Quais as consequências jurídicas de um contrato de compra e venda de imóvel consubstanciado em lote desprovido de registro perante o cartório de imóveis?
Com efeito, a Lei 6.766/1979, em seu artigo 2º, dispõe que o parcelamento do solo pode ser feito mediante loteamento ou desmembramento, sendo aplicado em situações de expansão regional, visando à ocupação ordenada do solo, à prevenção de irregularidade e à garantia da infraestrutura básica necessária.
O loteamento resta configurado com a subdivisão da gleba em lotes destinados à edificação, com a abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
Por sua vez, o desmembramento resta configurado com a subdivisão da gleba em lotes destinados à edificação com aproveitamento do sistema viário já existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
Como consectário do loteamento, o imóvel consubstanciado no lote corresponde ao terreno servido de infraestrutura básica, tal como escoamento de águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação, cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos no Plano Diretor ou lei municipal.
Para que ocorra o surgimento regular e válido da figura do loteamento, afigura-se indispensável que o respectivo projeto seja aprovado pela prefeitura municipal e levado a registro perante o cartório de imóveis, dentro de 180 dias, sob pena de caducidade da aprovação.
No entanto, a Lei 6.766/1979 contém preceitos conflitantes, eis que: (1) em seu artigo 37, há a regra de que é vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado; e (2) em seu artigo 38, há a regra de que, verificado que o loteamento ou desmembramento não se acha registrado, deverá o adquirente suspender o pagamento das prestações e notificar o loteador para suprir tal falta.
A partir dos aspectos teleológico e finalístico da Lei 6.766/1979, verifica-se que a compra e venda de lote pressupõe, obrigatória e necessariamente, o prévio registro perante o cartório de imóveis, evitando-se a figura deletéria do loteamento irregular ou clandestino.
Isso porque o loteamento irregular ou clandestino gera desarticulação do sistema viário, dificultando o acesso de ônibus, ambulâncias, viaturas policiais e caminhões de coleta de lixo; a formação de bairros sujeitos a erosão e alagamentos, assoreamento de rios, lagos e mares; a ausência de espaços públicos para implantação de equipamentos de saúde, educação, lazer e segurança; comprometimento dos mananciais de abastecimento de água e do lençol freático; as ligações clandestinas de energia elétrica, resultando em riscos de acidentes e incêndios; a expansão horizontal excessiva da malha urbana, ocasionando elevados ônus para o orçamento público.
Sem se falar que a venda de loteamento irregular pode redundar no locupletamento ilícito em prejuízo aos adquirentes de lotes, podendo alcançar pessoas de baixo nível econômico e educacional que alimentam o sonho da casa própria.
Nulidade
Neste contexto, o Superior Tribunal de Justiça tem posição pacífica de que o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel loteado sem o devido registro do loteamento é nulo de pleno direito.
Em 8/10/2024, no REsp 2.166.273, a 3ª Turma do STJ decidiu que, não tendo o loteador nem requisitado a aprovação do loteamento perante a prefeitura municipal e iniciado mesmo assim a urbanização deste, está-se diante do chamado loteamento clandestino, de modo que o objeto do contrato de compra e venda de lote não registrado é absolutamente ilícito, pois a Lei 6.766/1979 objetiva exatamente coibir os nefastos efeitos ambientais e sociais do loteamento irregular.
Reafirmou-se, portanto, a orientação tradicional de que o contrato de compra e venda de lote não registrado é nulo, se o loteador não adotou as medidas necessárias para a regularização do loteamento (REsp 1.025.552 e REsp 1.304.370).
Fonte: Conjur
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