previdência Privada Aberta, ou na periodicidade contratada, o “investidor” tem “múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas” , o que encerra natureza preponderantemente de investimento.
O prof.º Flávio Tartuce, como um grande defensor desta abordagem, defende que a Previdência Privada se equipara a uma aplicação financeira. Para o nobre doutrinador:
Verifica-se, portanto, que o caráter de investimento da Previdência Privada Aberta tem se sobressaído, de forma que a jurisprudência vem se firmando no sentido de que a Previdência Privada Aberta é comunicável no regime de comunhão parcial ou universal de bens, devendo ser partilhada em caso de dissolução da sociedade conjugal.
Um último ponto deste entendimento que vale a pena esclarecer consiste na solução que ele representa de coibir a utilização errada da previdência privada aberta, para fins de burlar o regime de bens, vez que o cônjuge imbuído de má-fé poderia ocultar o patrimônio partilhável em aplicações resgatáveis, valendo-se do benefício do artigo 1.6597, VII, do Código de Processo Civil.
Pois bem. Visto que os valores depositados por um dos cônjuges em Previdência Privada Aberta compõem o montante do patrimônio partilhável, resta delimitar a sua incidência.
A parte comunicável da Previdência Privada Aberta é consistente na soma dos depósitos realizadas na constância do casamento, ou da união estável, na forma do artigo 1.658 do Código Civil9, conforme jurisprudência representada pelo seguinte julgado:
Portanto, na hipótese de partilha decorrente de regime da comunhão parcial ou universal de bens, é possível a inclusão de plano de Previdência Privada Aberta, tendo em vista que possuem a natureza de investimento, afastando-se a aplicação do artigo 1.659 do Código Civil, sendo que os valores a partilhar serão àqueles investidos no período constante da união.