A revisão periódica de contratos é essencial para garantir segurança jurídica, pois mudanças legislativas podem impactar os termos acordados, tornando a atualização indispensável para evitar disputas e fortalecer as relações comerciais
Integrar a revisão periódica de contratos à rotina não é apenas uma boa prática, mas uma necessidade estratégica para o sucesso, sendo a atuação de um advogado nesse processo um investimento mais que necessário.
Em outro artigo que escrevi e publiquei há quase um ano, denominado “A importância do advogado na elaboração e revisão de contratos”, expus a definição de contrato e as vantagens de contar com um serviço técnico especializado na elaboração de um instrumento claro e bem definido.
Dentre os pontos de maior destaque na atuação do advogado na elaboração de um contrato, tratei desde a capacidade do advogado de imaginar situações, problemas e até possíveis disputas que poderiam surgir da relação entre as partes que está sendo formalizada, até a manutenção de uma relação mais duradoura e saudável entre as partes.
Mas a atuação do advogado não se encerra na elaboração do documento e na assinatura do contrato, sendo sua função a revisão periódica e contínua da relação contratual, de forma a manter a segurança jurídica e garantir a eficácia do trabalho exercido, por várias razões.
A primeira e mais evidente é a constante mudança da legislação e dos entendimentos jurisprudenciais a respeito de situações que podem ou não estar previstas no contrato. Novas legislações e entendimentos dos tribunais podem afetar diretamente os termos de um contrato, tornando algumas cláusulas obsoletas ou até ilegais.
Um bom exemplo de mudança de cenário no ordenamento jurídico é a respeito da utilização do índice de atualização monetária IGP-M para contratos de aluguéis, financiamento e compra e venda. Ocorre que, com a pandemia, o aumento do dólar e a inflação de determinadas commodities, a correção do IGP-M se elevou consideravelmente acima do índice IPCA, o que levou ao surgimento de pareceres de especialistas que apontavam que o IGP-M não era o índice adequado para esses tipos de contratos e, consequentemente, ao surgimento de centenas de ações judiciais que pleiteavam a substituição do índice pelo IPCA.
É certo que não houve um consenso ou pacificação da jurisprudência a respeito da possibilidade ou não de substituição dos índices, mas o fato de várias decisões reconhecerem a possibilidade de substituição do índice demonstra o impacto da mudança do cenário jurisprudencial. Veja-se alguns exemplos:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO – COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL – SUBSTITUIÇÃO DE ÍNDICE IGPM PELO IPCA – TEORIA IMPREVISIBILIDADE – PRESENÇA DOS REQUISITOS – ONEROSIDADE EXCESSIVA COMPROVADA. Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha consolidado o entendimento de que é possível a fixação do IGPM como índice de correção monetária desde que efetivamente pactuado entre as partes, caso demonstrado nos autos a efetiva e significativa disparidade entre os índices, causada por circunstância anormal e imprevisível, é imprescindível a substituição do índice de atualização monetária contratado.1
APELAÇÃO – REVISÃO CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO – SUBSTITUIÇÃO DO ÍNDICE IGPM PELO IPCA – POSSIBILIDADE – Sendo certo que os efeitos da Pandemia (COVID-19) impactam a sociedade de maneira geral, de rigor o provimento do recurso, para o fim de determinar o reajuste pelo IPCA, a incidir sobre as parcelas vincendas do contrato de financiamento imobiliário. RECURSO PROVIDO.2
Foi ainda criado o PL 1026/21, em trâmite na Câmara dos Deputados, com a intenção de determinar que o índice de correção dos contratos de locação residencial e comercial não seja superior ao índice oficial de inflação do país – IPCA, além da ADPF 869, que não chegou a ser conhecida, mas que também tinha objetivo semelhante.
Os questionamentos sobre o tema, ainda atual, e a mudança do entendimento jurisprudencial são evidências da necessidade da participação de um advogado na revisão de contratos, de forma a evitar disputas jurídicas e manter o contrato atualizado, garantindo que permaneça firme e válido de acordo com o cenário vigente.
Outra razão para a revisão periódica de contratos é justamente o surgimento de novas situações e cenários diferentes de quando o contrato foi redigido, não necessariamente relacionadas a mudanças no ordenamento jurídico. Uma crise financeira global, ou mesmo de uma das partes do contrato, uma pandemia como a de COVID-19, ou o surgimento de novas tecnologias, por exemplo, são situações por vezes imprevisíveis ou subestimadas, que alteram o equilíbrio, riscos e até a viabilidade do negócio, tornando necessária a revisão de tempos em tempos, especialmente para contratos de longo prazo.
Também não se pode descartar a possibilidade de o contrato, ainda que elaborado com o auxílio de um advogado especializado, não prever certas situações. Embora seja papel do advogado utilizar sua experiência para imaginar e criar os mais diversos cenários de disputas e imbróglios que possam surgir do contrato, na prática é muito comum ocorrerem situações não pensadas na época, seja por malícia das partes ao tentarem burlar ou criar brechas, ou mesmo por se tratar de uma situação verdadeiramente rara e excepcional que possa vir a ocorrer.
Um exemplo em que isso pode acontecer é um contrato de locação comercial de imóvel que, porventura, venha a ser objeto de desapropriação com urgência por algum órgão público. Trata-se de uma situação tão excepcional que dificilmente algum contrato preveja tal hipótese e defina as responsabilidades sobre eventuais danos e problemas que possam surgir, gerando possíveis disputas judiciais. Nesse cenário, seria relevante que o modelo de contrato utilizado pelo locador fosse adaptado para prever cenários como esse.
Na medida em que situações como essas ocorrerem, é importante ajustar o contrato ou o modelo padrão utilizado pela pessoa para se adaptar a essa ocorrência e evitar novos problemas que possam surgir.
Por fim, outra razão para a revisão de contratos é o fortalecimento das relações comerciais. Com a revisão de um contrato, surge uma ótima oportunidade para as partes dialogarem e ajustarem situações que podem não estar funcionando bem, ou mesmo criar novos negócios que surjam justamente pela boa relação que se construiu.
A revisão contratual é uma prática indispensável para qualquer pessoa que deseje manter a segurança jurídica e garantir a eficácia de seus contratos. Ao adaptar os termos às mudanças legais e de mercado, identificar riscos, esclarecer ambiguidades e fortalecer relações comerciais, as partes podem evitar conflitos e promover um ambiente de negócios saudável e sustentável.
Portanto, integrar a revisão periódica de contratos à rotina não é apenas uma boa prática, mas também uma necessidade estratégica para o sucesso.
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TJ-MG – AC: 50231248320218130702, Relator: Des.(a) Alexandre Victor de Carvalho, Data de Julgamento: 05/07/2023, 21ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 06/07/2023
2 TJ-SP – AC: 10008553820218260450 SP 1000855-38.2021.8.26.0450, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 13/10/2021, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/10/2021
Fonte: Migalhas
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