Números de violência contra crianças e adolescentes no Brasil evidenciam dificuldades na implementação da legislação proteção à infância e juventude

 

Neste sábado, 13, comemora-se o 34º aniversário do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação que revolucionou a proteção da infância no Brasil. Desde sua promulgação em 1990, o estatuto desempenha papel crucial ao reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. No entanto, a aplicação prática dessa proteção, especialmente no combate à violência, ainda enfrenta desafios significativos.

 

Para a advogada Tatiana Naumann, especialista em Direito de Família do escritório Albuquerque Melo Advogados, “o ECA representa um marco na legislação brasileira, colocando o Brasil na vanguarda da proteção infantil na América Latina. No entanto, ainda enfrentamos desafios significativos na implementação plena de suas disposições, especialmente em áreas rurais e comunidades vulneráveis”.

 

Tatiana afirma que, nas últimas décadas, o ECA teve um impacto positivo na educação, saúde e direitos fundamentais, assegurando acesso a escolas, atendimento médico e proteção contra violência e exploração. Entretanto, apesar dos avanços, “ainda há muito a ser feito. As denúncias de violência contra crianças e adolescentes cresceram em todo o Brasil”.

 

Registros

 

Segundo a Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, grupo formado em 2017 por organizações, fóruns e redes do governo, existem obstáculos à adequada mensuração da violência infantil e juvenil, pois os dados não são unificados e denúncias, muitas vezes, são subnotificadas.

 

Ainda assim, dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, podem dar um panorama do atual estágio da violência contra crianças e adolescentes no Brasil.

 

Nos sete primeiros meses de 2024, foram feitas 145.780 denúncias por violências contra crianças e adolescentes. No mesmo período, em 2023, foram 125.796. Ou seja, houve um aumento de 15,89% no número de denúncias.

 

Esse é o grupo com maior quantidade de denúncias formalizadas, considerando outros em situação de vulnerabilidade, como mulheres, idosos, pessoas com deficiência, população LGBTQIA+, pessoas em restrição de liberdade e em situação de rua.

 

Tipos de violência

 

As violências contra crianças e adolescentes têm configurações diversificadas. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 traz dados de abandono de incapaz, abandono material, maus-tratos, exploração sexual, estupro, pornografia infantil, lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica e mortes violentas intencionais.

 

Segundo o relatório, “diferentes formas de violência contra quem possui entre 0 e 17 anos cresceram no último ano. Os números são impressionantemente altos e, como previsto nos últimos Anuários, já extrapolam as estatísticas anteriores à pandemia de COVID-19”.

 

Conforme pode ser observado, todos os crimes tiveram uma incidência maior de 2021 para 2022, exceto as mortes violentas intencionais, que caíram 2,6%.

 

O crime de exploração sexual foi o que mais subiu, de 764 casos para 889, atingindo um aumento de 16,4%. A ele segue o crime de estupro, que, em números absolutos, é o que mais vitimiza crianças e adolescentes no país, com mais de 50 mil casos em 2022.

 

Judiciário

 

Em 2023, a secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, vinculada ao ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, conduziu um levantamento das delegacias especializadas em crimes contra crianças e adolescentes no Brasil.

 

Foram identificadas 59 varas especializadas e 120 delegacias, responsáveis pelo recebimento de 95 mil denúncias em todo o país.

 

O Estado de São Paulo tem o maior número de varas especializadas, com 27, enquanto Santa Catarina possui o maior número de delegacias especializadas, com 31 unidades.

 

Entre as maiores dificuldades encontradas pelas delegacias e varas, em suas atuações, estão:

 

  • Alta demanda de trabalho e número de servidores insuficientes;
  • Estrutura predial e instalações precárias;
  • Necessidade de contratações para compor equipe psicossocial;
  • Falta de capacitação e educação continuada para proteção e atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência;
  • Falta ou equipamentos antigos de informática;
  • Viaturas sucateadas e/ou inadequadas e/ou insuficientes.

 

A partir do levantamento, nota-se a necessidade de mais investimentos nas poucas delegacias e várias especializadas, as quais lidam com desafios estruturais.

 

Canais de denúncia

 

Atualmente é possível denunciar violência contra crianças e adolescentes pelo Disque 100, pelo aplicativo de celular Direitos Humanos Brasil, ou diretamente em conselhos tutelares ou delegacias de polícia.

 

Na última terça-feira, 9, o Governo Federal lançou a plataforma SIPIA-CT para identificar, precocemente, crianças e adolescentes que tenham seus direitos ameaçados ou violados.

 

Segundo o ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, ela auxiliará no registro e no tratamento de informações sensíveis para apoios às ações federativas de planejamento, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas relacionadas à infância e à adolescência.

 

Luta contínua

 

Embora o ECA tenha trazido avanços significativos na proteção dos direitos das crianças e adolescentes, ainda há um longo caminho a percorrer.

 

A luta contra a violência infantil continua, e a sociedade deve se manter vigilante para assegurar que as promessas do ECA se tornem realidade para todos.

 

Tatiana Naumann enfatiza a importância de uma atuação contínua e vigilante.

 

“Precisamos garantir que o ECA não seja apenas uma lei no papel, mas uma realidade vivida por todas as crianças e adolescentes do país. O avanço legislativo deve ser acompanhado de políticas públicas eficazes e de uma sociedade mais engajada na proteção dos direitos infantojuvenis.”

 

Fonte: Migalhas

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