A Bela Vista é disparada uma das regiões paulistanas mais repletas de história e patrimônio arquitetônico, com diversas construções interessantíssimas algumas erguidas no Século XIX e outras nos Século XX. Algumas em péssimo estado e outras bem restauradas e preservadas.
 
E hoje vamos falar de um palacete muito emblemático tanto daquele bairro quanto da cidade, que está bastante preservado atualmente mas que por pouco não veio abaixo na metade da década de 1980: a Villa Virgínia.
 
Popularmente conhecido como “Castelinho da Brigadeiro” este espetacular palacete paulistano é um dos poucos sobreviventes inspiradas no estilo art noveau na capital paulista. Construída entre os anos de 1907 e 1911 (este último sendo o ano de sua inauguração) o imóvel é projeto do arquiteto Giuseppe Sachetti.
 
A edificação foi construída com blocos de pedra e alvenaria de tijolos com vários volumes cilíndricos que se interpenetram, sendo que um deles se conclui em uma pequena torre com cúpula similar ao estilo árabe. Originalmente a área envoltória do lote era completamente ajardinada, algo que desapareceu com o passar das décadas do Século XX. As grades do imóvel que dão para a rua seguem o mesmo estilo empregado na casa, sendo que à direita existe um pórtico de entrada destinado para pedestres com uma placa com a indicação do nome original da propriedade.
 
O imóvel foi erguido por encomenda do médico e escritor Cláudio de Souza que foi seu primeiro morador junto de sua família. Souza também tem importância em outro importante patrimônio histórico paulistano, a Vila Economizadora o qual foi um de seus proprietários originais.
 
O médico residiu no castelinho por aproximadamente duas décadas, até que optou por mudar-se e fixar residência na então capital federal, Rio de Janeiro. Por lá Cláudio de Souza viveu até o fim da sua vida.
 
Com a saída do primeiro morador o imóvel passa a ter diversos ocupantes e proprietários, inicialmente de maneira residencial e posteriormente comercial, sendo que este último uso se perpetuou a partir dos anos 1940. Nesse momento o imóvel serve principalmente para o uso como comitê político, entre eles o deputado janista Fauze Carlos.
 
Neste verdadeiro troca troca de proprietários o palacete chega às mãos do governo federal, sendo adquirido em 1975 pelo então Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) atual INSS. De acordo com o testemunho de antigos moradores da região é a partir deste período que o imóvel passa a sofrer sua maior deterioração.
 
A Villa Virgínia permanece sob poder do INPS por pouquíssimo tempo, precisamente até o ano de 1977, quando o local é vendido novamente passando para as mãos da companhia imobiliária Mofarrej Empreendimentos.
 
O QUASE FIM DO CASTELINHO:
 
Não é preciso ser um expert em memória arquitetônica para desconfiar que quando alguém ligado à área de empreendimentos imobiliários compra um bem como esse, é que provavelmente o imóvel adquirido será demolido. Isso especialmente se for nos anos 1980, uma década particularmente ruim para o patrimônio histórico paulistano com diversos casarões e palacetes sendo demolidos em locais como a Avenida Paulista, Campos Elíseos e, claro, na Avenida Brigadeiro Luis Antônio.
 
Corria o ano de 1982 quando um estudo de tombamento deste e de vários imóveis relevantes paulistanos foram propostos pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). Isso acendeu o alerta para os proprietários da Vila Virgínia que não aceitaram a hipótese de tombamento, pois pretendiam erguer um novo empreendimento no local.
 
Logo os donos trataram de tentar o quanto antes colocar o imóvel abaixo, mesmo que impedidos legalmente, através de subterfúgios bastante comuns à época, como entupir calhas, abrir janelas para a entrada de vento e chuva, quebrar partes do imóvel, destelhar, etc.
 
A primeira tentativa de demolição ocorreu em 9 de julho de 1982, quando alguns homens contratados pelos proprietários chegaram ao local munidos de marretas e outras ferramentas, alegando que iriam “fazer uma reforma” no imóvel. Eles chegaram a começar mas foram impedidos por moradores da região que ao ouvir a movimentação foram até o local e chamaram a imprensa e a polícia.
 
Dois dias depois os mesmos homens retornam ao local para novamente tentar demolir o imóvel, mas são barrados pelo vigilante de plantão que foi colocado no local pelas autoridades estaduais. Tratou-se de um raro caso de bem vencer o mal em questões de patrimônio histórico.
 
A RESTAURAÇÃO E O IMÓVEL ATUALMENTE:
 
Uma vez derrotada em sua iniciativa de colocar o imóvel abaixo não restaram muitas alternativas para a Mofarrej. Era deixar como estava e esperar o lento e inevitável desabamento ou pensar em alguma solução para a recuperar o castelinho da Brigadeiro. Felizmente decidiram pela segunda opção.
 
A ideia de restaurar o palacete surge em meados da década de 1990, momento em que seus proprietários vão atrás da planta original guardada no arquivo histórico municipal. As obras se iniciaram no final da mesma década e em 2002 foi concluída. Reportagens em jornais da época estimaram o custo em cerca de 2 milhões de reais.
 
Com a casa restaurada e pronta para qualquer utilização os donos do imóvel decidiram colocá-lo para locação, instalando uma placa com um número de telefone indicando a disponibilidade. Entretanto o alto valor do IPTU somado ao alto do valor de aluguel de um imóvel desta dimensão e ainda algumas restrições de uso devido ao tombamento deixaram o imóvel vazio por um longo período. Vez por outro o imóvel era alugado para um uso temporário ou para alguma locação de filmagem.
 
De acordo com o que apuramos o imóvel foi alugado e no local estão funcionando duas entidades distintas. A primeira é o administrativo de um teatro da região e a segunda a ong I Know My Rights – IKMR, esta por sua vez parceira do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Um ótimo uso, enfim, para este casarão mais que centenário.
 
Que bom que os proprietários ainda que tardiamente adquiriram consciência da relevância deste imóvel para a história da Cidade de São Paulo e o preservaram.
 
DADOS TÉCNICOS:
 
Avenida Brigadeiro Luis Antônio, 826 – Bela Vista
 
Ano de inauguração: 1911
Arquiteto: Giuseppe Sachetti
Primeiro proprietário: Cláudio de Souza
Proprietário atual: Mofarrej Empreendimentos
Tombamento: Resolução 12 de 19/07/84
 
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CURIOSIDADE:
 
O Colégio Notarial do Brasil (CNB/CF) resgatou recentemente a escritura pública do Castelinho da Brigadeiro. Foi precisamente uma Escritura de Compra e Venda, realizada em Cartório de Notas, com a indicação do atual dono da propriedade, o documento base para o tombamento do imóvel que o salvou da demolição.
 
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