O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é principal fonte de arrecadação dos estados federados e do Distrito Federal, embora seja, ao mesmo tempo, considerado um dos impostos de maior complexidade no Sistema Tributário Nacional, exigindo a edição de normas ordinárias e regulamentadoras por cada ente federativo.
Com o objetivo de aperfeiçoar a arrecadação do ICMS, o legislador constituinte derivado promulgou a Emenda Constitucional nº 3/1993, que incluiu o §7º no artigo 150 da Constituição Federal de 1988, prevendo que a lei (estadual e distrital) poderá atribuir ao sujeito passivo da obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, restando-lhe assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso o fato gerador presumido não se concretize.
A inclusão dessa norma constitucional resultou em dois pontos importantes relativos ao ICMS: (1) o regime de substituição tributária entre contribuintes; e (2) o direito à restituição do imposto pelo contribuinte substituído.
Por sua vez, tais pontos foram analisados no julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.849/MG pelo Supremo Tribunal Federal, dando azo ao Tema nº 201 de Repercussão Geral, em que foi reconhecido o direito do contribuinte substituído de ver restituído o ICMS pago a maior, nos casos em que a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.
Diante deste contexto, os entes federados instituíram normas procedimentais para regular a forma de restituição do imposto, estabelecendo critérios próprios. Um exemplo é a legislação do estado de São Paulo, a qual permite que o pedido de restituição seja realizado diretamente ao contribuinte substituto, ocasião em que a Fazenda Pública atua como mera intermediária no procedimento administrativo.
Assim, o presente artigo abordará os limites da aplicação do Tema nº 201 do STF relativamente aos procedimentos de restituição do ICMS-ST em favor do contribuinte substituído, com ênfase na norma estadual paulista.
Ressarcimento: processo, diretrizes e modalidades
A substituição tributária para frente é um regime de arrecadação de tributos, especialmente do ICMS (ICMS-ST). Nesse sistema, um contribuinte (geralmente a indústria ou o importador) assume a responsabilidade de recolher o imposto não apenas sobre sua própria operação, mas também sobre as operações subsequentes ao longo da cadeia de comercialização, até o consumidor final.
Em outras palavras, o imposto que seria pago ao longo de cada etapa de produção e venda é antecipado por um único contribuinte, no início da cadeia, evitando que o tributo seja recolhido várias vezes por diferentes contribuintes em fases posteriores.
No entanto, existem situações em que o valor do ICMS efetivamente pago sobre uma operação final é menor do que o valor recolhido antecipadamente, possibilitando ao contribuinte substituído o direito à restituição da diferença do ICMS recolhido, conforme previsão dos artigos 150, 7º, da CF/88, 10 da Lei Complementar nº 87/1996, bem como da tese firmada pelo STF no Tema nº 201.
Assim, havendo direito à restituição do imposto, o contribuinte poderá solicitar a devolução da quantia paga indevidamente, conforme as normas emanadas pelo respectivo ente federado.
No âmbito do estado de São Paulo, a legislação garante ao contribuinte substituído o direito de restituir-se da diferença do imposto pago a maior nas operações sujeitas ao ICMS-ST, quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida, conforme artigos 66-B da Lei nº 6.374/1989, 269 e 270 do RICMS/SP, desde que observada a disciplina estabelecida pela Secretaria Estadual da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP).
Por sua vez, objetivando regulamentar os dispositivos legais ora mencionados e estabelecer as normas procedimentais para a restituição do ICMS-ST, a Sefaz-SP expediu a Portaria CAT nº 42/2018, que define as diretrizes para o complemento e o ressarcimento do imposto retido ou antecipado pelo substituto tributário.
A referida portaria estabelece cinco modalidades de ressarcimento, previstas no artigo 20, sendo uma delas a disposta no inciso III, que permite ao contribuinte substituído solicitar o pedido de restituição do ICMS-ST diretamente ao substituto tributário, o qual deverá efetuar o depósito na conta bancária do requerente, e não à Fazenda Pública, que é a real detentora dos valores arrecadados a título de imposto.
Extrapolação
A preocupação dos contribuintes, sobretudo dos substitutos tributários, surge com a questão relativa à responsabilização imposta a eles, ante a suposta legalidade do conteúdo do artigo 270, III, do RICMS/SP, reproduzida no mencionado artigo 20, III, da referida portaria.
Os referidos dispositivos indicam que o pedido de restituição deve ser realizado por meio do preenchimento de formulário disponibilizado pela Sefaz-SP pelo contribuinte substituído em sistema eletrônico próprio (“e-Ressarcimento”), oportunidade na qual o órgão fazendário atuará como mero intermediário, deferindo ou não o pedido formulado. Na hipótese de autorização, será expedida notificação eletrônica autorizativa para a transferência da restituição ao estabelecimento destinatário (substituto).
Assim, com base na aludida previsão normativa, tem-se tornado comum o pedido de restituição do ICMS-ST pelos contribuintes substituídos diretamente aos contribuintes substitutos. Não havendo o pagamento por estes, tem havido a judicialização com ações de cobrança – sendo a lógica da norma paulista, por vezes, acolhida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Ocorre que este cenário estabelecido pelo estado de São Paulo e respaldado por algumas decisões judiciais acaba por extrapolar os limites impostos pelo STF, quando do julgamento do Tema nº 201 de Repercussão Geral, no que diz respeito à forma de operacionalização da restituição do ICMS-ST, além de ultrapassar o princípio da legalidade.
Esta situação ocorre pelo fato de que a Corte Suprema, ao assegurar ao contribuinte o direito de restituir a diferença do ICMS pago a maior no regime de substituição tributária para frente, pontuou que o direito à restituição está condicionado aos procedimentos feitos pelos contribuintes substituídos diretamente à Fazenda Pública Estadual – e não junto aos substitutos tributários –, em virtude da ausência de lei que os responsabilize para estes fins.
Nesse sentido, o artigo 10 da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), ao tratar da restituição do imposto pago por força da substituição tributária, não fez qualquer referência à obrigação do substituto tributário em realizar o ressarcimento; ao contrário, estabeleceu que, caso o pedido de restituição não seja deliberado no prazo legal, o contribuinte substituído poderá creditar-se em sua escrita fiscal.
Desse modo, tem-se que a relação jurídica para fins de creditamento em nada envolve o substituto tributário, de forma que a sua responsabilização por meio de atos normativos infralegais configura evidente violação ao princípio da legalidade.
Percebe-se, pois, que a decisão judicial que obriga o contribuinte substituto a arcar com a restituição do imposto, em vez do ente tributante, transforma o Poder Judiciário em legislador positivo, violando o princípio da separação de poderes.
Assim, a responsabilização do contribuinte substituto em tais hipóteses depende de edição de norma específica neste sentido pelo Poder Legislativo, de modo que, em não havendo, não deve o estado federado impô-la livremente, sobretudo mediante portaria estadual, ante a extrapolação de seu poder regulamentar. Tampouco pode o Poder Judiciário respaldá-la, mediante a prolação de decisões que não estejam em consonância com a jurisprudência dos tribunais superiores.
Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça, analisando casos em que o contribuinte substituído requereu a restituição do ICMS-ST diretamente para o contribuinte substituto, firmou o entendimento de que, na substituição tributária, o substituto não poderá substituir o Estado para restituir ao substituído a exação supostamente indevida.
Prerrogativa do contribuinte substituído
Portanto, os artigos 270, III, do RICMS/SP, e 20, III, da Portaria CAT nº 42/2018, ao atribuírem ao contribuinte substituto a responsabilidade pela restituição do ICMS-ST ao contribuinte substituído, refletem notória ilegalidade da legislação estadual, além de contrariar o entendimento do STF ao firmar a tese no Tema nº 201 de Repercussão Geral.
Diante do que se extrai do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema nº 201 de Repercussão Geral, o contribuinte substituído tem o direito de pleitear a restituição da diferença do ICMS-ST pago a maior, nos casos em que a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.
Embora o direito à restituição esteja assegurado ao contribuinte substituído, o STF estabeleceu que a relação de restituição deve ocorrer diretamente entre o contribuinte substituído e o Estado, sem que a responsabilidade por restituir valores pagos indevidamente recaia sobre o contribuinte substituto.
A legislação do estado de São Paulo, que impõe essa responsabilidade ao substituto por meio de atos normativos infralegais, contraria o princípio da legalidade e extrapola os limites estabelecidos pelo STF.
Ademais, decisões judiciais que validam tal prática configuram uma violação ao princípio da separação de poderes, transformando o Poder Judiciário em legislador positivo, o que não é permitido no ordenamento jurídico brasileiro.
Em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a relação de restituição deve envolver apenas o Estado e o contribuinte substituído, sendo responsabilidade do ente federado garantir o correto ressarcimento dos valores de ICMS pagos indevidamente, conforme previsto na Lei Complementar nº 87/1996 e nos precedentes firmados pelos tribunais superiores.
Este entendimento está em conformidade com a lógica do regime de substituição tributária estabelecida no Tema nº 2001 de repercussão geral e evita interpretações equivocadas, tanto dos contribuintes quanto do Poder Público, preservando a segurança jurídica em âmbito tributário.
Fonte: Conjur
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