O artigo analisa o PL 4/25, que propõe ampliar as funções dos cartórios no novo CC, promovendo desjudicialização, segurança jurídica e eficiência no acesso à justiça
O PL 4/25, atualmente em análise no Senado Federal, propõe uma ampla reformulação do CC brasileiro. Trata-se ainda de uma iniciativa embrionária, formulada por comissão de juristas e sujeita a um processo legislativo complexo e de longo prazo, que certamente será objeto de intenso debate político, jurídico e social. Por se tratar de um projeto ainda em fase inicial, é possível – e até provável – que diversas de suas proposições sejam alteradas até sua eventual aprovação definitiva.
Mesmo assim, o texto apresentado oferece importantes indicativos sobre as diretrizes desejadas para o futuro da legislação civil brasileira, especialmente no que diz respeito à valorização dos serviços extrajudiciais e ao fortalecimento das competências dos cartórios. As medidas ali propostas se alinham com tendências contemporâneas de desjudicialização e eficiência procedimental, buscando maior segurança jurídica, celeridade e racionalidade administrativa.
Escritura pública e fortalecimento da segurança jurídico-patrimonial
Uma das mudanças mais significativas previstas no projeto é a obrigatoriedade de escritura pública para todas as transações imobiliárias, independentemente do valor envolvido. No CC atualmente em vigor, o art. 215 estabelece que o instrumento público é obrigatório para a validade de determinados atos jurídicos, como a compra e venda de imóveis com valor superior a 30 salários mínimos, servindo como meio legal de prova plena.
A proposta do novo CC aprofunda essa concepção ao estender a exigência da escritura pública a todas as transações imobiliárias, conferindo-lhe caráter universal. A medida visa proporcionar maior segurança jurídica aos atos negociais, assegurando que todas as partes envolvidas tenham plena ciência do conteúdo e das consequências jurídicas do negócio. Isso se coaduna com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, além de reforçar a fé pública do notário, que atesta a identidade, a vontade e a capacidade dos contratantes.
Essa ampliação da obrigatoriedade de escritura contribui significativamente para prevenir litígios futuros, reduzir fraudes documentais e fortalecer o sistema registral brasileiro. Além disso, torna o procedimento mais acessível e padronizado, permitindo maior transparência e previsibilidade nas operações imobiliárias.
Divórcio e dissolução de união estável por via unilateral: Implicações e benefícios
Outra inovação relevante consiste na atribuição aos cartórios da competência para realizar divórcios e dissoluções de união estável mesmo de maneira unilateral. Atualmente, esses procedimentos extrajudiciais dependem do consenso entre as partes. A proposta rompe com essa exigência, permitindo que, mesmo diante de uma vontade unilateral, o procedimento possa ser formalizado extrajudicialmente, desde que não envolva litígio sobre guarda, alimentos ou partilha.
Do ponto de vista jurídico-dogmático, essa inovação reafirma o princípio da autonomia da vontade nas relações familiares e patrimoniais, além de promover o direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade, especialmente em relações conjugais encerradas de fato. O novo modelo contribui para uma abordagem mais eficiente e humanizada das dissoluções familiares, sem que o cidadão precise enfrentar a morosidade e a complexidade de um processo judicial.
Guarda de menores e o papel dos cartórios na efetivação dos direitos fundamentais
O projeto também autoriza expressamente que cartórios possam formalizar acordos de guarda de filhos menores, desde que consensuais. Essa previsão reforça a ideia de que a consensualidade deve ser valorizada e que os instrumentos extrajudiciais podem atender a demandas sensíveis com responsabilidade e segurança.
Constitucionalmente, essa previsão encontra fundamento no art. 227 da CF/88, que consagra a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente. Na medida em que o cartório atua como garantidor da legalidade do acordo, essa mudança permite uma resposta mais ágil aos interesses da criança, evitando longas disputas judiciais quando há acordo entre os genitores.
O notário, como agente dotado de fé pública e habilitado juridicamente, tem a atribuição de aferir a vontade das partes, a legalidade do ato e a preservação do melhor interesse do menor, podendo inclusive recusar o ato caso perceba risco ou vício. Com isso, o sistema extrajudicial se consolida como meio complementar e eficaz de proteção de direitos fundamentais.
Impactos positivos na eficiência e desjudicialização do sistema de justiça
O fortalecimento das competências cartorárias pelo novo CC está alinhado ao princípio da desjudicialização, presente em diversas legislações recentes e consagrado pela atuação do CNJ e da doutrina contemporânea. A transferência de competências consensuais aos cartórios representa um avanço institucional que permite ao Judiciário concentrar esforços em demandas complexas, ao passo que situações rotineiras e de menor complexidade possam ser resolvidas com celeridade e baixo custo social.
Do ponto de vista estrutural, isso significa maior eficiência na gestão pública da justiça, menor custo ao erário e maior satisfação para o cidadão. Do ponto de vista dogmático, representa a concretização dos princípios da eficiência, da dignidade da pessoa humana e do acesso à justiça em sua dimensão material, ampliando as vias legítimas de solução de conflitos.
Considerações finais
A análise jurídico-dogmática evidencia que, embora ainda em estágio embrionário e sujeito a eventuais modificações, o PL 4/25 apresenta uma evolução coerente e benéfica no que se refere à atribuição das competências cartorárias. Ao reforçar a fé pública, valorizar a consensualidade e promover a eficiência, o projeto contribui para a construção de um sistema de justiça mais acessível, moderno e eficaz. A atuação dos cartórios como protagonistas de uma justiça extrajudicial robusta deve ser compreendida como vetor de cidadania e instrumento legítimo de proteção dos direitos civis no século XXI.
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1 BRASIL. Senado Federal. Comissão de Juristas destinada à elaboração de anteprojeto de reforma do Código Civil. Anteprojeto de Lei nº 4/2025. Brasília, 2025. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/. Acesso em: abr. 2025.
Fonte: Migalhas
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