Com o avanço inevitável da digitalização das nossas vidas a questão dos chamados “bens digitais” e sua inclusão nos processos de inventário, tanto judicial quanto extrajudicial se tornou uma inafastável consequência. Depois da Pandemia do COVID-19 quem ainda não havia voltado a atenção para a importância do meio digital teve que se dar conta que muito mais que facilidade e opção, transitar no mundo digital se tornou necessário, essencial, vital. Construir carreira, ganhar notoriedade, autoridade, trabalhar, estudar, interagir, enfim, viver no meio digital é realidade – e ouso dizer que a cada dia que passa a distinção da vida “real” e da vida “digital” começa a deixar de fazer sentido. Não estar no mundo digital significa estar à margem de tudo, praticamente…

Para esse rápido ensaio consideraremos “Bens Digitais” contas em redes sociais, arquivos armazenados em nuvem, criptomoedas, direitos autorais sobre conteúdos digitais e até mesmo ativos econômicos gerados por plataformas online. Mesmo sendo “digitais”, porventura não materializados, não nos parece restar dúvidas de que tais bens possuem valor afetivo e econômico significativo, o que faz surgir a questão sobre a possibilidade de sua inclusão em INVENTÁRIO e distribuição através PARTILHA após o falecimento do titular destes “bens”.

Ainda que sem uma regulamentação específica consolidada no Brasil, não parece adequado retirar destes bens sua evidente importância afetiva e até mesmo econômica. Nos parece muito evidente que a tendência é que esses bens devam mesmo tratados como parte do patrimônio do falecido, passíveis de serem incluídos no inventário e partilhados entre os herdeiros – inclusive em sede de INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. Para tanto se mostra necessário uma análise cuidadosa para determinar seu valor e a forma adequada de partilha, considerando tanto o aspecto econômico quanto o afetivo, mas o que não parece prosperar, de fato, é negar a possibilidade da sua inclusão em inventário, como aponta o Professor e Especialista, BRUNO ZAMPIER (Bens Digitais. 2021):

“Os bens digitais poderiam ser objeto de sucessão? Indubitavelmente sim, especialmente se o ativo tem caráter patrimonial. A solução mais acertada, em respeito aos direitos fundamentais e aos cânones do direito sucessório, é permitir que haja transmissão de seu patrimônio digital aos herdeiros, seja pela via testamentária ou legítima. Para tanto, há que se ter o cuidado de arrolar tais bens nos inventários que forem abertos, permitindo-se que o Estado chancele tal transmissibilidade”.
Nessa mesma linha o Enunciado 687 do Conselho da Justiça Federal:

“O patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido, admitindo-se, ainda, sua disposição na forma testamentária ou por codicilo”.
No Inventário Extrajudicial a partilha de bens digitais, da mesma forma que na Justiça, não deve causar espanto nem estranheza aos ilustres Tabeliães, desde que naturalmente os requisitos da Lei 11.441/2007 com suas modificações estejam devidamente cumpridos. A presença de um Advogado no Inventário Extrajudicial é obrigatória e visa garantir que todos os aspectos legais sejam observados. Os herdeiros devem apresentar documentação que comprove a existência e o valor dos bens digitais, assim como qualquer instrução deixada pelo falecido sobre o destino desses bens. Da mesma forma como ocorre com os demais bens, o Fisco deve também se manifestar acerca da tributação devida pela transmissão.

Um ponto importante na partilha de bens digitais é a questão da importância econômica de certos bens digitais, como criptomoedas, milhas aéreas ou direitos autorais sobre conteúdos monetizados. Tudo deve se adequadamente avaliado para fins de Inventário e Partilha. Isso pode exigir a contratação de especialistas para determinar o valor justo de mercado desses ativos. A avaliação correta é essencial para uma partilha equitativa entre os herdeiros e para o cumprimento das obrigações fiscais associadas ao inventário.

Em suma, a inclusão de bens digitais no Inventário – seja ele judicial, seja extrajudicial – deve ser admitida já que a “vida digital” se faz presente na nossa “vida real”, sendo certo que a diferença entre elas vai se dissolvendo cada dia mais. Embora ainda existam desafios e lacunas na legislação, o tratamento desses bens como parte do patrimônio do falecido é um passo importante para garantir que todos os aspectos de seu legado, tanto afetivos quanto econômicos, sejam respeitados e devidamente partilhados entre os herdeiros. A acerta decisão do TJSP é também nesse sentido:

“TJSP. 1017379-58 .2022.8.26.0068. J. em: 26/04/2024. ALVARÁ JUDICIAL. Sentença de improcedência. Insurgência da autora. Pretensão da herdeira de acesso a arquivos digitais da filha falecida. Patrimônio digital da pessoa falecida pode integrar o espólio e, assim, ser objeto de sucessão. Enunciado 687 CJF. Memória digital de interesse afetivo da herdeira. Garantia ao direito de herança. Precedentes. Reforma da sentença para determinar a transferência à autora de acesso ao” ID Apple “da falecida, observada a necessidade de fornecimento dos dados solicitados pela ré. RECURSO PROVIDO”.

Fonte: Julio Martins

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