“Se a necessidade de um ajuste profundo nas faixas do IRPF é tida, atualmente, quase como um consenso no meio jurídico1 – como meio apto a minimamente campo da tributação sobre a renda no Brasil – mesma sorte de consonância não assiste às posições acerca da melhor forma de fazê-lo”
Evolui no Congresso Nacional a tramitação do PL 1087/25, de autoria do Executivo da União, que se predispõe à redução do imposto sobre os rendimentos tributáveis sujeitos à incidência mensal do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) para uma considerável parcela dos contribuintes, e a instituição de nova(s) hipótese(s) de incidência, propensa(s) a alcançar “altas rendas”, por meio do denominado Imposto sobre a Renda das Pessoas Física Mínimo – IRPFM.
A proposta, como consabido, remonta a um desiderato antigo do atual Governo, que sensível aos reclamos em prol do primado da justiça tributária, prometeu – em verdade, desde a campanha eleitoral de 2022 – “isentar” de Imposto de Renda os contribuintes com rendimentos inferiores a R$5.000,00 (cinco mil reais) e enfrentar, de uma vez por todas, o tema da regressividade e as distopias jacentes no entorno desta espécie exacional.
É precedido por este breve contexto que o mais recente parecer do Relator do PL 1087, Dep. Arthur Lira, restou aprovado na Comissão Especial onde tramita a proposta legislativa, trazendo consigo algumas poucas, mas consideráveis novidades. É por ocasião da publicização deste parecer que nos ocorreu a elaboração destas primeiras considerações acerca das pretensas normas de natureza propriamente tributária constantes do documento.
Se a necessidade de um ajuste profundo nas faixas do IRPF é tida, atualmente, como necessária pela ampla maioria dos cidadãos, mesma sorte de consonância não assiste às posições acerca da melhor forma de fazê-lo.
Fato é que a proposta do Executivo de “conceder redução de imposto” apta a reduzir a zero os montantes devidos a este título pelas pessoas físicas que auferem renda mensal de até R$ 5.000,00 (cinco mil reais), e redução parcial gradativa àqueles com renda entre R$5.000,01 (cinco mil reais e um centavo) e R$7.000,00 (sete mil reais) terminou sendo incrementada pelo parecer da lavra do Relator do PL, que ampliou para R$7.300,00 (sete mil e trezentos reais) o teto para fruição da sobredita redução parcial.
A inovação se deveu a entendimento de cunho eminentemente financeiro – quase que contábil – suscitado ao longo dos debates na Comissão Especial, em função do qual concluiu o Relator que a incidência do IRPF “sobre altas rendas” terminaria por engendrar um excesso de arrecadação da ordem de quase 30 bilhões de reais, o que colidiria com a pretensão de neutralidade almejada para o arranjo fiscal da proposta. Assim, esta dita “sobra de arrecadação” terminou servindo, em termos de cálculo, para provisionar o aumento do teto de fruição das reduções parciais do IRPF proposto pelo Relator.
Por sua vez, a espécie idealizada pelo Executivo Federal que, nos termos de sua própria mensagem apresentada quando do encaminhamento da proposta ao Congresso Nacional, apresenta-se como materialidade adstrita à “tributação de altas rendas”, desdobra-se, na verdade, em dois comandos normativos.
O primeiro condiz com a previsão de incidência do alcunhado IRPFM por sobre lucros e dividendos pagos por empresa a uma mesma pessoa física em valores superiores a R$50.000,00 (cinquenta mil reais), ao longo de um mês, em clara derrogação da hipótese de isenção prevista no art. 10 da Lei 9.249/95. Nos termos do pretenso art. 6º-A, a ser incluído na Lei n° 9.250/1995, os valores devidos à título deste imposto estarão sujeitos a retenção na fonte e a uma alíquota padrão de 10% incidente, como visto, sobre a totalidade dos lucros e dividendos distribuídos mensalmente.
A única hipótese de “contenção” prevista para esta hipótese de incidência – auferir lucros e dividendos ao longo do respectivo mês – está acondicionada no art. 16-B do referido texto, em sede do qual se prevê a estipulação de “redutor do imposto”, cuja concessão será devida na hipótese de “a soma da alíquota efetiva de tributação dos lucros da pessoa jurídica com a alíquota efetiva da tributação mínima do IRPF aplicável à pessoa física beneficiária ultrapassa a soma das alíquotas nominais do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas – IRPJ e da contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL”.
Ainda no que concerne à incidência do referido imposto, o texto do PL sugere a inclusão do §4º ao art. 10 da Lei 9.249/95 para prever que os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir de 1º de janeiro de 2026 também ficarão sujeitos à incidência do imposto sobre a renda na fonte à alíquota de 10% (dez por cento) quando pagos, creditados, entregues ou remetidos ao exterior.
Por sua vez, a segunda imposição decorrente da comentada hipótese de incidência diz respeito à previsão do art. 16-A, a ser inserido também na Lei n° 9.250/1995, que prevê a incidência do IRPFM sobre a soma de todos os rendimentos anuais em montante superior a R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais).
As alíquotas incidentes sobre a referida base de cálculo – que após o parecer do Relator foi ressalvada por estritas hipóteses de dedução – variam nos seguintes termos: (i) 10 % (dez por cento) para rendimento bruto superior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais); e (ii) crescente linearmente, de 0% (zero por cento) a 10% (dez por cento) para rendimento bruto entre R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) e R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), sendo calculada mediante a seguinte equação:
“Alíquota % = (REND/60000) – 10, Sendo REND a soma de todos os rendimentos, inclusive os tributados de forma exclusiva ou definitiva, e os isentos ou com alíquota zero ou reduzida, recebidos no ano-calendário, ressalvadas as deduções listadas no §1º do art. 16-A.”
É de se constatar que a composição da base de cálculo da modalidade do IRPFM impingido por sobre rendimentos anuais superiores a R$ 600.000,00 foi, de fato, o ponto de maior alteração sediado no parecer do Relator do PL 1087. É que o §1º do art. 16-A confere incomum amplitude ao conceito de rendimentos tributáveis pelo IRPFM anual, relacionando como componentes da base de cálculo deste imposto tanto os rendimentos tributados de forma exclusiva ou definitiva, como os isentos e os sujeitos à alíquota zero ou reduzida.
Coube, pois, à Comissão Especial elencar novas hipóteses de dedução da base de cálculo, junto às que já constavam do texto do Governo, imediatamente dispostas em seguida à dicção do mencionado §1°. São elas:
A parcela isenta relativa à atividade rural;
Os ganhos de capital, exceto os decorrentes de operações realizadas em bolsa ou no mercado de balcão organizado sujeitas à tributação com base no ganho líquido no Brasil;
Os rendimentos recebidos acumuladamente tributados exclusivamente na fonte, de que trata o art. 12-A da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, desde que o contribuinte não tenha optado pelo ajuste anual de que trata o § 5º do referido artigo;
Os valores recebidos por doação em adiantamento da legítima ou herança;
Os rendimentos auferidos em contas de depósitos de poupança, e a remuneração produzida pelos seguintes títulos e valores mobiliários;
Os rendimentos distribuídos pelos Fundos de Investimento Imobiliário e pelos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), cujas cotas sejam admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado e que possuam, no mínimo, 100 (cem) cotistas;
Os valores recebidos a título de indenização por acidente de trabalho, por danos materiais ou morais, ressalvados os lucros cessantes;
Os rendimentos isentos de que trata o art. 6º, caput, incisos XIV e XXI, da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988;
Os rendimentos de títulos e valores mobiliários isentos ou sujeitos à alíquota zero do imposto sobre a renda, exceto os rendimentos de ações e demais participações societárias; e IX – os lucros e dividendos relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025 quando a distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro de 2025, desde que seu pagamento, crédito, emprego ou entrega tenha ocorrido nos termos originalmente previstos no ato de aprovação.
Estas são, numerus clausus, as hipóteses que o texto aprovado pela Comissão Especial do PL 1087/25 previu como de possível afastamento da base de cálculo da nova materialidade pretendida. Para além destes ditos rendimentos, toda e qualquer outra espécie de renda auferida servirá ao computo da base de cálculo do IRPFM anual, não havendo, pelo menos até o presente momento de tramitação da proposta, outras hipóteses de dedução da base de cálculo.
Ainda constam do parágrafo 3º do art. 16-A as hipóteses que, apurado o valor devido à título de imposto, nos termos do §1° (com a multiplicação da alíquota progressiva pela base de cálculo alcançada), os valores a elas correspondentes poderão ser deduzidos do montante encontrado e, sendo o valor encontrado negativo, o quantum devido a título de tributação mínima do IRPF será zero (§4º).
Por fim, o parágrafo 5º do art. 16-A prevê que, não sendo negativo a apuração do valor do imposto, encontrado nos termos dos parágrafos 3º e 4º, deverá ser deduzido, ainda, o montante correspondente ao IRPFM retido na fonte, nos termos do já tratado art. 6º-A – isto é, o IRPFM mensal incidente sobre lucros e dividendos superiores a R$600.000,00. O resultado, positivo ou negativo, fruto desta última sorte de abatimento, nos termos do §6º do art. 16-A, será adicionado ao saldo do imposto, a pagar ou restituir, apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da pessoa Física.
Independente de qualquer valoração que se repute ao conteúdo do PL 1087, registro válido se faz no sentido de que a discussão encartada passará ainda por um bom número de meandros, seja em função de sua redação/forma, seja em função de seu conteúdo. Tudo isso, tanto mais por considerarmos que o PL 1087 ainda comportará a apreciação pelos plenários das duas Casas do Congresso, bem como o crivo do veto presidencial.
Esse itinerário nos desperta a atenção para a provável possibilidade de alterações da proposta, sendo digno do mais prestimoso acompanhamento, sobretudo por que seu alcance, caso converta-se em norma jurídica posta, não se resumirá a este ou àqueloutro setor econômico ou profissional, mas sim a todos os sujeitos de direito que, de qualquer forma, auferirem renda ostentando a posição de pessoa natural. É por isso que as prescrições atinentes às novas figuras tributárias no texto tratadas – tanto a chamada “redução total ou parcial de imposto”, quanto a previsão das novas hipóteses de incidência do aventado IRPFM – não variam de uma para outra natureza de contribuintes.
Era o que cabia pontuar.
Fonte: Jornal do Notário


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