No ano de 2015, a Lei Federal nº 13.097/15 pretendeu conferir maior segurança jurídica aos negócios imobiliários. O legislador, à época, objetivou que “doravante, não se possam opor a terceiro adquirente de boa-fé, atos jurídicos não consignados na matrícula do imóvel, mesmo para fins de evicção”.
 
A chamada concentração dos atos na matrícula, porém, não surtiu grandes efeitos e foi alvo de controvérsias. O conteúdo da lei não estava totalmente alinhado com o entendimento jurisprudencial a respeito da caracterização da boa-fé do adquirente do imóvel, para fins de configuração de fraude à execução.
 
Além disso, menos de dois meses após, foi publicado o então novo Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/15), que não incorporou o princípio da concentração dos atos na matrícula e, na prática, manteve as divergências sobre a interpretação desse importante tema processual, que muito impacta no mercado imobiliário.
 
Na última semana do ano passado, o governo federal publicou a Medida Provisória nº 1.085/21, que cria o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) e trata de temas diversos, a maioria deles no âmbito imobiliário.
 
Inicialmente, a despeito de sua forma, a medida provisória é positiva diante da intenção de modernizar e desburocratizar os negócios no país. Implica na digitalização de procedimentos cartorários, conhecidos por sua burocracia.
 
Com efeito, a MP viabiliza principalmente: 1) a interconexão das serventias dos registros públicos; 2) o atendimento remoto aos usuários de todas as serventias; 3) a visualização eletrônica dos atos transcritos, registrados ou averbados; 4) o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre as serventias (artigo 3º).
 
Ao dispor sobre a concentração dos atos na matrícula, a medida provisória também representa avanço ao trazer maior segurança jurídica ao instituto.
 
Ela altera a Lei nº 13.097/15 e reforça o conceito da concentração dos atos na matrícula, estabelecendo que o adquirente de imóvel será considerado de boa-fé quando a matrícula não contenha o registro/averbação de determinados apontamentos, e agora, alinhando-se à jurisprudência, passa a especificar quais os únicos documentos e certidões que devem ser obtidos para fins de comprovação de sua boa-fé.
 
Contudo, a medida provisória não elimina todas as dúvidas e discussões existentes.
 
Ainda não se verifica a efetiva “concentração” dos atos na matrícula do imóvel, pois a própria previsão da obtenção dos documentos e certidões, pelo adquirente do imóvel, continuará demandando a análise de situações alheias ao registro.
 
Assim como ocorreu no ano de 2015, a medida provisória ingressa em tema afeito ao Código de Processo Civil, todavia, não uniformizou o regramento. Exemplificativamente, o §2º do artigo 792 do CPC trata da obtenção de certidões apenas “no caso de aquisição de bem não sujeito a registro”, não dispondo especificamente dos bens sujeitos a registro.
 
Com relação à nova previsão de que não serão exigidos quaisquer certidões e documentos para validade ou eficácia dos negócios jurídicos, além daqueles relacionados na lei, trata-se de uma presunção absoluta de boa-fé ou relativa? Ou seja, se o credor provar, por outro meio, a má-fé do adquirente de imóvel sem apontamentos na matrícula e que tenha obtido os documentos previstos em lei, a presunção poderá ser relativizada e a fraude à execução caracterizada?
 
Ademais, como fica a situação dos antecessores? A anterior transmissão do imóvel, que em tese pode ser fraudulenta, independentemente de sua data ou circunstâncias, dispensará a obtenção das certidões do antigo proprietário (antecessor)?
 
A medida provisória tem vigência imediata, mas ainda precisa ser convertida em lei. Nesse período pode, e deve, ser emendada e contar com a participação do meio jurídico para que a boa intenção de desburocratizar o sistema seja, de fato, alcançada.
 
Até que se alcance a almejada segurança jurídica, continua imprescindível a realização de detalhada due diligence nos negócios imobiliários, a fim de garantir a sua higidez e evitar as drásticas consequências do reconhecimento da fraude à execução, ainda recorrente nas relações comerciais.