Espera-se que a decisão contribua para a evitar a sobrecarga do Poder Judiciário, considerando que não será mais necessário resolver o contrato judicialmente, bastando apenas que nele tenha sido estabelecida a cláusula resolutiva expressa
 
Alterando o entendimento jurisprudencial que prevalecia a respeito da interpretação do artigo 474 do Código Civil, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Resp 1789863 decidiu que se houver cláusula com previsão expressa de resolução contratual por falta de pagamento, resta autorizado o ajuizamento de ação possessória. Diante disso, necessária se torna a abordagem e discussão a respeito da referida cláusula, bem como a análise do recente julgado, considerando que dele decorrerá maior segurança para as partes envolvidas na celebração de contratos que possuíam essa cláusula, mas que na prática, não se prestavam à geração do efeito augurado, já que se mostrava imprescindível acionar o Poder judiciário, visando obter a declaração judicial de resolução do contrato.
 
Nesse sentido, tem-se que a cláusula resolutiva expressa possui a natureza de prover a resolução automática dos contratos imobiliários, sem a necessidade de ingressar com ação judicial para obter o direito de resolver o contrato.
 
A vantagem da determinação expressa, consiste justamente no fato de que, uma vez estabelecida, possibilita a resolução do contrato sem a manifestação judicial, ou seja, sem a necessidade de que o contrato seja submetido à apreciação do Poder Judiciário, o que enseja o seu rompimento de forma simples e célere, sem maiores dificuldades para as partes.
 
Diante desse contexto, certo que a cláusula resolutiva expressa, não permite que o seu conteúdo seja genérico, tal como, exemplificativamente, restringir-se a destacar que o incumprimento das obrigações estipuladas sujeitará as partes à resolução, sendo necessário especificar que tipo de atitude levará ao incumprimento da obrigação e, por via de consequência, à resolução do contrato.
 
Destaque-se que, a cláusula resolutiva tácita está prevista no artigo 474 do Código Civil1 e aplica-se em situações nas quais as partes não estipulam expressamente no contrato o motivo do seu rompimento, que dependerá, portanto, de intervenção judicial, quando o credor – por meio de autorização judicial – poderá obter o desfazimento do negócio.
 
Entretanto, até pouco tempo, ainda se revelava imprescindível ingressar com ação para obter a declaração judicial, mesmo restando estabelecida a cláusula de resolução expressa do contrato – conforme doutrina e jurisprudência -, isso significa que, mesmo que houvesse a inadimplência, o contrato somente seria resolvido após a decisão do juiz, podendo ser a ação cumulada com uma reintegração de posse, por exemplo, ou tão somente requerendo a resolução do contrato. Neste caso, o desfazimento do vínculo entre as partes não ocorre automaticamente, devendo haver a provocação do Poder Judiciário visando a procedência do pedido a partir da declaração judicial (MESSINEO, Doctrina General del Contrato, Buenos Aires, EJEA, t. II, p. 336).
 
Veja-se que, a jurisprudência determinava expressamente a necessidade de resolução contratual para o ingresso com a ação possessória, veja-se:
 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. VIOLAÇÃO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR INADIMPLEMENTO. CLÁUSULA RESOLUTÓRIA EXPRESSA. NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO JUDICIAL PARA A RESOLUÇÃO DO CONTRATO. PRECEDENTES.(…) 2. Diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva norteador dos contratos, na antecipação de tutelareintegratória de posse, é imprescindível prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa.3. Não se conhece da divergência jurisprudencial quando os julgados dissidentes cuidam de situações fáticas diversas. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 969.596/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 18.05.2010, DJe 27.05.2010)

 
Todavia, diante do recente posicionamento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, não resta mais dúvida sobre o fato de que se houver a pactuação de cláusula resolutiva expressa no contrato, a ocorrência de inadimplência, de per se, permite a resolução da avença. Nesse sentido, veja-se ainda que, a existência de cláusula com previsão expressa de resolução contratual por falta de pagamento autoriza o ajuizamento de ação possessória, dispensando o ajuizamento de outra ação judicial, prévia ou concomitante, com vistas a resolução do negócio de compra e venda de imóvel.2
 
Até a prolação da referida decisão, o Superior Tribunal de Justiça entendia ser imprescindível o ingresso com ação judicial tendo por escopo a resolução do contrato de compra e venda – mesmo havendo a cláusula de resolução expressa – sob o fundamento de que deveria ser observado o princípio da boa-fé objetiva.
 
Contudo, o artigo 474 do Código Civil de 2002 já preconizava o seguinte: “A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.” Ou seja, o próprio artigo já indicava a desnecessidade de interpelação judicial quando houvesse cláusula resolutiva expressa, cabendo apenas o ajuizamento da ação quando houvesse cláusula tácita. Entretanto, a dicção da norma não vinha sendo observada.
 
Assim, em detrimento dos entendimentos até então aplicados sobre a necessidade de ingresso com ação de resolução, – a despeito da existência de cláusula resolutiva expressa nos contratos -, tem-se que, finalmente, o colegiado, por maioria, concluiu que impor à parte prejudicada a obrigação de ajuizar uma ação para obter a resolução do contrato, quando este já estabelece em seu favor a garantia de cláusula resolutória expressa, seria contrário ao texto legal e um desprestígio aos princípios da autonomia da vontade e da não intervenção do Estado nas relações negociais3.
 
O ministro Marco Buzzi, relator do recurso especial, afirmou que a lei 13.097/15 – mesmo não se aplicando ao caso, por ser posterior – trouxe um novo olhar para a interpretação de controvérsias sobre contratos com cláusula resolutiva expressa.
 
Para tanto, colaciona-se a ementa do referido julgado:
 

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RURAL COM CLÁUSULA DE RESOLUÇÃO EXPRESSA – INADIMPLEMENTO DO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR QUE NÃO EFETUOU O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES AJUSTADAS – MORA COMPROVADA POR NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL E DECURSO DO PRAZO PARA A PURGAÇÃO – INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM PROCEDENTE O PEDIDO REINTEGRATÓRIO REPUTANDO DESNECESSÁRIO O PRÉVIO AJUIZAMENTO DE DEMANDA JUDICIAL PARA A RESOLUÇÃO CONTRATUAL – INSURGÊNCIA DO DEVEDOR – RECLAMO DESPROVIDO.
Controvérsia: possibilidade de manejo de ação possessória fundada em cláusula resolutiva expressa decorrente deinadimplemento de contrato de compromisso de compra e venda imobiliária, sem que tenha sido ajuizada, de modo prévio ou concomitante, demanda judicial objetivando rescindir o ajuste firmado.
I. Violação ao artigo 535 do CPC/73 inocorrente na espécie, pois a Corte local procedeu à averiguação de toda a matéria reputada necessária ao deslinde da controvérsia, apenas não adotou a mesma compreensão almejada pela parte, acerca da resolução da lide, o que não enseja omissão ou contradição no julgado.
II. A ausência de enfrentamento da matéria objeto da controvérsia pelo Tribunal de origem, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o acesso à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constitucional do
prequestionamento, atraindo o enunciado da Súmula 211/STJ, notadamente quando a parte não cuidou de alegar negativa de prestação jurisdicional no ponto, isto é, ao indicar a violação do artigo 535 do CPC/73, não suscitou a existência de omissão do acórdão recorrido na análise dos dispositivos. 
III. Inexiste óbice para a aplicação de cláusula resolutiva expressa em contratos de compromisso de compra e venda, porquanto, após notificado/interpelado o compromissário comprador inadimplente (devedor) e decorrido o prazo sem a purgação da mora, abre-se ao compromissário vendedor a faculdade de exercer o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente.
IV. Impor à parte prejudicada o ajuizamento de demanda judicial para obter a resolução do contrato quando esse estabelece em seu favor a garantia de cláusula resolutória expressa, é impingir-lhe ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge o texto da lei e a verdadeira intenção legislativa. 
V. A revisão do valor estabelecido a título de honorários nos termos do artigo 20, § 4º do CPC/73, só é permitido quando o montante fixado se mostrar ínfimo ou exorbitante, o que não se verifica no caso em exame, levando-se em conta a complexidade da causa, o trabalho realizado pelo causídico e o valor envolvido na demanda, circunstâncias segundo as quais o reexame implicaria em revolvimento do conjunto fático dos autos, providência vedada ao STJ ante o óbice contido no enunciado 7 da Súmula desta Casa.
VI. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, desprovido.

 
Por fim, considerando esse enfoque que nos parece o mais acertado, especialmente diante do inquestionável entendimento que se pode inferir do artigo 474 do Código Civil, – que, diga-se, nunca deu margem a qualquer dúvida quanto a sua aplicação -, espera-se que a decisão contribua para a evitar a sobrecarga do Poder Judiciário, considerando que não será mais necessário resolver o contrato judicialmente, bastando apenas que nele tenha sido estabelecida a cláusula resolutiva expressa – com as devidas especificações relativas ao incumprimento – para posteriormente poder ingressar com a ação possessória, caso seja necessário, conforme ocorreu no presente caso, alterando o entendimento jurisprudencial equivocado e contra legem que perdurou por décadas.