É sabido que os contratos devem ser cumpridos pelos seus sujeitos, sendo fonte de direitos e de obrigações, de acordo com o brocardo latim “pacta sunt servanda”. Por isso que se afirma que o credor tem o direito de receber do devedor tudo aquilo que foi ajustado em contrato, não podendo ser compelido a receber prestação diferente da que foi acordada.
Não havendo cumprimento pelo devedor da obrigação tal como pactuada, é lícito ao credor pedir o cumprimento específico do contrato, caso não prefira a sua resolução, sem prejuízo em ambas as hipóteses das perdas e danos.
A propósito, em um novo cenário do direito contratual em que emergem os princípios da função social, da boa-fé objetiva e da conservação dos negócios jurídicos, por construção doutrinária e jurisprudencial foi desenvolvida a teoria do adimplemento substancial do contrato que aponta o postulado de que, em hipótese de inadimplemento contratual ínfimo ou irrisório, a resolução do contrato deve ser evitada, impedindo-se, pois, a extinção desnecessária do contrato em prol da conservação do negócio jurídico.
Teoria do adimplemento substancial
Vale dizer, a teoria do adimplemento substancial do contrato visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato (REsp nº 1.051.270, relator ministro Luis Felipe Salomão).
Em caso paradigmático sobre este assunto, em que foram examinados os efeitos do inadimplemento contratual pontual da segurada no âmbito do contrato de seguro, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a companhia seguradora não poderia dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio, por três razões, a saber:
- sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeite a prestação quando ocorra o sinistro;
- a segurada cumpriu substancialmente com a sua obrigação, não sendo a sua falta suficiente para extinguir o contrato; e
- a resolução do contrato deve ser requerida em juízo, quando será possível avaliar a importância do inadimplemento, suficiente para a extinção do negócio jurídico (REsp nº 76.362, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).
Por oportuno, no campo contratual há sempre que se levar em conta que a teoria do adimplemento substancial não pode, em hipótese alguma, subverter a finalidade jurídico-econômica que considera o integral e regular cumprimento do contrato o meio normal de extinção das obrigações.
Teoria não aplicável à adjudicação compulsória
Em caso de reafirmação do entendimento do “pacta sunt servanda”, examinando hipótese em que o comprador já efetuara o pagamento do correspondente a 80% do preço total combinado em contrato de compra e venda de imóvel, sem que a vendedora tenha feito a cobrança regular do saldo devedor remanescente, a 3ª Turma do STJ decidiu, em 3 de junho de 2025, que a teoria do adimplemento substancial — a qual busca o equilíbrio de interesses das partes em caso de descumprimento parcial do contrato — é inaplicável à adjudicação compulsória que consubstancia a transferência forçada da propriedade para o nome do comprador (REsp nº 2.207.433, rel. Min. Nancy Andrighi).
Seguindo a máxima ensinada pelo saudoso jurista Carlos Maximiliano de que a interpretação do direito não pode conduzir a resultados absurdos, a aplicação da teoria do adimplemento substancial à adjudicação compulsória pode produzir resultado absolutamente deletério: produzir-se-ia um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais, na medida em que, por meio dela, o promitente comprador poderia obter a regularização da situação do imóvel sem a quitação do preço, sendo tal possibilidade evidentemente incompatível com a boa-fé contratual e com a finalidade jurídico-econômica do contrato de compra e venda.
Isso porque, no âmbito do contrato de compra e venda de imóvel, em regra o comprador somente detém o direito subjetivo de exigir a transferência da propriedade para o seu nome, caso tenha efetuado o pagamento integral do preço, isto é, o exercício do direito à adjudicação compulsória pelo promitente comprador condiciona-se à prévia quitação do preço, não sendo aplicável a teoria do adimplemento substancial, sob pena de subverter a boa-fé objetiva e a finalidade jurídico-econômica da compra e venda.
Fonte: Conjur


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