Os valores aportados em entidades abertas de previdência privada formam patrimônio que pode ser resgatado livremente após a carência contratual e, portanto, devem ser partilhados de acordo com as regras do regime de bens no caso do término de união estável.
 
Com esse entendimento e por maioria de votos, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado por uma mulher que, após 15 anos de união estável com um companheiro, terá direito a metade do que ele investiu em um VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre).
 
Trata-se de modalidade de plano previdenciário privado na qual o segurado deposita valores e, no futuro, recebe pagamento para complementação de seu sustento. Antes de virar renda, esse dinheiro pode ser livremente resgatado ou complementado pelo contratante.
 
Por 3 votos a 2, a 4ª Turma decidiu que tal verba se submete à partilha de união estável, uma conclusão que acaba por consolidar a jurisprudência do STJ. A 3ª Turma julgou o tema algumas vezes recentemente, e nesses julgamentos firmou e reafirmou o mesmo entendimento.
 
Na 4ª Turma, venceu o voto divergente da ministra Isabel Gallotti, acompanhada pelo ministro Raul Araújo e pelo ministro Marco Buzzi, que proferiu voto de desempate. Ficaram vencidos o relator, ministro Luís Felipe Salomão, acompanhado pelo ministro Antonio Carlos Ferreira.
 
O caso começou a ser julgado em fevereiro de 2020 e, após seguidos pedidos de vista, foi encerrado em novembro de 2021. O acórdão foi publicado em 17 de dezembro.
 
Comunicabilidade
 
Planos de previdência privada aberta, como o VGBL ou PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) são operados por seguradoras autorizadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). O investidor, com liberdade e flexibilidade, escolhe a contribuição, depósitos, resgates e parcelas a serem recebidas.
 
Essa situação é diferente dos casos de previdência privada fechada, que só pode ser utilizada por trabalhadores vinculados a determinada organização. Nesses casos, a jurisprudência do STJ indica que os valores depositados não entram na partilha.
 
Segundo a ministra Isabel Gallotti, essa distinção é fundamental porque é o que permite a inclusão dos valores investidos na partilha de bens após a dissolução da União Estável.
 
O Código Civil, ao elencar as hipóteses de verbas que não devem ser incluídas na comunhão de bens, coloca no inciso VII do artigo 1.659 “as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes”.
 
Segundo o voto vencedor, os valores aportados em PGBL são investimento e, assim, devem ser partilhados assim como o seriam se tivessem sido aplicados de outras formas: aplicações financeiras, contas bancárias ou cadernetas de poupança, por exemplo.
 
Se os valores investidos no PGBL já tivessem se transformado em pensão mensal no momento do fim da união estável, ainda assim poderiam entrar na partilha.
 
Segundo o voto da ministra Isabel Gallotti, essa circunstância deveria ser ponderada, “para evitar o desamparo do outro cônjuge, não beneficiário do investimento realizado durante a união com valores integrantes do patrimônio comum”.
 
Esse ponto traz uma pequena diferença com a forma como a 3ª Turma se posicionou. De acordo com a ministra Nancy Andrighi, quando o investimento vira pensão, ganha natureza securitária e previdenciária complementar, o que afastaria a comunicabilidade desses bens.
 
Fraudes?
 
Ficou vencido o relator, ministro Luís Felipe Salomão, acompanhado pelo ministro Antonio Carlos Ferreira. Para eles, não faz diferença se os valores foram aplicados em previdência privada aberta ou fechada. O que importa é se eles foram resgatados.
 
Assim, antes do resgate, o VGBL mantém natureza personalíssima e caráter previdenciário. Logo, não pode ser partilhado. A partir do momento em que o titular do contrato faz esse resgate, está extinta a relação contratual previdenciária. Aí sim caberia a partilha, mesmo após o fim da relação conjugal.
 
O risco apontado para essa solução é a de estimular que planos de previdência privada aberta sejam usados para a blindagem de recursos financeiros. Bastaria ao cônjuge investir seu patrimônio em PGBL ou VGBL e, após o fim do relacionamento, manter esses valores alijados da partilha. Essa, inclusive, foi uma alegação no recurso especial ajuizado pela autora da ação.
 
Esse ponto foi, também, destacado no voto vencedor da ministra Gallotti. Ela afirmou que a incomunicabilidade desses valores “tornaria possível que, durante a sociedade conjugal, à margem do regime de bens aplicável, fosse permitida uma reserva de capital aberta e alimentada, em prol de apenas um dos consortes”.
 
Para o ministro Salomão, não se pode esquecer que há presunção geral de boa-fé nos atos praticados pelos cidadãos. Destacou que a possibilidade de resgate da verba aplicada no VGBL “não pode ser tomada como se fosse a regra para solucionar as questões que envolvem a dissolução do vínculo conjugal”.
 
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REsp 1.593.026