Ser uma empresa exportadora hoje é enfrentar muitos desafios, especialmente nas questões tributárias relacionadas ao ICMS. A reforma tributária promete mudar esse cenário, mas será que tudo são flores?
Atualmente, uma empresa exportadora enfrenta vários obstáculos para enviar seus produtos para fora do Brasil, como fatores econômicos, logísticos e regulatórios. Após efetuar suas exportações, começa outra batalha: recuperar os créditos de ICMS acumulados. Essa batalha nem sempre é vencida.
Nossa Constituição, antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional 132/23, já estabelecia a imunidade dos impostos sobre as exportações, desonerando o ciclo produtivo dos produtos exportados. Todavia, essa desoneração era operacionalizada, especialmente em âmbito estadual, pela possibilidade de manutenção dos créditos referentes às etapas anteriores.
Para ilustrar, imagine uma empresa que produz alimentos derivados da soja e exporta todos esses alimentos. Ela terá vários custos durante a produção e, em quase todos, haverá pagamento de impostos. O crédito referente aos tributos recolhidos nas aquisições dos insumos pode ser mantido pela empresa para pagamento dos débitos de outras operações.
No entanto, a manutenção dos créditos das entradas não é suficiente para garantir a desoneração das exportações. Na prática, uma empresa exportadora não consegue escoar esses créditos com operações no mercado interno, uma vez que, na maioria das vezes, ela possui poucas operações internas.
Alguns estados oferecem a possibilidade de monetizar o crédito de ICMS decorrente das exportações. Exemplos disso são o e-Credac de São Paulo e o SISCRED do Paraná. Dentro desses programas, é possível transferir esses créditos para terceiros ou utilizá-los para quitar débitos junto à procuradoria dos estados, entre outras possibilidades.
Contudo, o processo de habilitação desses créditos é moroso e leva tempo, necessitando de diversos documentos e comprovações, visto que é um prejuízo para o estado ter que “devolver” esse valor para o contribuinte.
É compreensível que o estado dificulte essa “devolução”, pois, muitas vezes, os créditos são oriundos de operações interestaduais e não são valores que ingressaram como receita para o estado em que ocorreu a exportação.
Pense em uma empresa paranaense que compra insumos do Mato Grosso para produzir seus produtos e exportá-los. O ICMS incidente sobre a aquisição desses insumos será devido ao Mato Grosso, mas será apropriado como crédito no Paraná e depois habilitado no SISCRED. Logo, o estado do Paraná terá que “devolver” um valor que não foi recolhido para seus cofres.
Desse modo, os estados dificultam a operacionalização desses créditos decorrentes da exportação por questões financeiras, levando diversas empresas a desistirem de buscar esses valores, incluindo o tributo no custo da mercadoria, o que encarece a exportação.
Além disso, existem tributos que incidem de forma indireta na produção das mercadorias e que não geram direito de crédito, pois são cumulativos, como o ISS. Esses tributos irrecuperáveis se tornam resíduos tributários que também aumentam o custo da exportação.
A reforma tributária promete mudar esse cenário, transformando um crédito que hoje é físico em um crédito financeiro. Esta mudança na forma de apuração do crédito se dará especialmente com a implementação do Comitê Gestor do IBS, que administrará a repartição das receitas do IBS com os estados e municípios.
Dessa forma, o novo sistema de tributação sobre o consumo visa desonerar completamente a exportação. Analisando o texto, não sabemos se a desoneração será total, sem nenhum resíduo, visto que temos outros tributos que podem ser cobrados em alguns casos.
Todavia, a figura do crédito financeiro será muito mais vantajosa para as empresas exportadoras, uma vez que a transferência do recurso para o estado e município competente para cobrá-lo somente será efetivada após a finalização do ciclo produtivo.
Considerando que estamos tratando de exportações, o Comitê Gestor não fará essas transferências para os estados, tendo em vista que a operação é imune, e o valor dos créditos decorrentes das operações anteriores será devolvido para as empresas exportadoras.
Essa medida trará um ganho financeiro e uma melhoria no fluxo de caixa para essas empresas, deixando as exportações brasileiras mais competitivas e reduzindo o custo de produção dos produtos exportados.
Para deixar mais claro, imagine aquela mesma empresa que produz alimentos. Após a implementação da reforma tributária, ela poderá comprar seus insumos no mercado interno, apropriar o crédito junto ao Comitê Gestor e, na efetivação da exportação, solicitar a restituição desses créditos, que poderá ocorrer em um tempo muito mais curto.
Com a figura do split payment, o crédito será apropriado no momento da liquidação financeira, ou seja, quando a indústria comprar os insumos e efetuar o pagamento, o crédito já estará “habilitado” junto ao Comitê Gestor e poderá ser objeto de pedido de restituição.
Essa nova sistemática será muito benéfica para as empresas exportadoras brasileiras. No entanto, convém pontuar que esse benefício demanda que o Comitê Gestor seja muito bem organizado e ágil, o que pode ser dificultado se alguns pontos do PLP 108/24 não forem revistos, mas isso é um assunto para um próximo artigo.
Por fim, como no Brasil nem tudo são flores, temos um segmento das exportadoras que não está muito satisfeito com alguns pontos da reforma. O ferro, segundo o PLP 68/24, não será imune ao pagamento do Imposto Seletivo nas exportações, o que poderá onerar esse segmento.
Segundo a Constituição Federal, o Imposto Seletivo incidirá sobre a extração, comercialização e a produção de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O ferro é um dos minérios mais exportados pelo Brasil, correspondendo a quase 22% das exportações brasileiras. Tributar a exportação desse produto poderá encarecer o valor de venda, resultando em uma queda nas exportações.
Vale lembrar que a Constituição Federal autorizou a tributação das exportações do ferro quando dispõe que “na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação, caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% (um por cento) do valor de mercado do produto” – Art. 153, §6º, inciso VII.
Sendo assim, a grande maioria das empresas exportadoras terá uma melhoria nos seus fluxos de caixa e no valor de seus produtos com a chegada do novo sistema tributário sobre o consumo.
Porém, fica o alerta de que os créditos de ICMS referentes aos últimos 5 anos e os valores apropriados durante o período de transição deverão ser tratados com cuidado, visando a utilização desses valores o quanto antes. Caso contrário, as empresas perderão muito dinheiro e tempo com a devolução desses créditos em até 240 parcelas após 2032.
Fonte: Migalhas
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