Inicia-se a contextualização deste artigo destacando que a Reurb tem sua tramitação perante o município competente, que, após as devidas provocações, tem o condão de emitir a respectiva certidão de regularização fundiária (CRF), quando, então, encerra-se o processo no executivo municipal.
O ente público, ao emitir a CRF, por determinação do artigo 11, V, da Lei 13.465/2017, deverá prever expressamente a modalidade de regularização fundiária que cada requerente se enquadra, legitimação fundiária ou de legitimação de posse.
Superada a necessária contextualização preliminar e partindo para o cerne da pesquisa, a legitimação de posse é o instrumento utilizado no procedimento de Reurb que, por ato do poder público, confere título ao interessado reconhecendo a posse do imóvel levado à questão e, após transcorrido o lapso temporal previsto em lei juntamente com os requisitos nela exigidos, conferirá o direito real de propriedade. Note-se o que dispõe o artigo 25, caput, da Lei 13.465/2017, in verbis:
“Artigo 25. A legitimação de posse, instrumento de uso exclusivo para fins de regularização fundiária, constitui ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse, o qual é conversível em direito real de propriedade, na forma desta Lei. (Artigo 25, caput, da Lei 13.465/17).”
Para melhor compreensão acerca do instituto em questão, cita-se o conceito brilhante e objetivo trazido pela estudiosa Paola de Castro Ribeiro Macedo, que assim leciona:
“A legitimação de posse é o ato do Poder Público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse do imóvel particular, objeto de qualquer modalidade de Reurb, por seus ocupantes, com identificação do tempo da ocupação e da natureza da posse, conversível em aquisição de direito real de propriedade na forma da lei (Artigo 11, VI, da Lei 13.465/2017) (MACEDO, 2020, pag. 236).”
Este título emitido pelo órgão municipal, qual seja a legitimação de posse, por óbvio e porque a própria denominação — posse — induz, não gera direito real de propriedade como ocorre na mencionada legitimação fundiária. Ou seja, visa apenas comprovar a posse do ocupante, onde deverá constar a natureza e o tempo que este a exerce.
Feitas essas considerações, indaga-se qual seria o sentido do instituto da legitimação de posse, vez que este não alcança o direito real de propriedade como ocorre na legitimação fundiária?
Na verdade, verifica-se que o artigo 23, §1º, e seus respectivos incisos da Lei 13.465/2017 preveem algumas restrições para a aplicabilidade da legitimação fundiária e que, portanto, acabam por evidenciar a necessidade de um “contentamento” em se obter, pelos novos, o título de posse legítima do seu ocupante, vez que, eventualmente, não seja possível atender aos requisitos legais, sendo os seguintes:
“Artigo 23. A legitimação fundiária constitui forma originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb, àquele que detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016.
- 1º Apenas na Reurb-S, a legitimação fundiária será concedida ao beneficiário, desde que atendidas as seguintes condições:
I – o beneficiário não seja concessionário, foreiro ou proprietário exclusivo de imóvel urbano ou rural;
II – o beneficiário não tenha sido contemplado com legitimação de posse ou fundiária de imóvel urbano com a mesma finalidade, ainda que situado em núcleo urbano distinto; e
III – em caso de imóvel urbano com finalidade não residencial, seja reconhecido pelo poder público o interesse público de sua ocupação (artigo 23, §1°, da Lei 13.465/2017).”
No caso da legitimação de posse, destaca-se que esta não se limita aos núcleos informais que foram consolidados até 22/12/2016 — requisito este para a aplicação da legitimação fundiária, conforme previsão expressa no caput do artigo supramencionado.
Quer dizer, a data da consolidação não será um impeditivo para a Reurb, já que será possível a utilização da legitimação da posse para núcleos consolidados posteriormente à data exigida pela Lei.
Além disso, observando o parágrafo §1° do dispositivo supracitado, verifica-se que a Legitimação Fundiária possui aplicabilidade apenas à modalidade de Reurb-S, ou seja, a legitimação de posse será aplicável, também, à Reurb-E.
Outrossim, observa-se que a legitimação de posse será destinada apenas a imóveis de natureza privada, não sendo possível a sua utilização em imóveis públicos. Logo, resta superada a ideia de que a legitimação de posse não teria funcionalidade sob o argumento de que não confere título de propriedade ao interessado.
Outro ponto interessante é que, após o registro da legitimação da posse, transcorrido o lapso temporal legal e respeitados os requisitos elencados no artigo 183 da Constituição, ocorrerá automaticamente a conversão para título de propriedade. Neste sentido, interessante trazer à baila a previsão do artigo 26 da mesma Lei, in verbis:
“Art. 26. Sem prejuízo dos direitos decorrentes do exercício da posse mansa e pacífica no tempo, aquele em cujo favor for expedido título de legitimação de posse, decorrido o prazo de cinco anos de seu registro, terá a conversão automática dele em título de propriedade, desde que atendidos os termos e as condições do artigo 183 da Constituição Federal , independentemente de prévia provocação ou prática de ato registral (Art. 26, da Lei 13.465/2017).”
Da leitura do referido dispositivo legal, vislumbra-se apenas algumas ressalvas para a conversão automática do título de legitimação de posse em título de propriedade, sendo essa o preenchimento dos requisitos do já mencionado artigo 183 da CF, como: possuir área urbana até duzentos e cinquenta metros quadrados; durante cinco anos; sem interrupção e oposição; destinar o imóvel à moradia própria ou para sua família; e não ser proprietário de outro imóvel.
Como mencionado anteriormente, será o município o órgão competente para analisar e aprovar o Reurb, inclusive, fiscalizar o preenchimento dos requisitos pelo ocupante interessado na regularização.
Inobstante esta atribuição, com o rol de documentos apresentados para a Reub, apenas será possível para o ente público conferir parte dos requisitos, como o tamanho da área urbana, o prazo para a destinação da moradia e a ausência de propriedade do interessado sobre outro imóvel.
Os outros requisitos, como posse ininterrupta e sem oposição, serão presumidos pela municipalidade, vez que não há possibilidade de conferência pelo ente público.
Preenchidas as exigências, resta evidente que não há a necessidade de provocação do cartório de registro de imóveis para a conversão em propriedade, como visto, característica facilitadora para o procedimento da Reurb.
Quanto ao prazo, vale mencionar que alguns doutrinadores discordam sobre a forma da contagem do lapso temporal de cinco anos previsto no supracitado artigo 26, a qual se inicia a partir do registro do título. Neste sentido, convém ponderar o entendimento de Luiz Antonio Scavone Jr. acerca do tema, senão vejamos:
“Neste ponto, há grave falha sistemática da lei, que merece reparo: a conversão em propriedade não se dá em razão da data do registro da CRF que contenha legitimação da posse, mas da data reconhecida, neste título, de início da posse conversível em propriedade por usucapião.”
Este entendimento possui como embasamento a previsão do artigo 11, VI da Lei que trata sobre Regularização Fundiária, in verbis:
“Artigo 11. Para fins desta Lei, consideram-se: […]
VI – legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, conversível em aquisição de direito real de propriedade na forma desta Lei, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse (artigo 11, VI, da Lei 13.465/2017).”
No entanto, acreditar que deve ser levado em consideração o tempo previsto na CRF é como se a legitimação de posse previsse prazo aquisitivo para adquirir o título de propriedade. Ou seja, estaria assemelhando-se ao instituto da usucapião, fato este que não foi o intuito do legislador.
Aliás, frente a impossibilidade de preencher os requisitos do artigo 183 da CF, será necessário atendimento à previsão do §1° do artigo 26 da Lei em questão, que assim dispõe expressamente:
“Artigo 26 […] §1º Nos casos não contemplados pelo art. 183 da Constituição, o título de legitimação de posse poderá ser convertido em título de propriedade, desde que satisfeitos os requisitos de usucapião estabelecidos na legislação em vigor, a requerimento do interessado, perante o registro de imóveis competente (artigo 26, §1°, da Lei 13.465/2017).”
Objetivamente, caso o interessado não cumpra os requisitos elencados no artigo 183 da CF, o interessado deverá preencher os requisitos da usucapião e, também, apresentar requerimento ao RI competente. O primeiro ponto a se destacar é que a conversão não ocorrerá de forma automática como prevê o caput.
Já o segundo aspecto interessante, é que a lei não prevê a modalidade de usucapião para a conversão da legitimação de posse em propriedade, ou seja, fica a critério do interessado apresentar a modalidade de usucapião que seja hábil a comprovar o preenchimento dos requisitos para que, então, posteriormente, ocorra o registro da propriedade.
Superados esses pontos, embora sem o condão de esgotar a matéria, passa-se a tratar dos aspectos notariais e registrais do instituto.
Pois bem, conforme mencionado, após transcorrido o lapso temporal de cinco anos a contar do registro da legitimação de posse, ocorrerá a conversão em título de propriedade sem a provocação do ofício de registro de imóveis.
Na prática, o registro de imóveis, no momento do registro da legitimação de posse, deverá fazer uma observação no registro mencionando em qual data exatamente ocorrerá a conversão de fato, visto a necessidade de garantir a segurança jurídica do ato. Este tipo de atitude auxilia, e muito, os operadores do direito que atuam na área imobiliária, já que não será possível levantar dúvidas quanto ao momento dessa conversão.
A partir disso, conclui-se que não haverá novo registro e, muito menos, averbação no sentido de atestar a conversão do título de posse para a propriedade. Quer dizer, ao analisar uma matrícula de determinado imóvel, será necessário maior atenção quanto a este tipo de registro.
Inclusive, cabe mencionar a crítica realizada pela já destacada estudiosa Paola de Castro Ribeiro Macedo em relação a conversão automática para propriedade, senão vejamos:
Além disso, estabelecer “conversão automática”, independente de prévia provocação ou prática de ato registral é inadmissível, pois, como admitir o direito de propriedade fora do registro imobiliário? Dessa maneira, sem a proteção do registro, o imóvel não teria o valor de mercado da propriedade regularizada; não seria aceito por bancos em garantia de créditos e não garantiria o direito à moradia regularizada (MACEDO, 2020, página 238).
Arrisca-se dizer que o entendimento supramencionado está correto, visto que inexiste previsão na Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) sobre a possibilidade de registrar a posse exercida sobre determinado imóvel. Aliás, desde quando a propriedade é presumível? E outra, como seria possível a oponibilidade a terceiros utilizando como fundamento o direito de posse?
Há várias lacunas neste tipo de instituto trazido pela Reurb, inclusive o malferimento aos princípios notariais e registrais como a publicidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (Lei 6.015/73, artigo 1°).
Disso, conclui-se que os profissionais que mantêm contato com a área imobiliária, notarial e registral, a princípio, não possuem expertise para identificar e compreender o instituto da Legitimação de Posse em documento registral e, ao mesmo tempo, presumir a propriedade do sujeito. Na verdade, pelo quanto exposto linhas acima, a conversão automática da propriedade, mostra-se uma atecnia inserida no ordenamento jurídico.
Fonte: Conjur
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