Volume de doações chegou a R$ 599 milhões este ano, superando 2023, segundo a Associação Brasileira de Captadores de Recursos

 

As instituições sem fins lucrativos conseguiram manter, na regulamentação da reforma tributária, as regras previstas para imunidade de ITCMD – o imposto sobre doações. Havia receio de redução da abrangência desse benefício com a tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora segue para o Senado.

 

A ampliação do alcance da isenção de ITCMD é importante para o chamado terceiro setor e pode elevar o volume de doações – hoje as regras para o benefício são estaduais. O Brasil é hoje um dos três únicos países no mundo que ainda taxam esses recursos, ao lado da Croácia e da Coreia do Sul.

 

Neste ano, segundo a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), o volume de doações já superou o alcançado em todo o ano de 2023. Foram cerca de R$ 599 milhões, segundo o Monitor das Doações, atualizado diariamente pela entidade. Esses recursos vieram de 145 doadores – empresas ou pessoas físicas. Em 2023, foram R$ 479 milhões, por 159 doadores.

 

De acordo com o advogado Eduardo Szazi, do escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados, que acompanhou a tramitação do assunto na Câmara dos Deputados, “o texto final foi muito satisfatório para o setor”, ao não permitir que direitos já concedidos na reforma fossem restringidos. “Ao não tributar as doações, permite-se que mais dinheiro seja levado para essas causas, que são extremamente relevantes”, diz.

 

O texto original da reforma tributária, lembra o advogado, estava sendo ameaçado pela regulamentação, por meio do PLP 68/2024. Representantes da Fazenda pediram alterações no artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN), que rege as doações, para restringir a abrangência do benefício para as entidades sem fim lucrativos.

 

Hoje, o artigo 14 traz três requisitos para a obtenção de imunidade. O primeiro deles é não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas. O segundo, aplicar integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais. E o terceiro, manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

 

O artigo 460 do PLP 68/2024, porém, pretendia criar requisitos adicionais, que acabaram retirados. Constava, por exemplo, que as entidades assistenciais, além de manter a escrituração de suas receitas, deveriam divulgar em seus sites suas demonstrações financeiras anuais. Também estabelecia que essas demonstrações deveriam ser devidamente auditadas por um auditor independente, nos casos em que a receita bruta anual superasse R$ 360 mil.

 

Para o advogado Bruno Sigaud, a redação original do PLP 68/2024, envolvendo a mudança no artigo 14 do CTN, “era desproporcional à garantia constitucional de vedação à cobrança de impostos sobre o patrimônio e rendas de entidades reconhecidamente assistenciais, uma vez que tentava transferir para a legislação um ônus de fiscalização que é da Fazenda, seja federal, estadual ou municipal”.

 

Sigaud ainda destaca que a jurisprudência dos tribunais já entende, ao tratar de imunidade, que presume-se que as atividades e bens pertencentes a tais entidades estejam afetados à destinação compatível com seus objetivos e finalidades institucionais, “motivo pelo qual o ônus de produzir qualquer prova em contrário é do ente tributante, e não do contribuinte”.

 

Houve um exagero na redação inicial do Projeto de Lei Complementar nº 68”

— Bruno Sigaud

 

O tributarista acrescenta que não se tem notícia de que a lei tributária estaria sendo corriqueiramente violada pelas organizações da sociedade civil. “O que corrobora com a nossa afirmação de que houve um exagero na redação inicial do PLP 68, já que a ampliação das obrigações de prestar contas, contratar auditores e restringir gastos e movimentações financeiras certamente ofuscaria a imunidade constitucional pretendida.”

 

Mesmo no campo do contencioso, os precedentes não justificariam a mudança, segundo Eduardo Szazi. Ele afirma que fez um levantamento no site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) sobre os grandes devedores (acima de R$ 100 milhões). E constatou que dos 6.506 devedores, apenas 79 eram entidades sem fins lucrativos, sendo que 69 eram imunes.

 

“O contencioso não legitima a alteração do artigo 14 do CTN. Justifica-se restringir liberdades de 250 mil entidades por falhas de apenas nove ao longo de cinco anos? Justifica-se impor novas obrigações a partidos, sindicatos e organizações da sociedade civil, se apenas 1% dos grandes devedores são entidades sem fins lucrativos? Entendo que não”, afirma.

 

Também houve a tentativa, na primeira versão apresentada do PLP 68, na Câmara dos Deputados, de que fosse determinada a incidência de IBS e CBS sobre as chamadas doações onerosas (casos em que há um direcionamento de onde esses valores devem ser empregados) e empréstimos, o que também abarcaria as filantrópicas.

 

Caso essa previsão passasse, poderia prejudicar muito o setor, segundo Szazi. Isso porque muitas das doações ocorrem com um propósito específico – como os valores destinados ao Rio Grande do Sul. “Nas doações mais substanciais, a tendência é que as pessoas queiram que sejam revertidas para determinados objetivos. Essa reversão no texto é muito positiva.”

 

O texto agora segue para o Senado nos mesmos termos da Emenda Constitucional nº 132, que instituiu a reforma tributária. Caso haja alteração pelos senadores, ele volta para a Câmara dos Deputados.

 

Fonte: O Liberal

 

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