As atividades humanas, principalmente através das emissões de gases de efeito estufa, inequivocamente causaram o aquecimento global, com a temperatura da superfície global atingindo um valor 1,1ºC mais alto entre 2011-2020 do que no período de 1850-1900. É essa a conclusão do sexto relatório sobre mudanças climáticas do IPCC.

De acordo com o relatório, as emissões globais de gases de efeito estufa continuaram a aumentar no período de 2010 a 2019, com contribuições históricas e correntes desiguais decorrentes do uso insustentável de energia, do uso da terra e da mudança no uso da terra, dos estilos de vida e dos padrões de consumo e produção entre regiões, entre países e dentro deles, e entre indivíduos.

É importante ressaltar que é a sexta avaliação realizada pelo grupo convocado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e, ao contrário dos estudos anteriores, nesta última versão é eliminada toda e qualquer dúvida sobre quem ou o que é responsável pelo aquecimento global, (Sarlet, Wedy, Fersterseifer).

Diante disso, restringir o aquecimento a 1,5°C e 2°C envolve soluções rápidas, e, na maioria dos casos, imediatas das emissões de gases de efeito estufa. É possível atingir emissões líquidas zero de CO2 e de GEE por meio de criteriosas metodologias de reduções em todos os setores da sociedade.

Neste contexto, o mercado de carbono tornou-se, portanto o foco principal de formuladores de políticas e organizações que buscam reduzir suas emissões de GEE e mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

No entanto, um dos pilares desse mercado é a adicionalidade, pois é ela que garantirá a integridade ambiental do crédito de carbono, e assegura que as reduções de emissões representadas pelos créditos não teriam ocorrido sem a existência do projeto.

Diante da importância da adicionalidade, este artigo se propõe a discutir os principais fundamentos conceituais da adicionalidade, suas tipologias, os desafios metodológicos para a demonstração e os riscos decorrentes de uma aplicação ineficiente, uma vez que a constatação da integridade da adicionalidade é essencial para evitar a chamada “mitigação fictícia”, o que comprometeria o balanço global de emissões.

Conceito de adicionalidade

A adicionalidade é a demonstração de que a mitigação das emissões de CO² não teria ocorrido na ausência do projeto de carbono, ou seja, todos os projetos de crédito de carbono, devem demonstrar que são adicionais ao que teria ocorrido em um cenário de manutenção do status quo.

Em outras palavras, conforme Prolo, ser adicional significa que as reduções e remoções de emissões de GEE associadas a um crédito de carbono não teriam ocorrido sem os incentivos e/ou recursos fornecidos pelo projeto de carbono.

Ou seja, a metodologia de apuração da adicionalidade implica a construção de um cenário contrafactual (baseline), que representa o curso provável das emissões caso o projeto não fosse implementado.

Determina-se a adicionalidade por meio da avaliação do projeto, se ele é distinto de seu cenário de base. Caso o projeto não seja adicional (ou seja, teria sido realizado independentemente das receitas de créditos de carbono), então a intervenção e seu cenário de base seriam, em princípio, o mesmo.

O cenário de base é uma previsão do comportamento futuro dos atores que propõem e são afetados pelas atividades de um projeto na ausência de quaisquer incentivos de receita de carbono, mantendo todos os outros fatores constantes. Em outras palavras, o que aconteceria sem a receita esperada da venda de créditos emitidos? Esse cenário é a linha de base.

A adicionalidade de um projeto é essencial para a qualidade dos créditos de carbono. Se forem emitidos créditos para projetos que não sejam adicionais, comprá-los em vez de reduzir as emissões agravará as mudanças climáticas, porque o total de emissões para a atmosfera seria menor se o comprador simplesmente tivesse reduzido suas emissões.

No entanto, realizar a análise da adicionalidade pode parecer mais difícil do que parece, pois não é tarefa fácil saber se o projeto de fato só existe por conta do incentivo financeiro dos créditos de carbono. Ou seja, se o projeto só foi elaborado porque geraria créditos, o que é o critério de adicionalidade.

As vezes as atividades de um projeto são exigidas por lei. Em outros casos, investimentos que reduzem emissões serão feitos simplesmente porque são lucrativos, sem qualquer consideração da receita potencial dos créditos de carbono. Por exemplo, um investimento em iluminação de economia de energia, pode se pagar por meio de custos de energia evitados. Da mesma forma, tecnologias de energia renovável, como eólica e solar, são frequentemente competitivas em termos de custo com combustíveis fósseis sem receita de vendas de créditos de carbono. Para que um projeto proposto seja considerado adicional, a expectativa de vender créditos de carbono deve desempenhar um papel decisivo (“decisivo”) na decisão de implementá-lo.

O gráfico a cima demonstra a adicionalidade em projetos de sequestro de carbono, comparando os três elementos a serem observados ao longo do tempo.

A linha pontilhada é a baseline, que representa o cenário de referência, a quantidade de carbono que seria armazenada naturalmente, sem a intervenção de um projeto de carbono, é o business as usual.

A linha verde indica o resultado alcançado com a intervenção do projeto, demonstrando um sequestro de carbono maior em comparação ao cenário base.

A área verde clara representa a adicionalidade propriamente dita, a diferença positiva entre a baseline e o que foi sequestrado. É essa a área que deve ser contabilizada como credito de carbono, pois é ela que demonstra a integridade ambiental do projeto, sem ela não haveria crédito legitimo a ser emitido.

Tipologias de adicionalidade

É muito comum ouvir discussões sobre diferentes “tipos” de adicionalidade, usando termos como “adicionalidade financeira” ou “adicionalidade regulatória” etc, como se fossem conceitos distintos. No entanto, essa diferenciação não se faz muito importante, pois a definição de adicionalidade relevante para a qualidade do crédito é causal, ou seja, a causalidade direta entre a expectativa de receita com créditos e a implementação do projeto. Considerações jurídicas e financeiras entram em jogo ao se fazer determinações sobre adicionalidade, mas não são categorias de definição distintas para o que significa para um projeto proposto ser “adicional”. No entanto, traremos a seguir as diversas abordagens que são comumente utilizadas nas produções acadêmicas para categorizar a adicionalidade:

  • Adicionalidade Financeira, o projeto só é viável economicamente com a receita dos créditos.
  • Adicionalidade legal ou regulatória: o projeto excede as obrigações normativas existentes, não sendo compulsório.
  • Adicionalidade prática ou tecnológica: a tecnologia empregada não seria adotada espontaneamente por barreiras de mercado, institucionais ou operacionais.
  • Adicionalidade social: relacionada aos impactos sociais positivos que não ocorreriam sem o projeto.

Desafios metodológicos

Como se sabe, os projetos de compensação de carbono desempenham um papel essencial, e é por meio da emissão de crédito de carbono, que os diversos atores da sociedade equilibram suas pegadas de carbono, diante disso, é essencial garantir que esses projetos atendam ao critério de integridade, e não sejam apenas “greenwashing”.

No entanto, a demonstração da adicionalidade enfrenta limitações empíricas e teóricas. Primeiramente, há incerteza intrínseca na construção de cenários contrafactuais, os quais dependem de premissas que podem ser manipuladas para gerar aparência de adicionalidade. Além disso, a pressão por escala nos mercados voluntários tende a flexibilizar critérios de rigor, permitindo a certificação de projetos cuja efetividade climática possa parecer duvidosa.

Um projeto para ser adicional deve superar as barreiras que podem impedir sua implementação em um cenário de “business as usual” (negócio usual), obstáculos esses que podem ser desde fatores financeiros, tecnológicos, institucionais, ecológicos e sociais.

Métodos baseados em projetos e métodos baseados em padrões são duas abordagens comuns para avaliar a adicionalidade. O método baseado em projetos considera as circunstâncias e barreiras únicas enfrentadas por projetos individuais.

Em contraste, o método baseado em padrões compara o desempenho de um projeto com uma linha de base predefinida ou um benchmark do setor. Selecionar um método e protocolo adequados para um determinado projeto é fundamental, pois impacta diretamente a credibilidade e a eficácia do projeto.

A adicionalidade de certos projetos de compensação de carbono é bastante debatida, e isso se deve por conta de possíveis consequências negativas que podem surgir de sua implementação. Diante disso, é crucial que as organizações que buscam investir em créditos de carbono estejam cientes dessas controvérsias e avaliem cuidadosamente a adicionalidade dos projetos para garantir que suas metas de sustentabilidade sejam cumpridas de forma eficaz.

Riscos e impactos da não adicionalidade

A aceitação de projetos não adicionais compromete a integridade do mercado de carbono. Se uma empresa compra créditos gerados por atividades que ocorreriam de qualquer forma, ela não está compensando efetivamente suas emissões, mas apenas financiando uma atividade corriqueira.

Por exemplo, grandes projetos hidrelétricos enfrentam críticas devido aos seus potenciais impactos ambientais negativos. A construção de barragens e outras infraestruturas hidrelétricas pode levar à destruição de habitats, à perda de biodiversidade e ao deslocamento de comunidades locais. Além disso, grandes reservatórios podem produzir emissões significativas de metano devido à decomposição de matéria orgânica na água, o que contribui ainda mais para as mudanças climáticas.[1] Fatores como esses tornam a adicionalidade de grandes projetos hidrelétricos um tema de debate entre especialistas. O que pode distorcer os incentivos climáticos e minar a confiança nos mecanismos de precificação de carbono.

Conclusão

A adicionalidade é uma condição necessária, embora não suficiente, para garantir que os créditos de carbono representem benefícios reais e mensuráveis para o clima. Seu fortalecimento exige a aplicação de critérios técnicos rigorosos de demonstração causal, com validação independente, transparência na construção de cenários de referência e aprimoramento contínuo dos parâmetros normativos. O futuro dos mercados de carbono depende diretamente da qualidade ambiental dos ativos transacionados, sendo a adicionalidade o primeiro teste de sua integridade.

Referências
CARBONBETTER. Additionality of Carbon Offset Projects. 2023.Disponivel em: https://carbonbetter.com/story/additionality/. Acesso em: 15. Abril 2025.

CARBON OFFSET GUIDE. Additionality. Stockholm Environment Institute and Greenhouse Gas Management Institute, 2023. Disponível em: https://offsetguide.org/high-quality-offsets/additionality/.

IPCC, 2023: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, H. Lee and J. Romero (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, pp. 1-34, doi: 10.59327/IPCC/AR6-9789291691647.001.

PROLO, C. Adicionalidade: o coração do crédito de carbono. Valor Investe, 2023. Disponível em: https://valorinveste.globo.com/blogs/caroline-prolo/coluna/adicionalidade-o-coracao-do-credito-de-carbono.ghtml. Acesso em: 15 abril, 2025.

SARLET. Ingo Wolfgang, WEDY, Gabriel, FENSTERSEIFER, Tiago. Litígios climáticos e direitos fundamentais no Brasil Climate litigation and fundamental rights in Brazil.

Fonte: Conjur

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