Constituição da República assegura a imunidade tributária para pessoas jurídicas que transferem bens imóveis para integralização do capital social, bem como na transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão

 

As imunidades tributárias, ao lado dos princípios, são espécie de limitações constitucionais ao poder estatal de tributar. Sem olvidar das controvérsias técnico-jurídicas sobre sua melhor definição, cabe aqui dizer que as imunidades “são mandamentos que distanciam a tributação, por vontade do legislador constituinte, que assim se manifesta objetivando homenagear determinados valores inalienáveis da pessoa”1.

 

Em outras palavras, se a Constituição da República – a Carta das Competências2 – define qual ente federativo tem o poder para tributar, as imunidades tributárias, a contrario sensu, se comportam como regras que negam ao Poder Público a competência estatal para instituir tributos, em primazia da consecução de políticas socioeconômicas específicas.

 

No caso do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (itbi), a Constituição da República assegura a imunidade tributária para pessoas jurídicas que transferem bens imóveis para integralização do capital social, bem como na transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica:

 

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [.]

 

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição [.].

 

  • 2º O imposto previsto no inciso II:

 

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

 

Para fins didáticos, na tabela abaixo, tomamos a liberdade de dividir o dispositivo em 3 (três) partes distintas:

 

Primeira parte

 

[O ITBI não incide sobre] a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital

 

Segunda parte

 

[O ITBI não incide sobre] a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

 

Terceira parte

 

[…] salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

 

A confusa redação do dispositivo constitucional tem redundado em discussões judiciais por anos a fio sobre o alcance da cláusula condicionante constante a partir da expressão “salvo se […]” (terceira parte), notadamente se alcançaria a hipótese de integralização (ou realização) do capital social.

 

O Supremo Tribunal Federal se debruçou sobre parte do tema quando do julgamento ao Recurso Extraordinário n. 796379/SC (Tema 796 – STF). Naquela ocasião, ficou claro que a exigência da cláusula condicionante é extensível à segunda parte do dispositivo, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Morais:

 

[.] a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I.

 

Nesses últimos casos, há, da mesma forma, incorporação de bens, mas que decorre da “incorporação que é uma operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações” (art. 227 da Lei 6.404/1976 – Lei de Sociedades Anônimas); cisão – operação pela qual uma sociedade transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais empresas (art. 229 da Lei das S.A); ou fusão – operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma nova sociedade que lhe sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228 da Lei das S.A.).

 

Em todas essas hipóteses, há incorporação do patrimônio imobiliário de uma sociedade para outra, mas sem qualquer relação com a incorporação (integração) referida na primeira parte do citado inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF, que alude à transferência de bens para integralização do capital.

 

Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I – ” nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” – revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão “nesses casos” não alcança o “outro caso” referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF.3

 

Assim, no caso de cisão de pessoa jurídica, não há margem para dúvidas: é necessária a comprovação da atividade preponderante da pessoa jurídica para que a empresa cindida e receptora do imóvel faça jus à imunidade tributária constante no artigo 156, §2º, inciso I, da Constituição da República.

 

A preponderância é verificada a partir dos critérios normativos insculpidos no art. 37 do Código Tributário Nacional, que define que se caracteriza “a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo” (art. 37, §1º, CTN).

 

A título de exemplificação, imagine uma empresa cindida que venha a receber um imóvel no momento de sua constituição. Nesse caso, será aplicável o artigo 37, §2º, do CTN, sendo necessário a comprovação de que sua receita operacional nos 3 (três) anos subsequentes à sua constituição (e consequente aquisição do bem) é inferior 50% no que tange à compra e venda bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil:

 

Art. 37 [.].

 

  • 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.

 

E, uma vez verificada a preponderância, “tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data” (art. 37, §2º, CTN).

 

Nesse trilhar, é o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que recentemente apreciou caso análogo envolvendo a cisão de parte do patrimônio de uma empresa, resultando na transferência de imóveis para outra empresa e aumento de seu capital social:

 

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ITBI. MUNICÍPIO DE LEBON RÉGIS. CISÃO E SUCESSÃO EMPRESARIAL. ACRÉSCIMO DE CAPITAL SOCIAL E INTEGRALIZAÇÃO POR BENS IMÓVEIS. IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 156, § 2º, I, DA CF/88. DEFINIÇÃO DE PREPONDERÂNCIA DA ATIVIDADE IMOBILIÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 7º, § 3º, I, DA LEI N. 1.607/2017 DO MUNICÍPIO DE LEBON RÉGIS. RECONHECIMENTO PELO ÓRGÃO ESPECIAL. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. ATO COATOR INVALIDADO. INAPLICABILIDADE DA TESE DO TEMA 796/STF AO CASO CONCRETO. RATIO DECIDENDI PERTINENTE À INCORPORAÇÃO DE BENS IMÓVEIS DOS SÓCIOS AO CAPITAL SOCIAL SUBSCRITO. HIPÓTESE DO AUTOS RELATIVA À SUCESSÃO PATRIMONIAL POR CISÃO EMPRESARIAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO INTEGRAL DA ORDEM. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA QUANTO AO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 37, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL A FIM DE AFASTAR A CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE IMOBILIÁRIA COMO PREPONDERANTE. CRITÉRIO A SER AVALIADO AO TEMPO DO REGISTRO DA TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL NOS TERMOS DO ART. 1.245 DO CÓDIGO CIVIL. IRRELEVÂNCIA DA DATA DO REGISTRO COMERCIAL DA CISÃO EMPRESARIAL. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE PARA ANULAR A DECISÃO ADMINISTRATIVA E DETERMINAR NOVA AVALIAÇÃO SEGUINDO AS DIRETRIZES DO ACÓRDÃO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJSC, Apelação n. 5001029-86.2020.8.24.0088, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Vilson Fontana, Quinta Câmara de Direito Público, j. 07-02-2023). (TJ-SC – Apelação: 5001029-86.2020.8.24.0088, Relator: Vilson Fontana, Data de Julgamento: 07/02/2023, Quinta Câmara de Direito Público).

 

Assim sendo, caso não comprovada que a receita operacional decorrente da atividade empresarial exercida pela empresa cindida, nos 3 (três) anos subsequentes à aquisição do bem imóvel, é inferior 50% no que tange à compra e venda bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, incidirá o ITBI sobre a integralização do bem imóvel ao seu capital social.

 

______

 

1 Sabbag, Eduardo. Direito Tributário Essencial. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021. p. 25.

 

2 CARRAZZA, Antônio Roque. Curso de direito constitucional tributário. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 421-423.

 

3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 796.376 de Santa Catarina. rel. Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, j. 5-8-2020. https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15344140426&ext=.pdf. Acesso em: 04 jul. 2024. pp. 8-9.

 

Fonte: Migalhas

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