As mudanças em relação ao parentesco o Código Civil acrescentou novas formas para seu estabelecimento, superando a distinção entre a filiação legítima e ilegítima

 

Nos primórdios do Direito Romano, a família era organizavada a partir do princípio da autoridade absoluta do pater familias. Ele como representante mais velho do núcleo familiar exercia o culto aos deuses domésticos, a responsabilidade pela distribuição da justiça e detinha todos os direitos de vida e morte sobre os filhos (ius vitae ac necis).

 

Os filhos deviam obediência e respeito ao pater famílias, independentemente da idade ou do estado civil. Por conta disso, o pater famílias podia vender os filhos, e do mesmo modo, tirar a vida deles.

 

Todavia, não eram somente os filhos que viviam sob a guarda do pater familias, a esposa era igualmente subordinada à ordem do marido (in manu mariti) e poderia ser repudiada, a qualquer tempo, de forma unilateral e ainda, sem qualuquer possibilidade de adquirir autonomia.

 

A esposa inicialmente vivia sob as ordens do pai e posteriormente passava às ordens do  marido. Portanto, a ideia transmitida na época era que ela não era digna de ter direitos sobre a própria vida e, tampouco, a de seus filhos.

 

A mulher quando se casava deixava de cultuar os antepassados do pai para cultuar os antepassados do marido. E dessa forma o homem exercia total poder sobre sua esposa.

 

Nesse período, os laços sanguíneos não eram determinantes para dizer que uma pessoa pertencia a determinado núcleo familiar. O vínculo de união familiar nesse tempo era de caráter de religião doméstica e seus cultos.

 

Quando o patriarca morria, a família se separava e se reorganizava em outros núcleos, representados sempre pelos homens. Dessa forma, a família tinha como base, a unidade religiosa, política, econômica e jurisdicional. Isso fazia com que o homem mais velho fosse simultaneamente o chefe político, o sacerdote e o juiz.

 

O patrimônio da família era administrado pelo pater, e com o passar do tempo essa função foi dada para outros administradores, sempre sob sua autoridade. Somente o pater adquiria bens, já que era ele que possuía o total poder sobre o patrimônio familiar.

 

Os romanos viam o casamento como um estado de fato que produzia efeitos jurídicos. Importante destacar que durante esse período histórico já existia a figura do concubinato, que era constituído por uma união livre entre um homem e uma mulher. Tais uniões não eram consideradas da mesma forma como o casamento, apesar de possuírem certo reconhecimento jurídico (VENOSA, 2007). Entretanto, o concubinato não era visto de forma imoral ou com qualquer outra conotação pejorativa.

 

O Império Romano foi organizado a partir da organização familiar e aos poucos, as regras no direito romano foram sendo atenuadas. Por conta disso, o poder do pater foi perdendo espaço cada vez mais, a mulher e os filhos passaram a ter mais liberdade de escolha e mais autonomia.

 

Com o passar do tempo, a demanda por militares aumentou de forma exorbitante e essa necessidade fez com que os filhos que trabalhavam como militares pudessem finalmente ter seu próprio patrimônio e deixar de viver na sombra do chefe familiar. A partir disso, eles começaram a administrar seus próprios vencimentos que ficou conhecido como pecúlios castrenses.

 

O casamento no Direito Romano era algo valioso e para que acontecesse era necessária a affectio (significa afeição em latim) durante todo casamento, não somente no momento de celebração dele.

 

A falta de affectio era causa determinante para a dissolução da união. Entretanto essa ideia foi se perdendo com o surgimento do Direito Canônico. Os canonistas diziam que o casamento era algo sagrado e que não poderia ser desfeito por qualquer razão porque teria sido uma união feita por Deus.

 

Foi durante o império de Constantino, no século IV, que houve a decadência do Império Romano e, posteriormente, o surgimento do Cristianismo. E com isso, houve uma intensa modificação na concepção da família.

 

Tal modificação começou a partir da entrada do Direito Canônico na sociedade. Foi no período da Idade Média que Igreja passou a ser confundida com o Estado. E a partir daí, a Igreja estabeleceu que o casamento fosse visto como sacramento e modificando para sempre as formas de constituir uma família.

 

A visão da família no Direito Canônico para o renomado autor Sílvio Salvo Venosa (2007, p. 9) era:

 

O direito canônico, ou sob inspiração canônica, que regulou a família até o século XVIII e inspirou as leis civis que se seguiram, não era um direito civil na acepção técnica do termo. O direito de família canônico era constituído por normas imperativas, inspiradas na vontade de Deus ou na vontade do monarca. Era constituído por cânones, regras de convivência impostas aos membros da família e sancionadas com penalidades rigorosas. O casamento, segundo os cânones, era a pedra fundamental, ordenado e comandado pelo marido.

 

O Direito canônico não admitia o divórcio, e também, não concordava com um  segundo matrimônio. A dissolução desse matrimônio só era permitido em caso de morte de um dos cônjuges ou em casos de adultério. Antes da vigência do Direito Canônico, era possível a constituição de uma relação de concubinato. Com o surgimento de tal norma não era mais permitido esse tipo de relacionamento. Todavia, mesmo com as proibições, ela continuava a acontecer.

 

Com a Revolução Industrial, meados do século XVIII, foi percebida uma significativa alteração em relação à concepção de família e sua construção. Foi possível também a partir do movimento de saída da família do campo para a cidade.

 

Essa mudança aconteceu porque antes da Revolução Industrial o trabalho era feito em casa e com o advento da indústria as pessoas deixaram de trabalhar em casa para laborarem nas fábricas. Todos trabalhavam para garantir o sustento da família, sem qualquer distinção entre homens, mulheres, crianças e idosos.

 

É nesse período que as mulheres tiveram mais autonomia, entretanto ainda eram tratadas como seres inferiores, tal distinção tinha como consequência negativa o  pagamento de salários baixos bem inferiores aos que os homens recebiam.

 

Somente a partir do século XX que novas construções familiares foram surgindo e modificando a concepção familiar. Portanto, o conceito que temos hoje de família foi bastante influenciado pela ideia de família romana e canônica.

 

É dessa base que a família brasileira foi constituída e evoluiu de forma tão rápida. Entretanto, a legislação não conseguiu acompanhar esse processo e quando o Código Civil de 1916 entrou em vigência, foi perceptível que havia sido criado para uma sociedade brasileira diferente.

 

Esse foi o parecer que o autor Sílvio Salvo Venosa (2007, p. 6), declarando que o Código Civil de 1916 já era antigo quando entrou em vigor. Por conta disso, a função dele ficou comprometido:

 

Basta dizer, apenas como introito, que esse Código, entrando em vigor no século XX, mas com as ideias ancoradas no século anterior, em momento algum preocupou-se com os direitos da filiação havida fora do casamento e com as uniões sem matrimônio, em um Brasil cuja maioria da população encontrava-se nessa situação. Era um Código tecnicamente muito bem feito, mas que nascera socialmente defasado.

 

O Código Civil de 1916 foi pautado na concepção de que o casamento era o único meio de se formar uma família legítima, desprezando-se todas as formas de famílias que não surgiam através dele. Nesse recorte histórico foi responsável por garantir a preservação do patrimônio da família.

 

O Código Civil sofreu bastante influência do Direito Canônico, pelo modo que entendia a família a partir exclusivamente do matrimônio. Isso foi vital para que a dissolução  conjugal fosse impedida durante muitos anos.

 

Esse modelo discriminava a relação de pessoas que moravam juntas, mas não eram casadas. Como, também, os filhos havidos fora do casamento. Tais vínculos extramatrimoniais podiam ser punidos e, da mesma forma que, excluíam-se os direitos dos filhos nascidos fora do casamento (DIAS, 2010).

 

O autor Sílvio Rodrigues (2008, p.12) afirma em suas palavras sobre a pouca importância que o Código Civil de 1916 deu para o instituto do concubinato

 

Pelas contingências sociais de sua época, o Código de 1916 não dava maior relevo à família então qualificada como ilegítima. O concubinato, que via de regra a gera, só indiretamente era por ele mencionado. Tem-se mesmo a impressão de que, por amor à ordem e com certa pudicícia, o legislador antes preferia ignorar o concubinato a discipliná-lo como realidade inescondível. Com efeito, poucas eram as disposições que se referiam à família surgida à margem do casamento; as mais importantes concerniam à possibilidade de reconhecimento do filho natural.

 

Apesar do código civil vigente, a mulher ainda não tinha conseguido obter os mesmo direitos que os homens. Estes eram que dirigiam a família e todos deveriam viver sob suas regras, especialmente os filhos que deviam total obediência ao pai (chamada de pátrio poder).

 

É somente com a introdução do Estatuto da Mulher Casada que as mulheres começaram a ter alguns direitos sobre os filhos e alguns bens. Entretanto, o exercício do pátrio poder prevalecia com o homem, salvo se a mulher recorresse ao juízo. As mulheres solteiras continuavam sem muita liberdade e espaço.

 

Apesar disso, o Código de 1916 foi muito importante para o amadurecimento da legislação brasileira. E as novas leis que foram acrescentadas no código fizeram com que ele tivesse uma sobrevida em meio a dinamicidade da sociedade, tais  como a Lei do divórcio (lei 6.515/77), Constituição de 1988 e o atual Código Civil de 2002 .

 

Depois de muitos anos sob a égide da legislação do Código Civil de 1916, a sociedade já não era mais a mesma. E, apesar de muitas leis entrarem em vigor com a intenção de acompanharem as mudanças da sociedade, é somente com a Constituição Federal de 1988 e, posteriormente com um novo Código Civil de 2002 que foi possível uma transformação legislativa em relação ao direito de família, caindo por terra alguns institutos que na prática já estavam extintos ou em processo de extinção há bastante tempo.

 

Assim são as palavras da autora Maria Berenice Dias (2010, p. 32):

 

Talvez o grande ganho tenha sido excluir expressões e conceitos que causavam grande mal-estar e não mais podiam conviver com a nova estrutura jurídica e a moderna conformação da sociedade. Foram sepultados todos os dispositivos que já eram letra morta e que retratavam ranços e preconceitos discriminatórios. Assim as referências desigualitárias entre homem e mulher, as adjetivações da filiação, o regime dotal etc.

 

O projeto inicial do Código Civil de 2002 é datado de 1975, portanto como era de se esperar, passou por inúmeras mudanças para que não entrasse em confronto com a nossa Carta Magna. Isso fez com que o novo código evoluísse, mas não da forma como era esperado ou como necessitava a sociedade, na questão referente à filiação socioafetiva, por exemplo.

 

No Código Civil de 2002, uma das evoluções é no que diz respeito ao poder  de direcionamento e proteção dos filhos que passou do Pátrio Poder e deu lugar ao Poder Familiar. Sendo que ao contrário do pátrio poder (exercido pelo pai, ou seja, o patriarcalismo), passou a ser exercido de forma igualitária tanto pelo pai quanto pela mãe.

 

O Código Civil de 2002 ratificou de uma vez por todas o tratamento igualitário entre os cônjuges na constância do casamento. Essa igualdade é referente aos efeitos pessoais e também em relação aos efeitos patrimoniais. Além disso, a mulher deixou de ter preferência na guarda dos filhos (LISBOA, 2012).

 

As mudanças em relação ao parentesco o Código Civil acrescentou novas formas para seu estabelecimento, superando a distinção entre a filiação legítima e ilegítima. Tal igualdade de direitos entre os homens e mulheres é vislumbrada até os dias atuais.

 

Fonte: Migalhas

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